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“O trabalho continuado em frente ao computador não provoca dano aos olhos”

A idade é a principal “culpada” de algumas doenças oculares e não existem formas de prevenção eficazes contra estas patologias.

10 Julho 2019
Forever Young

É por isso que é recomendada a visita ao oftalmologista entre os 42 e os 44 anos, para identificar possíveis problemas, como explicou à Forever Young o presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, prof. Fernando Falcão Reis.

Por Paulo Mendonça

Quais os cuidados básicos que devemos ter com a saúde dos olhos a partir dos 50 anos?

Por volta dos 50 anos, com frequência a partir dos 44 anos, surge a vista cansada ou presbiopia. A presbiopia consiste na incapacidade de focar as imagens de objetos situados ao perto, tipicamente à distância de leitura. A presbiopia é um fenómeno biológico de caráter universal, isto é, ninguém se consegue subtrair à presbiopia.

Ao contrário do que a maioria das pessoas possa pensar, a presbiopia não resulta do uso excessivo dos olhos. Ler, trabalhar com o computador e outras tarefas do dia a dia, que exigem esforço visual, são absolutamente irrelevantes no que diz respeito ao aparecimento da presbiopia. Os iletrados também são presbitas!

Com que frequência é recomendado fazer um exame ocular e qual é a sua importância?

Não há regras ou normas que imponham uma determinada periodicidade de visitas ao médico oftalmologista. Diria, como recomendação de caráter geral, que os jovens devem ser observados de quatro em quatro anos, a partir dos três anos e até à idade adulta. Se não existir qualquer sintomatologia, não é necessário consultar até aos 42 a 44 anos, altura em que se instala a presbiopia. Depois, até ao fim da vida, as pessoas devem aproveitar a necessidade de aumentar a graduação dos óculos de perto, que geralmente ocorre de três em três anos, para realizar um exame oftalmológico completo.

Para quem nunca teve nenhum problema oftalmológico, quais os sinais a que deve estar alerta?

Os sintomas que nunca devem ser desvalorizados são as alterações da visão, incluindo a dupla imagem, e a dor ocular. Outros sinais que também nunca devem ser desvalorizados são o olho persistentemente vermelho e alterações das pupilas e das pálpebras.

Trabalhar diariamente em frente ao computador pode prejudicar a visão, ou isto é um mito? Como se pode evitar?

O trabalho continuado em frente ao computador não provoca dano aos olhos. Nesse sentido, não há nenhuma doença ocular cuja origem possa ser atribuída aos computadores. A sensação de cansaço, olho vermelho e dores de cabeça, a que os doentes chamam erradamente vista cansada (vista cansada é, em termos médicos, sinónimo de presbiopia), desaparece com uma boa noite de descanso.

Há, todavia, algumas regras para reduzir os sintomas associados ao trabalho prolongado com computadores, sintomas oculares e outros, que no conjunto constituem o chamado “síndrome visual dos computadores”. A primeira regra a ter em conta é colocar o monitor numa posição inferior ao nível dos olhos. A segunda regra é pestanejar ativamente com frequência e energia. O esforço de atenção faz com que os olhos fiquem desmesuradamente abertos e as pálpebras imóveis, que é exatamente o contrário do desejável para manter a visão nítida e confortável. A terceira regra é fazer pausas desviando os olhos do computador e olhando para longe.

Popularizou-se a regra dos 20-20-20: olhar para mais de 20 pés (seis metros), durante 20 segundos em cada 20 minutos de trabalho. É uma boa regra. Já o problema da radiação azul emitida pelos ecrãs, muito mediatizado pela indústria ligada aos óculos, é um falso problema. Não há evidência científica de que a luz azul, com este nível de energia, possa provocar lesões oculares.

E quanto ao uso de smartphones? A sua utilização excessiva pode realmente lesar os olhos de forma grave e/ou permanente?

O que foi dito em relação aos computadores aplica-se de igual modo aos smartphones. O facto de serem hoje massivamente utilizados por crianças, inclusive em idade pré-escolar, coloca problemas específicos. A miopia, particularmente nas formas mais comuns, sabe-se desde há muito, pode ser induzida pelo esforço continuado da visão ao olhar para perto. Acresce que o uso exagerado dos smartphones leva a um menor tempo dedicado a outras atividades, nomeadamente as atividades ao ar livre, que são essenciais para uma vida saudável e também para os olhos. Sem exposição solar não há produção de dopamina, um neuromodulador determinante na fisiologia ocular e que tem sido implicado na génese da miopia.

Quais as doenças oculares que costumam surgir com o avançar da idade?

Há várias doenças oculares cuja prevalência aumenta com a idade. As que colocam mais problemas, por serem as mais frequentes, são as cataratas, o glaucoma e a degenerescência macular da idade. A retinopatia diabética atravessa todas as idades, mas é importante lembrar que, particularmente a retinopatia relacionada com a diabetes tipo 2, é mais prevalente com o envelhecimento.

Existem formas de prevenção, ou a degeneração da visão com o avançar da idade é inevitável?

Não há formas de prevenção eficazes para evitar o aparecimento de qualquer das doenças relacionadas com a idade. Em algumas dessas doenças, em que o factor major é a idade, como é o caso da catarata, não há nada a fazer. Noutras doenças em que os factores ambientais ou de outra ordem assumem um papel muito importante, como é o caso da retinopatia diabética, há lugar à prevenção, que passa, entre outras recomendações, por um bom controlo metabólico e pela realização de exames fundoscópicos regulares.

Qual o diagnóstico que faz sobre a visão dos portugueses?

A assistência oftalmológica em Portugal tem um nível equiparado à generalidade dos países europeus.

Quais os grandes avanços tecnológicos dos últimos anos em Portugal na oftalmologia, ao nível do diagnóstico e da terapêutica?

São muitos e variados os avanços que mudaram radicalmente a prestação de cuidados de saúde na área da oftalmologia a nível mundial e local. O diagnóstico é feito hoje com uma antecipação e uma segurança, graças não só à incorporação tecnológica, mas também ao aumento do conhecimento da fisiopatologia ocular, que tornam a oftalmologia de há apenas 20 anos um monumento de obsolescência. O tratamento das doenças oculares também mudou radicalmente e, na impossibilidade de nomear todos os tratamentos que foram alvo de profundas alterações, destaco apenas dois pelo impacto que têm num grande número de doentes.

O primeiro tratamento que merece destaque é a cirurgia de catarata. Com a introdução das lentes intra-oculares, a técnica de trituração e aspiração do cristalino através de energia ultrassónica ou laser, a utilização de micro-incisões auto-selantes e a consequente ausência de pontos e a generalização da cirurgia de ambulatório, a cirurgia de catarata passou a ser bem aceite pelos doentes. Uma cirurgia que antes se protelava, por vezes exageradamente, é agora realizada precocemente, porque as vantagens são percebidas pelo doente logo nas primeiras 24 horas após a cirurgia.

O segundo avanço que destaco, em detrimento de outros igualmente importantes, é o relativo ao diagnóstico e tratamento da degenerescência macular relacionada com a idade (DMI). O diagnóstico da DMI nas suas várias formas é hoje muito facilitado pela utilização em larga escala da tomografia óptica coerente (OCT). O OCT é, ele próprio, um exemplo de uma inovação tecnológica que revolucionou toda atividade médica e cirúrgica na área da oftalmologia. O impacto da introdução do OCT na prática clínica foi, porventura, ainda mais expressivo no diagnóstico e tratamento da DMI.

Por feliz coincidência, a introdução do OCT aconteceu mais ou menos ao mesmo tempo que o advento de novos fármacos designados por AVEGF. Os AVEGF atuam obliterando os neovasos que invadem a fóvea, a zona da retina mais importante para uma visão normal. Graças ao tratamento regular com injeções intravitreas dos vários AVEGF e a monitorização periódica do estado da retina por OCT, os doentes com DMI podem hoje contar com muitos anos de vida com visão útil preservada.

A oftalmologia é uma área conhecida por ter muita tecnologia associada. De que forma a população médica consegue estar permanentemente atualizada?

A Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO), como sociedade científica que é, tem essa função que, em nossa opinião, tem cumprido de modo muito satisfatório. Por outro lado, os médicos fazem um esforço pessoal considerável para frequentar as principais reuniões científicas no País e no estrangeiro. Os médicos que trabalham só no setor privado ou em pequenos hospitais são os de maior vulnerabilidade.

Pelo contrário, os médicos que trabalham em grandes centros universitários têm mais oportunidades de aproveitar os programas em curso nesses hospitais dirigidos a internos ou a especialistas em processo de aquisição de novas competências e, portanto, têm muito mais facilidade em se manterem atualizados.

Qual é o futuro da abordagem clínica oftalmológica?

A abordagem clínica oftalmológica, na vertente de assistência à população em termos de cuidados primários, enfrenta uma ameaça que não é despicienda. A assistência oftalmológica à população tem que ser reconhecida por todos. Porém, há um grupo profissional, os ortoptistas – que se auto-intitulam de especialistas da visão –, que se arrogam ao direito de substituir os oftalmologistas na prestação de cuidados, nomeadamente no diagnóstico e correção de várias patologias oculares.

O termo “especialistas da visão” cria confusão com os especialistas médicos. Em nenhuma outra especialidade médica houve uma usurpação do termo “especialista”, como está a acontecer na oftalmologia, o que tem efeitos nefastos na saúde pública pela confusão que gera. Os técnicos de optometria não são profissionais de saúde, nem são preparados para o ser pelas escolas que os formam.

São técnicos formados para trabalhar nas casas de ótica. A pretensão de diagnosticar e até de tratar algumas doenças oculares é ridícula e releva da ignorância e impreparação, quer nas ciências básicas de saúde, quer nas disciplinas clínicas e na ausência de vivência hospitalar. Acresce que Portugal não precisa de outros profissionais, já que os médicos são em número suficiente.

O rácio de um oftalmologista para 20 mil pessoas, recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é cumprido em Portugal. Permitir o acesso a consultas de oftalmologia regulares não é um problema de falta de médicos, é um problema político, que tem solução imediata com os meios médicos em que o País tanto investiu.

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