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Entrevista: «O cancro do pulmão não é uma doença exclusiva dos fumadores», Isabel Magalhães, presidente da Pulmonale

A sensibilização para a importância do rastreio do cancro do pulmão foi o tema da conversa com Isabel Magalhães, presidente da Pulmonale.

25 Outubro 2023
Sandra M. Pinto

A Pulmonale – Associação Portuguesa de Luta Contra o Cancro do Pulmão, é uma associação nacional sem fins lucrativos, constituída por profissionais de saúde, doentes e público em geral que apela a que se façam rastreios regulares de forma a evitar esta doença. O próximo passo assenta na campanha lançada hoje, sobre a qual falámos com Isabel Magalhães, presidente da Pulmonale.

Ainda é o cancro que mais mata, e Portugal não está fora desta realidade. Cada vez mais a prevenção é importante, e integrado nela, os rastreios regulares á população são essenciais, defende a responsável.

O que é e qual a missão da Pulmonale?
A Pulmonale – Associação Portuguesa de Luta contra o Cancro do Pulmão é uma associação sem fins lucrativos, constituída no final de 2009. De âmbito nacional, integra profissionais de saúde, doentes e público em geral.

Tem como missão a prevenção, o apoio ao doente e ao cuidador, a divulgação de informação credível dirigida ao público em geral sobre o cancro do pulmão, a promoção de campanhas de sensibilização, bem como colocar esta patologia na agenda dos decisores, diminuir o estigma associado a este diagnóstico e cooperar com outras organizações a nível nacional e internacional.

Que especificidades apresenta o cancro do pulmão quando comparado com outros cancros?
O cancro do pulmão é a patologia oncológica com maior taxa de mortalidade associada. Tem também associado um “estigma” pela sua ligação ao tabagismo.

Que fatores podem levar ao aparecimento da doença?
A cancro do pulmão é uma doença em grande medida evitável, já que mais de 80% dos diagnósticos de cancro do pulmão estão associados diretamente ao consumo de tabaco, ao que acresce as situações de diagnóstico em fumadores passivos.

Há, no entanto, outros fatores de risco conhecidos, nomeadamente ambientes ricos em substâncias cancerígenas (ex: rádon, amianto, etc), bem como poluição ambiental. Algumas patologias preexistentes podem ser também fator de risco.

Olhando para Portugal como tem evoluído a doença?
O cancro do pulmão tem continuado a aumentar em parte pelo aumento do consumo de tabaco por parte das mulheres

De que forma isso se reflete em números?
Em 2020, em Portugal, ocorreram 5.415 novos casos, tendo-se registado 4.797 mortes. Em média, podemos dizer que foram diagnosticados 15 portugueses com cancro do pulmão por dia e, no mesmo período, dia morreram 13

O cancro de pulmão tem uma taxa de sobrevivência muito baixa. Porquê? Há alguma explicação para tal?
A taxa de sobrevivência do cancro do pulmão, quando comparada com outras patologias oncológicas, nomeadamente cancro da mama e cancro colorretal, é baixa.

Esta situação está associada ao facto de maioritariamente o diagnóstico do cancro do pulmão ocorrer em estádio avançado da doença, em que o prognóstico da mesma será mais sombrio.

Daí a importância da prevenção, certo?
Naturalmente que, sendo uma doença cuja principal causa é conhecida, a prevenção primária é fundamental. Daí a importância da sensibilização para o tabagismo junto da população em geral e para a cessação tabágica para os fumadores.

Não obstante, o cancro do pulmão não é uma doença exclusiva dos fumadores, pelo que devemos valorizar eventuais sintomas que ocorram.

A que sinais devem as pessoas estar atentas?
Os principais sintomas de cancro do pulmão são: tosse persistente ou expetoração com sangue, falta de ar, dor no peito, infeções respiratórias recorrentes, rouquidão, cansaço, falta de apetite.

Contudo muitos destes sinais são idênticos a outras doenças e, no caso dos fumadores, porventura, assumidos como agravamento de sintomas previamente existentes . Podem mesmo ser leves ou quase inexistentes numa fase inicial.

Está a população sensibilizada para a importância do diagnóstico precoce da doença?
Em Portugal, há um grau de literacia em saúde ainda insuficiente no que respeita à população em geral. O cancro do pulmão continua a estar associado a uma doença com muito mau prognóstico por parte de muitos portugueses, gerando alguma dificuldade em abordar este tema por parte de alguma população, embora se registe uma crescente abertura e interesse em informação credível.

Assim, apesar do trabalho desenvolvido por várias entidades no sentido de alertar para os sintomas do cancro do pulmão, para a importância de um diagnóstico precoce, há certamente muito caminho a percorrer.

Porquê implementar o rastreio do cancro do pulmão?
A baixa literacia em saúde, o facto de os sintomas iniciais serem transversais a outras doenças, por vezes leves ou inexistentes dificultam o diagnóstico em estádios iniciais da doença, com taxas de sobrevivência largamente superiores comparativamente a um estádio avançado.

Dai a importância de haver um rastreio de base populacional a exemplo do que acontece com outras patologias oncológicas.

Como é realizado esse rastreio?
O rastreio do cancro do pulmão é realizado através de uma TAC de baixa dose.

Quais os benefícios rastreio?
O rastreio do cancro do pulmão realizado através de uma TAC de baixa dose, seguindo as normas internacionais dos principais estudos realizados, de que se destaca o NLST e o estudo Nelson, demonstrou efetividade, possibilitando a deteção precoce e reduzindo a mortalidade em 20%.

A quem é ele recomendado?
Atualmente o rastreio é recomendado à população de maior risco, isto é, pessoas com 50-75 anos com elevada carga tabágica:

• Fumadores ou ex-fumadores, que deixaram de fumar há menos de 15 anos, com carga tabágica superior a 30 UMA

• Exposição a radão ou outros carcinogénicos

Surge agora uma campanha de sensibilização para rastreio do cancro do pulmão. O que leva à criação desta campanha?
Um dos principais propósitos da Pulmonale é informa/capacitar a população sobre o cancro do pulmão. Com esse objetivo, todos os anos, no mês de novembro realiza uma campanha de awareness sobre temas que se prendem com o cancro do pulmão, seja o tabagismo, seja o tratamento, seja a qualidade vida dos doentes…

Contrariamente à maioria dos países desenvolvidos, Portugal não tem ainda implementado o rastreio do cancro do pulmão, nem qualquer projeto piloto em implementação. Em 2022, a Comissão Europeia atualizou as orientações sobre os rastreios populacionais, recomendando que os países europeus iniciem estudos de viabilidade de rastreio do CP a nível nacional usando TCBD, através da implementação de projetos-piloto.

A Pulmonale vinha a desenvolver desde 2021, com a participação de um painel de experts em saúde, um projeto piloto de rastreio do cancro do pulmão, o qual foi entregue, oportunamente, às Autoridades de Saúde. De salientar que estamos a falar a um rastreio exigente em termos de recursos, nomeadamente numa ótica qualitativa e, não menos importante, só fará sentido a sua implementação desde que assegurado o tratamento adequado e atempado de todos os achados do rastreio sejam eles cancro do pulmão ou outros.

Não obstante as premissas referidas, é fundamental alterar o paradigma atual do cancro do pulmão, marcado por custos elevadíssimos a nível pessoal e também penalizadores numa perspetiva de sustentabilidade do SNS.

Diagnósticos em fase avançada não possibilitam um prognostico que reflita os enormes avanços nas abordagens de tratamento desta patologia. Urge implementar o rastreio e para que tal aconteça será necessário agregar os vários stakeholders, pelo que a campanha da Pulmonale deste ano procura tem como objetivo sensibilizar os cidadãos par esta realidade.

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