O riso, fenómeno humano aparentemente simples, é, na verdade, uma expressão multifacetada do funcionamento psíquico. Pode surgir como manifestação de prazer genuíno, mas também como um mecanismo de defesa. Compreender o riso nas suas diferentes dimensões permite-nos aceder a camadas profundas da experiência emocional e relacional.
Na perspectiva psicodinâmica, o riso pode ser interpretado como uma defesa psíquica (um modo inconsciente de lidar com conteúdos internos conflituosos ou emoções difíceis de tolerar, como a ansiedade, a tristeza ou a raiva). Ao rirmo-nos de algo doloroso ou desconfortável, podemos estar a afastar temporariamente o sofrimento, transformando a angústia em algo mais suportável. O humor, neste contexto, funciona como uma sublimação, permitindo que conteúdos reprimidos sejam expressos de forma socialmente aceitável e até valorizada… ou até, uma forma de relativizar a situação.
Por exemplo, pacientes que recorrem ao riso em momentos de vulnerabilidade na sessão podem estar a evitar o contacto directo com afetos intensos. Em vez de chorarem ao partilhar uma perda, riem, talvez como forma de proteger-se da dor ou de manter o controlo sobre emoções sentidas como angustiantes. É importante, nestes casos, que o terapeuta reconheça e acolha esta defesa com empatia, ajudando o paciente a explorar o que o riso está, silenciosamente, a dizer.
Contudo, o riso não é apenas defesa. É também, e de forma poderosa, uma expressão autêntica de alegria, liberdade e conexão. Rir com alguém pode representar uma abertura emocional, um momento de intimidade partilhada. O riso liberta tensões, reforça vínculos e promove o bem-estar físico e psicológico, estimulando a libertação de neurotransmissores como a dopamina e as endorfinas.
Num mundo marcado pelo stress e pelo sofrimento psíquico, rir tornou-se também um acto de resistência e de saúde. Não por negar a dor, mas por encontrar espaços onde a leveza pode coexistir com a complexidade da vida emocional. O riso, quando espontâneo e vivido plenamente, pode ser sinal de um ego saudável e de uma capacidade de brincar com a realidade, uma função essencial no desenvolvimento emocional.
Na clínica, é fundamental escutar o riso com atenção. Nem todo riso é igual, e o seu contexto, intensidade e frequência dizem-nos muito sobre o funcionamento interno de cada um. Rir pode ser um modo de pedir ajuda, de desviar o olhar do que dói, ou de celebrar um momento de insight e crescimento.
Neste dia, propomos que se pense no riso não apenas como sinal de felicidade, mas como um espelho do mundo interno, uma via de expressão, de contacto e de transformação. Que possamos rir de forma consciente e sensível, promovendo tanto a leveza como a profundidade da experiência humana.