A nova estratégia para as doenças raras, hoje divulgada, defende que os doentes elegíveis para a prescrição de medicamentos órfãos, que envolvem o diagnóstico e o acompanhamento em Portugal, devem ser referenciados pelo médico assistente do país de origem.
O “Plano de Ação para as Doenças Raras: da estratégia à Pessoa 2025-2030”, apresentado pelo Ministério da Saúde no Dia Mundial das Doenças Raras, refere que deve “haver critérios e normas” para este tipo de situações, de que é exemplo o caso das gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinhal, que foram tratadas no Hospital Santa Maria, em Lisboa.
“Doentes com diagnóstico e seguimento noutros países devem ser referenciados pelo médico assistente do país de origem para um CRef [centro de referência] ou um CEdOS [Centro Especializado de Órgão/Sistema], com autorização prévia das entidades competentes nesse país e em Portugal, estratégia de que é exemplo a Diretiva Europeia de Cuidados Transfronteiriços”, segundo o documento divulgado hoje pelo Ministério da Saúde.
Em Portugal, todos os medicamentos órfãos aprovados pela Agência Europeia têm Autorização de Introdução no Mercado, e há 55 em avaliação, em diferentes áreas terapêuticas em Portugal. Segundo dados divulgados no documento, foram financiados e administrados 82 opções terapêuticas para doenças raras, entre 2019 e 2024, sendo a maioria para doenças oncológicas, respiratórias e do sistema nervoso central.
Em 2024, a despesa com estes medicamentos foi de 335 milhões de euros, representando 15,6% da despesa hospitalar com medicamentos.
Atualmente, estão aprovados 184 medicamentos órfãos, com 135 indicações terapêuticas, mas apenas para 15% das doenças raras, refere o documento, sublinhando que, nos últimos três anos, foram autorizados 127 ensaios clínicos em doenças raras, dos quais 60 em 2023.
Os peritos que elaboraram o plano afirmam que, apesar das ações positivas dos programas anteriores como a criação de centros de referência, o acesso a medicamentos inovadores e melhor diagnóstico com novos métodos de sequenciação, o registo é ainda insuficiente.
“Os códigos ORPHA [identificador único atribuído a cada doença na plataforma europeia Orphanet] não estão disponíveis em todos os sistemas informáticos, há serviços integrados em Redes Europeias de Referência e que não constituem Centros de Referência em Portugal, mantém-se uma deficiente coordenação intersetorial, assim como défice de informação à população e formação insuficiente dos profissionais de saúde”, alertam.
O novo plano foi elaborado pelo Grupo de Trabalho Intersetorial para as Doenças Raras, nomeado em 2023, constituído por representantes de instituições dos ministérios da Saúde, da Educação, Ciência e Inovação, Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, associações de doentes, ordens profissionais e municípios, a que se somaram mais de 100 contributos no período de discussão pública.
O documento identifica 25 ações prioritárias para 2025 e prevê três ações prévias das quais duas da responsabilidade do Ministério da Saúde: Aprovação da Ação para as Doenças Raras 2025‑2030 e a nomeação da Coordenação Intersetorial para as Doenças Raras.
A terceira ação é da responsabilidade dos Ministérios da Educação e Ciência e da Solidariedade Social, nomeadamente a “sensibilização e compromisso de concretização das ações inerentes às suas áreas”. As 25 ações assentam em “quatro pilares indispensáveis” para a concretização do plano: Centros Especializados, Registo e Codificação, Investigação e Formação.
Metade das pessoas com doença rara insatisfeita com cuidados de saúde
Também hoje foi anunciado, que cerca de metade das pessoas com doença rara, famílias e cuidadores estão insatisfeitas com os cuidados de saúde, tendo necessidade de grandes deslocações, além de sentirem discriminação social, segundo o relatório do Grupo de Trabalho Intersetorial para as Doenças Raras.
O acesso da Pessoa com Doença Rara (PcDR) a um centro especializado, com uma equipa experiente e uma abordagem multidisciplinar “é muito assimétrico e não equitativo” em Portugal, “sendo conhecido que apenas metade das PcDR são seguidas em Centros de Referência e um terço se desloca mais de 50 quilómetros”.
Salienta que, quando o diagnóstico é confirmado, mas não havendo terapêutica específica, “há necessidade de intervenção diversa, de tipo sintomático, preventivo e/ou de suporte, com diferentes apoios medicamente orientados, nomeadamente de Medicina Física e de Reabilitação, Psicologia e Nutrição”.
No caso das doenças “com incapacidades permanentes ou progressivas, é necessária a integração de cuidados em saúde e, da saúde com outras áreas, como educação, ação social ou emprego; para as que têm terapêuticas inovadoras aprovadas, exige-se acesso equitativo aos chamados medicamentos órfãos (MO) – destinados a este tipo de doença.
Em todas se salienta “o acesso adequado aos cuidados de saúde mental conforme as necessidades identificadas assim como a orientação quanto a cuidados continuados e paliativos”, defende.
Segundo os peritos, a falta de financiamento, auditoria e recursos humanos resultaram “na implementação parcial” da Estratégia Integrada para as Doenças Raras 2015-2020. “Cerca de metade das PcDR/famílias/cuidadores estão insatisfeitas com os cuidados de saúde, têm necessidade de grandes deslocações e sentem discriminação social”, salientam.
Defendem que a complexidade das situações exige esforços combinados para reduzir a morbilidade e a mortalidade precoce, melhorar a qualidade de vida dos doentes, família e cuidador, assim como “promover o potencial socioeconómico, o que requer cooperação e alianças a nível nacional e europeu”.
O grupo de trabalho refere que as audições e a discussão pública realizadas “foram determinantes” para perceber as principais dificuldades, com as associações de doentes a confirmar a escassa participação ativa, o acesso à informação, aos centros de cuidados, a integração dos cuidados de saúde e de outras áreas, o conhecimento sobre investigação, nomeadamente ensaios clínicos, e a falta de capacitação sobre como lidar com a sua situação.
“Os profissionais de saúde e de outras áreas, de instituições públicas e privadas, dos centros de cuidados, ordens profissionais, sociedades científicas, centros de investigação e academia manifestaram também limitações e ameaças que são os pilares do atual plano”, sublinha
Os peritos defendem a criação de uma estrutura nacional e intersetorial de monitorização e acompanhamento, bem como um Conselho de Jovens com Doença Rara. Contempla também o funcionamento em rede das instituições e o estreitamento da colaboração com as redes europeias.
Também defende o Registo de Saúde Eletrónico único, que permite interoperabilidade entre os Sistemas de Informação de entidades públicas e privadas e a utilização dos códigos ORPHA para um registo adequado, a emissão do cartão de PcDR com indicação do médico, do centro de cuidados e qual a intervenção em caso de emergência.
Em 2024, foram rastreados 84.631 recém-nascidos (99% dos nascimentos no país) e identificaram-se 138 com alterações suspeitas de doenças raras. Estima-se que existam 600 mil pessoas com uma doença rara em Portugal.