Portugal é um país extremamente rico em estórias e mitos antigos que inspiram costumes e superstições. São às centenas as lendas portuguesas, contos, ditos e crenças populares que fazem da nossa cultura tão rica e interessante. De lobisomens a fadas, bruxas a sereias, fantasmas e almas-penadas a milagres de santos, não há criatura que o nosso folclore não inclua, à exceção, talvez, de vampiros.
Mas não só de terror se tratam as lendas portuguesas. Muitas revelam terras e gentes de coragem, histórias de vingança, amores impossíveis e amores perfeitos, revela o National Geographic
Lenda da Lagoa do Negro
Esta lenda conta a história de como a Lagoa do Negro, na ilha Terceira, apareceu. Conta-se que, há séculos, existia uma família nobre na Terceira, com escravos negros. A única filha do patriarca era submissa e receava o pai, e aceitou sem questionar um casamento imposto. A moça, presa num casamento por conveniência do pai, apaixonou-se por um escravo, que também a amava.
Um dia, uma aia que seguia a morgada para todo o lado, escutou os apaixonados a falar do seu amor, e foi contar ao seu amo. Este, vexado e enraivecido, ordenou que se prendesse o escravo.
O homem, ao ouvir cães de caça e cavalos ao longe, percebeu que o buscavam e pôs-se em fuga. Fugiu pelos montes e vales, até não mais conseguir correr, e deixou-se cair em desespero. Diz a lenda que o escravo começou a chorar tanto e com tanta tristeza, que as suas lágrimas fizeram nascer uma lagoa à sua frente. Assustado e encurralado, ouvindo os cavalos cada vez mais próximos, correu colina acima e atirou-se para a lagoa, onde morreu afogado.
Lenda da Boca do Inferno
Esta lenda passa-se na zona de Cascais, onde em tempos existiu um castelo habitado por um bruxo malvado. O bruxo escolheu a mais bela donzela da zona para se casar, mas ao vê-la em pessoa decidiu prendê-la escondida, louco de ciúmes pela beleza dela. A donzela ficou confinada a uma torre solitária, com um cavaleiro de guarda, sem nunca se poderem ver.
Os anos passaram e os dois conversavam e faziam-se companhia, até que o cavaleiro decidiu subir à torre para ver a sua amiga. Diz a lenda que, quando o cavaleiro abriu a porta, ficou embasbacado com a sua beleza e rapidamente se enamorou dela. Os apaixonados decidiram fugir a cavalo, esquecendo-se que o bruxo enfeitiçara a donzela e de tudo sabia.
O feiticeiro, enraivecido e sedento de vingança, invocou uma tempestade fortíssima que atingiu os rochedos por onde os amantes fugiam. Os rochedos abriram-se como uma boca, e as águas engoliram a donzela e o cavaleiro. Esse buraco nunca mais fechou, e a população começou a chamar-lhe Boca do Inferno, pelo destino infeliz que o par teve.
Lenda da Moura da Ponte de Chaves
Reza a lenda de Chaves que no século XII, uma jovem moura ficara noiva do primo, Abed, filho de um guerreiro mouro que virara alcaide. A jovem, apesar de ter aceitado o noivado, não amava o futuro marido. Anos mais tarde, os cristãos voltaram para reconquistar Chaves, e a jovem moura foi tomada refém por um guerreiro cristão. A moura e o cristão apaixonaram-se e viviam felizes, enquanto o seu prometido e o seu tio fugiram de Chaves. Os cristãos ganharam a guerra e restabeleceu-se a paz.
Abed, que sabia do caso, nunca perdoou, e voltou à cidade vestido de mendigo, para se vingar. Esperou-a na ponte e, quando a viu, pediu-lhe esmola. A moura, que lhe estendeu a mão, cruzou olhares com ele e o mouro rejeitado rogou-lhe a praga: “Para sempre ficarás encantada sob o terceiro arco desta ponte. Só o amor de um cavaleiro cristão, não aquele que te levou, poderá salvar-te.” A moura desapareceu como por magia, e só umas poucas damas cristãs foram testemunhas.
O amado procurou a sua moura por toda a parte e nunca a encontrou, acabando por morrer de tristeza e saudade. E a moura encantada da ponte nunca mais foi vista. Anos mais tarde, diz o povo que, numa noite de S. João, passava um cavaleiro cristão pela ponte quando ouviu murmúrios e socorros. Então, uma voz de mulher lhe pediu para descer ao terceiro arco da ponte e dar-lhe um beijo. O jovem cristão, com medo, fugiu. Assim, ficou a moura da ponte de Chaves encantada para sempre. Agora, nas noites de S. João, é possível ouvir os lamentos da moura encantada, que está eternamente castigada por se ter apaixonado.
A Lenda da Senhora que Passou
Em Vila Verde, Braga, também uma freguesia chamada Paçô ficou marcada por um amor impossível. A lenda de Paçô conta que, certo dia, pai e filha caminhavam pela estrada quando resolveram parar para descansar. A filha, Joana, desceu a um riacho para beber água. O espanto da jovem veio quando o riacho lhe falou, com voz de homem. Ela, assustada, ouviu, como o riacho lhe dizia que pelo amor que lhe tinha, se transformaria em rio para a seguir. O riacho com voz de homem pediu à jovem Joana que lhe beijasse as águas e dissesse baixinho “Amor”, para selar a promessa. A jovem assim fez, mas de seguida correu para o pai que a chamava.
À noite, enquanto o pai dormia, Joana esgueirou-se para ver se o riacho a seguira. Desceu e deparou-se com um rio! A moça pediu ao rio que se mostrasse na forma de homem, pedido ao que o rio acedeu. No momento em que o rio se fazia homem, o pai de Joana apareceu e, vendo a filha com um rapaz, ficou fora de si e levou-a para longe. O rio feito homem só pôde ver a sua amada a desaparecer.
No dia seguinte, conta o povo, ouviam-se lamentos com voz de homem vindos dos lados do rio. “A senhora passou por aqui? Passou? Passou?”, perguntava a voz. De tanto repetir estas palavras, o lugar ficou conhecido por Passô, e o rio chamou-se Rio Homem. De Joana, nunca mais se soube, mas a sua memória continua viva em Vila Verde.
Lenda da Costureirinha
Diz-se que no início do século XX havia no Baixo Alentejo uma costureira que trabalhava muito, incluindo ao Domingo. Por isso, por não respeitar o dia sagrado segundo a tradição católica, Deus castigou-a e fez com que andasse a vaguear no mundo dos vivos, depois da sua morte.
Outra versão é que esta costureira tinha feito uma promessa a S. Francisco, em vida, e nunca a cumpriu até morrer. Assim, deveria redimir-se, passando um período de errância, antes de subir aos céus. O motivo não se sabe, mas o que se sabe é que a costureirinha se tornou alma-penada e vagueava entre os vivos, invisível.
No silêncio da noite, ouvia-se a costureirinha a coser, e muitos ouviam a máquina a trabalhar, a tesoura a cortar, o dedal a cair. No entanto, esta assombração não assustava os alentejanos, pois a costureirinha era familiar. E agora, será que ainda se sente?