Partindo da sua experiência pessoal como artista e divulgador cultural, com o livro “Falar Piano e Tocar Francês”, Martim Sousa Tavares convoca o leitor para «uma reflexão sobre o modo como nos relacionamos com a arte nas suas múltiplas expressões»: a cena de um filme de João César Monteiro, as subtilezas escondidas numa partitura de Monteverdi, o deslumbramento captado por um poema de Sophia, a paixão por Veneza, cidade a que regressa todos os anos.
A beleza pode não precisar de livro de instruções, mas a arte é uma forma de partilha onde o entusiasmo da mediação, o modo de ver, acrescenta significados ao objeto artístico, seja ele uma sinfonia, uma pintura ou um poema.
Diz que a beleza está em todo o lado: é isso que o leva a ser multifacetado? A busca incessante por essa beleza?
Sim, acredito que há beleza para ser descoberta em todo o lado e em vários aspetos da vida, tal como se pode descobrir prazer e interesse em incontáveis lugares. Ficar focado apenas num seria um desperdício de vida.
Encontra essa beleza em Veneza? O que tem esta cidade que tanto o encanta?
Veneza é das cidades mais fáceis para quem procura coisas bonitas. Uso esta cidade como exemplo no livro sobre como podemos encontrar coisas belas e inesperadas até nos lugares mais batidos e até fetichizados.
Músico, maestro, divulgador, jurado, agora escritor. Como é que surgiu a ideia deste livro?
Depois de mais de 150 guiões que produzi para a Antena2 ou a RTP2, onde falei sobre música, artes, significados, cultura, senti-me perfeitamente ensaiado para um livro. E, mais do que isso, tinha vontade de o fazer.
“Falar piano e tocar francês”, porquê este nome? Baseia-se numa expressão típica que se ouvia muito em Portugal.
A minha intenção é desfazer esta frase-feita, que na cultura burguesa era o preceito para uma educação cultural completa. As meninas bem-nascidas que tocassem piano e falassem francês estavam prontas para a vida. Considero que isso é falso, e nunca estamos verdadeiramente prontos nem nos podemos dar por satisfeitos.
Arte, cultura e humanismo: deviam ser os pilares da existência humana?
Os pilares, para mim, deveriam ser empatia e compaixão, mas esses enquadram-se no espírito do humanismo.
Mediar ou “o verbo-chave nesta história”: ao contrário dos mediadores “normais” que são isentos ou neutros, o Martim assume aqui um papel interventivo. Era importante para si assumir esse papel?
Nenhum mediador é neutro. Não pode sê-lo por natureza, e eu pretendo frisar essa evidência.
Qual é hoje o papel da arte? Na sua opinião qual é atualmente a sua função primordial?
O mesmo que sempre teve: ligar uns e outros.
É tido como um excelente comunicador: é importante para si estabelecer pontes com quem está à sua frente? Seja num concerto, num programa de TV, a ouvi-lo num podcast ou a ler as páginas deste livro?
É indispensável para mim saber quem tenho a frente e a quem me dirijo. O melhor serviço é aquele que se adapta, e eu sou um prestador de serviços. Não atuo da mesma forma se for para um público de crianças ou de adultos, um público no Rio de Janeiro ou em Coimbra.
Desde sempre que em Portugal a música clássica foi vista como algo de elites e quase intocável. É importante para si desconstruir essa imagem?
Discordo. Essa é uma etiqueta que foi construída na primeira metade do século XX. Na verdade, até é bem recente. Desde então, têm sido incontáveis aqueles que se têm batido pela sua democratização de novo. Até mesmo em Portugal, sigo nas pisadas de pessoas como José Atalaya, João de Freitas Branco, António Victorino d’Almeida, entre outros.
Como é que se faz isso?
Com sentido de missão, inabalável paixão e humildade.
Qual foi a sua experiência mais memorável?
Cada concerto encerra em si memórias e aprendizagens. Recentemente, um concerto de que gostei muito foi em Viana do Castelo, com uma orquestra de jovens da escola profissional de música. Foi uma aprendizagem a 360º.