Cem anos depois da semana de trabalho de 40 horas da era pós-revolução industrial, os desafios que se nos deparam com o trabalho não se prendem com o facto de ser muito ou pouco, mas com a insatisfação crescente que muitas pessoas sentem ao ponto de prejudicar saúde e bem-estar, uma chaga social, mas que tem efeitos objetivos na produtividade dos profissionais e, consequentemente nas empresas. Um relatório do Stanford Center on Longevity conclui dois factos que dão que pensar: metade das crianças que hoje têm cinco anos podem esperar viver até aos 100, mas destes passarão 60 anos a trabalhar. Como será o futuro do mundo do trabalho?
A Adecco Portugal fez uma leitura do relatório e aponta 4 dicas sobre as quais as organizações devem refletir para começar a preparar-se para um futuro e uma sociedade sustentáveis.
1. O SURGIMENTO DE NOVAS FORMAS DE INSATISFAÇÃO COM O TRABALHO
Tal como trabalhar de ‘sol a sol’, sete dias por semana durante o máximo de tempo possível – a realidade para a maioria da classe trabalhadora até ao final do século XIX – não era sustentável, trabalhar durante 60 anos na forma como vivemos atualmente e equilibrar o trabalho com o resto das nossas vidas é irrealista.
De acordo com o relatório Stanford, a satisfação profissional hoje em dia não é medida apenas pelos salários, mas por fatores mais holísticos, tais como a discrepância entre horas reais e desejadas, oportunidades de crescimento pessoal, segurança no emprego, stresse mental, ética no trabalho, compromisso profissional, autonomia, flexibilidade e relações interpessoais. O equilíbrio trabalho-vida é mais do que um cliché do momento: vai aumentar em importância e ser a força motriz por detrás das mudanças na forma como trabalhamos.
Se o trabalho vai ser prolongado por um período mais longo, terá de se repensar a forma como trabalhamos e como equilibramos a profissão com o resto das nossas vidas, incluindo a saúde, os passatempos e as relações.
2. REPENSAR A ESTRUTURA DO TRABALHO/REFORMA
Esta evolução tem vindo a ocorrer gradualmente. Com uma esperança média de vida de 80 anos, o conceito de reforma aos 67 anos (de acordo com as mais recentes notícias, a idade da reforma irá baixar, em Portugal, para os 66 anos), sendo um estado desejável, muda necessariamente a forma como se pensa nos anos mais lucrativos da nossa vida ativa. Dedicar mais anos ao trabalho remunerado terá que, necessariamente, assegurar níveis de produtividade capazes de garantir um nível de vida estável ao longo da vida.
3. EQUILIBRAR OS ANOS DE PRODUÇÃO VERSUS ANOS DE CONSUMO
É conhecido que os Millenials têm um atraso considerável em relação às gerações precedentes em alcançar marcos de vida como o casamento, a propriedade de casa ou a paternidade. É apenas um exemplo, mas a ideia é que se atiram os anos mais produtivos de um profissional para a meia-idade. Daqui resulta que, atualmente, tentamos contribuir em excesso a meio da vida, equilibrando trabalho e família e tentando arranjar tempo para qualquer coisa que alimente a nossa felicidade, como hobbies, aprendizagem contínua, e depois chegamos à idade da reforma, quando se espera que contribuamos muito menos. Este é um desequilíbrio que será cada vez mais óbvio à medida que a esperança de vida for maior. Há que começar a distribuir esforços pensando num quadro de atividade mais longo, com maior equilíbrio da gestão da vida profissional e pessoal.
4. FAZER MUDANÇAS RADICAIS NA FORMA COMO SE EQUILIBRAM AS PRESSÕES AO LONGO DA VIDA
A meia-idade é apontada com um período particularmente sobrecarregado nas nossas vidas, anos durante os quais as pessoas assumem cumulativamente as maiores responsabilidades: ao nível profissional, na educação dos filhos e, frequentemente, na prestação de cuidados a parentes idosos. Estatisticamente, isto não é só verdade, como é particularmente stressante para as mulheres.
Uma das principais sugestões do estudo é que, neste contexto de maior esperança de vida, não é desejável estruturar as vidas da mesma forma que agora, apenas acrescentado mais anos a cada fase da vida. É necessária uma mudança mais dramática para um novo-normal mais radical.
Uma forma de combater este efeito de stresse de meia-idade, de acordo com Laura Carstensen, Diretora do Stanford, é fazer uma redistribuição das horas de trabalho ao longo das carreiras para acomodar períodos de stresse mais ligeiro ou mais pesados fora do trabalho. A título de exemplo, sugere uma estrutura de trabalho que permita a um casal reduzir o horário de trabalho para tempo parcial nos seus empregos numa fase em que têm maiores solicitações na sua vida pessoal, aumentando-o ao longo do tempo até ao regresso ao trabalho a tempo inteiro. Tal significaria ajustar razoavelmente as horas de trabalho ao longo da carreira, mas no cômputo geral, trabalhar-se-iam mais anos, mas com mais qualidade de vida e com reflexos positivos na produtividade das pessoas e empresas. A contribuição global de trabalho de cada profissional seria a mesma, mas permitiria que as pessoas pudessem concentrar-se noutras prioridades que surgem ao longo da sua vida adulta sem receio de perderem o seu emprego, sem cúmulo de stresse desnecessário e faturas altas no compromisso de saúde mental e bem-estar.
É um conceito de flexibilidade que hoje parece uma utopia, mas é absolutamente necessária uma reflexão sobre o futuro do mundo do trabalho numa perspetiva incontornável que é o aumento da longevidade humana, nas sociedades em que o acesso a cuidados médicos é possível. Um futuro com que muitos jovens líderes de hoje se irão confrontar durante a sua vida ativa.