Estima-se que em 2050 as resistências aos antibióticos possam ser responsáveis por mais mortes do que o cancro e afetem pessoas de todas as idades, com consequências graves para a sociedade e para o ambiente. Se nada mudar, dentro de alguns anos poderemos voltar à era pré-antibióticos, período em que ferimentos e infeções simples podiam causar danos consideráveis ou mesmo levar à morte, transformando procedimentos médicos de rotina em procedimentos de elevado risco.
Com o objetivo de avaliar o estado atual do conhecimento dos portugueses em relação ao consumo de antibióticos e o potencial impacto destes comportamentos no problema da resistência aos antimicrobianos, o Grupo de Investigação e Desenvolvimento em Infeção e Sépsis (GISID), com o apoio do Centro de Estudos Aplicados da Universidade Católica Portuguesa, promoveu a realização de um inquérito nacional sobre o consumo de antibióticos. Este estudo vem na sequência de um inquérito semelhante realizado em 2020, e que servirá agora de base comparativa. O estudo agora realizado irá ainda permitir avaliar se alguns dos comportamentos e perceções relativos à toma de antibióticos foi influenciado pela pandemia da COVID-19.
O estudo mostra que 83% dos portugueses afirmou tomar antibióticos e que são as mulheres quem mais o faz. Apenas 23% dos inquiridos conseguia identificar o antibiótico tomado, quase o mesmo número que confessou não seguir as indicações de prescrição (26%). Apesar de ser uma melhoria face aos últimos valores (36%), estes dados são motivo de forte impacto e preocupação.
Os números relativos à “Perceção sobre uso de antibióticos”
· Em apenas 2 anos houve um aumento significativo no número de inquiridos que afirmou tomar antibióticos: 83%, mais 10% que em 2020.
· Há mais mulheres a tomar antibióticos (45% vs. 39% homens) e são principalmente os homens quem mais os evita, mesmo quando prescritos pelo médico (3%).
· 53% dos inquiridos revelou que a prescrição do antibiótico foi feita por um médico em ambiente de ambulatório (consultório), uma ligeira diminuição face a 2020 (55%). Em segundo lugar, com 19% surge a prescrição médica em ambiente de urgência e em 3º lugar a prescrição no contexto de um tratamento dentário (15%). No total, 94% das respostas incidem na prescrição por um profissional médico.
· 77% não consegue identificar o antibiótico que toma e nem sempre quem diz saber os identifica corretamente.
· Aumentou o número de pessoas que referem que a duração do tratamento é a informação mais importante ao ser-lhe prescrito um antibiótico (de 37% em 2020 para 52% em 2022).
· Apenas 50% dos respondentes entrega os medicamentos que já não usa na farmácia. São principalmente as mulheres que o fazem (30% vs. 20% dos homens), e pessoas com mais de 65 anos (15%) e entre os 35-65 (entre 9% e 10%). Não se verificam diferenças significativas face a 2020 quanto ao comportamento para com os medicamentos remanescentes.
· 14% dos inquiridos admitem ter antibióticos armazenados em casa. 57% destes afirma tê-lo desde o último tratamento. São mais os homens quem armazena medicamentos em casa (58% vs. 42%) e os mais velhos (+55 anos) são quem menos o faz.
· Aumentou o número de respondentes a indicar que são as infeções causadas por bactérias as que devem ser tratadas com antibióticos (42% em 2022 vs. 36% em 2020).
· 28% dos inquiridos consideram que o uso do antibiótico está limitado à medicina humana (25% em 2020). Denota-se uma melhoria no conhecimento quanto a outras áreas de consumo de antibióticos apontadas, em que “todas as anteriores” (Medicina veterinária + Agropecuária) é referida em 62% das respostas e “Medicina veterinária” em 34% das respostas.
· 30% não conhecia o conceito de resistência aos antimicrobianos – uma ligeira descida face a 2020 em que 34% nunca tinha ouvido falar do termo. Dos 70% que já conhecia, 55% são mulheres, e principalmente nas faixas etárias mais velhas: >65 anos (22%), 55-65 (17%), 45-55 (19%) e 35-45 (20%).
· São sobretudo as mulheres (52%) que consideram que a resistência aos antimicrobianos é um problema associado ao consumo de antibióticos, salientando-se que a faixa que dá menos relevância ao tema é a dos mais jovens (<=25 anos apenas 10% conhece o assunto).
· 13% das pessoas consideram ser possível obter antibióticos na farmácia sem receita médica, uma percentagem ligeiramente menor que em 2020 (16%).
· Com a COVID-19, 9% das pessoas admite ter tomado antibiótico. Destas, 57% foram mulheres.
O que é a resistência aos antibióticos?
A resistência aos antibióticos é a capacidade dos microrganismos se modificarem, desenvolvendo mecanismos que os tornam menos suscetíveis à ação dos antibióticos. O consumo de antibióticos é, atualmente, um dos determinantes principais do desenvolvimento deste fenómeno.
Portugal tem uma das mais elevadas taxas de infeções hospitalares da Europa. Registamos, quase diariamente, casos em que pequenos problemas se transformam em situações graves ou mesmo em mortes devido a infeções hospitalares por bactérias multirresistentes. Infelizmente, este tipo de bactérias parece já não estar restrito ao ambiente hospitalar e podem encontrar-se em infeções adquiridas na comunidade.
A resistência aos antibióticos tem-se revelado uma grave ameaça para a saúde pública. Na Europa, a prevalência de infeções causadas por microrganismos resistentes a antibióticos é igual à soma da prevalência de tuberculose, VIH/SIDA e gripe, as quais causam mais de 35.000 mortes por ano. Mais de um terço destas resistências é contra antibióticos considerados “de última-linha”.
É urgente a implementação de estratégias capazes de forma rápida e eficaz mudarem a trajetória deste problema, reconhecendo que a necessidade de intervenção é verdadeiramente multissetorial e não limitada à prática da Medicina Humana. Trata-se de uma ameaça cujas raízes são transversais à atividade económica (abrangendo sectores desde a construção civil até à agropecuária) e, como tal, afigura-se como fundamental convocar para este exercício todas as partes implicadas.
Se falharmos neste combate, os custos à escala mundial poderão ser verdadeiramente catastróficos. Estima-se que, dentro de menos de 3 décadas a resistência aos antimicrobianos será responsável pela perda de mais de 100 mil milhões de dólares da economia global e por mais mortes do que o cancro e a diabetes juntos, o equivalente a cerca de 10 milhões de óbitos por ano, ou seja, uma morte a cada 3 segundos.