As especialistas Andreia Lima, Maria Manuela Martins e Salomé Ferreira lançaram o livro “Cuidados de enfermagem na pessoa com AVC”, que realça uma visão abrangente da Enfermagem como disciplina científica, enriquecida pelos contributos de áreas transversais ao cuidado humano, proporcionando uma abordagem completa e inovadora ao cuidado da pessoa com AVC.
Falámos com Salomé Ferreira, Professora Coordenadora de Mestrado em Enfermagem de Reabilitação na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, para perceber o que pode, e deve, ser feito para ajudar estes doentes. «As doenças cerebrovasculares têm um impacto negativo na funcionalidade, contribuindo, por exemplo, para a limitação da atividade, aumento da dependência, perda de anos potenciais de vida, recorrência aos serviços de urgência e restrição da participação social», refere a nossa entrevistada, que assegura que «este livro torna-se necessário para que as pessoas, após um acidente vascular cerebral (AVC), não passem a viver o mundo pela metade, mas que lhes seja possibilitado viver com qualidade, integradas na comunidade, concretizando os seus projetos de vida e alcançando o sucesso nesta transição saúde-doença».
Quais são os sinais vitais e parâmetros neurológicos que devem ser monitorizados regularmente em pacientes com AVC?
Em pacientes com AVC, os sinais vitais a serem monitorizados são a pressão arterial, de grande importância que seja seguida, porque a hipertensão e a hipotensão podem agravar a lesão cerebral e o seu controlo é essencial para prevenir novos AVCs; a frequência cardíaca para avaliar o funcionamento do coração e identificar possíveis alterações no seu funcionamento, como uma arritmia; a frequência respiratória, pois qualquer dificuldade respiratória ou padrões anormais podem ser responsáveis por situações de hipo ventilação ou de hipoxia nefastos à situação neurológica da pessoa no geral e de forma particular para a pessoa com AVC; e ainda temperatura corporal, dado a hipertermia poder desenvolver ou agravar lesões neurológicas.
No que se refere aos parâmetros neurológicos, devem ser monitorizados o nível de consciência, ou seja, verificar o estado de alerta, orientação e resposta a estímulos verbais ou outros, como a reação das pupilas ao contacto com a luz. Para além disso, não nos podemos esquecer de monitorizar frequentemente reflexos da deglutição para se adequar a melhor forma de alimentar a pessoa; a força muscular, que ajuda a verificar a evolução e a detetar fraqueza muscular ou paralisia em alguma parte do corpo; e a coordenação e equilíbrio para observar e/ou despistar qualquer dificuldade em realizar movimentos coordenados.
Como é realizada a avaliação da função neurológica e quais escalas são utilizadas para monitorizar a evolução do paciente?
A avaliação da função neurológica deve ser sistemática e frequente, podendo ser realizada através da utilização de escalas, como a Escala de Coma de Glasgow (ECG), para avaliar o nível de consciência por resposta ocular, verbal e motora; a Escala NIH Stroke Scale (NIHSS) que analisa os déficits neurológicos, como a força muscular, a fala e o nível de consciência; e a Escala de Rankin Modificada para identificar o grau de incapacidade funcional, entre outras.
Posteriormente, pode ser utilizado o Mini Exame do Estado Mental (MEEM) para avaliar as funções cognitivas. De facto, estão disponíveis várias escalas que nos permitem aferir os reflexos, a sensibilidade, a força motora, a coordenação, o equilíbrio e os sinais de lateralização. A escala a utilizar deve ser a que mais se adequa à situação do paciente a ser tratado naquele momento.
Quais são os critérios para identificar complicações precoces, como alterações na pressão arterial, nível de consciência ou sinais de infeção?
Os critérios são apenas estarmos muito atentos às alterações dos valores normais, tanto dos valores e dos sinais votais como dos valores das respostas neurológicas, como, por exemplo, a pressão arterial acima de 180/110 mmHg (é um valor que pode indicar o risco de hemorragia) ou um valor muito baixo (hipoperfusão), que pode sugerir a diminuição da perfusão tecidular do cérebro, uma alteração do nível de consciência ou confusão súbita.
Para alteração ao nível neurológico, por outro lado, a presença de febre persistente, taquicardia ou secreções purulentas revelam-nos a presença de infeção. Sinais neurológicos novos ou agravamento dos já existentes demostram-nos que algo não está bem e que temos de agir perante uma paralisia ou convulsões. Existem ainda outros sinais como a presença de tosse, dispneia e crepitações súbitas que nos apontam para a presença de uma aspiração perante a qual temos de atuar de forma rápida e eficaz.
Quais são as intervenções imediatas que devem ser implementadas na fase aguda do AVC para estabilizar o paciente?
Na fase aguda do AVC, as intervenções imediatas, para além do despiste rápido das alterações iniciais que a pessoa pode apresentar, incluem, em primeiro lugar, garantir as vias aéreas permeáveis, depois a monitorização contínua dos sinais vitais, quando indicado, no caso do AVC isquémico, a administração de terapia trombolítica (num período que vai até, no máximo, 5 a 6 horas após a ocorrência) e o controlo da pressão arterial para otimizar o fluxo sanguíneo cerebral. É, por isso, fundamental aplicar rapidamente o protocolo da via verde de AVC e manter as vias aéreas desobstruídas e oxigenação adequada.
Como deve ser o posicionamento do paciente para prevenir complicações como úlceras de pressão e contraturas?
Para prevenir ou minimizar a espasticidade, isto é, o aumento do tônus muscular causado por lesões no sistema nervoso central, o posicionamento do doente com AVC deve ser, durante as 24 horas do dia, em padrão anti-espástico. Este tipo de posicionamento permite prevenir as contraturas musculares, já que evita que os músculos se encurtem e fiquem permanentemente rígidos, diminuir o aumento do tônus muscular nos membros afetados, melhorar a circulação sanguínea, favorecendo o retorno venoso e reduzindo o risco de trombose venosa profunda, e prevenir úlceras de pressão, pois ajuda a distribuir melhor o peso do corpo, precavendo lesões na pele.
Ao mesmo tempo que previne a instalação da espasticidade, facilita também a mobilização precoce, a promoção de uma postura funcional, favorecendo a recuperação motora, a independência nas atividades diárias e todo o processo de reabilitação da pessoa. Para além disto, o posicionamento antispástico proporciona também conforto e alívio da dor.
É ainda importante referir que os posicionamentos devem ser alternados a cada duas horas, impedindo que se instalem as úlceras de pressão, bem como a cabeceira da cama deve permanecer entre 30 a 45° para prevenir aspiração.
Quais são as precauções a serem tomadas na administração de líquidos e alimentação, especialmente em casos de disfagia?
Antes de se dar aquilo que seja para a pessoa ingerir, devemos avaliar a capacidade da mesma para deglutir, usando protocolos como o teste de água. Perante o resultado desta avaliação, a administração de alimentos deve ser de acordo com a capacidade da pessoa para a deglutição, adequando a sua consistência, no caso da alimentação oral, e se necessário alimentar a pessoa por sonda mesogástrica, quando a disfagia é significativa.
No caso de a pessoa estar em condições para ingerir alimentos, ainda que com consistência modificada, esta administração deve ser feita com a pessoa sentada ou com a cabeceira elevada a 90° durante e após a alimentação. Por fim, não nos podemos esquecer da realização de uma higiene oral rigorosa para prevenir a proliferação de agentes indesejáveis dentro da cavidade oral.
Quais são as estratégias recomendadas para a mobilização precoce e prevenção de complicações associadas à imobilidade?
A mobilização precoce é essencial para prevenir complicações de imobilidade como trombose venosa profunda (TVP) e pneumonia. É muito importante, logo nos primeiros dias, iniciar precocemente, ainda no leito, a mobilização passiva de todas as articulações, passando depois para as mobilizações ativas assistidas e ativas, quando possível. O levantar da cama para a cadeira também deve ser logo assim que a pessoa tenha condições para tal.
É também essencial introduzir exercícios respiratórios e a mudança de decúbito para prevenir pneumonia e iniciar a participação da pessoa no exercício das atividades de vida diária (AVDs), favorecendo a estimulação da independência nas AVDs.
Como a fisioterapia e a terapia ocupacional são integradas no plano de cuidados de enfermagem para promover a recuperação funcional?
O enfermeiro é o profissional que está 24 horas por dia junto da pessoa com AVC e a integração da fisioterapia e da terapia ocupacional associada à intervenção do enfermeiro e de forma particular do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação é fundamental para promover a recuperação funcional global do paciente após um AVC. Essa colaboração interprofissional permite criar um plano de cuidados mais eficaz, centrado nas necessidades da pessoa acometida por um AVC e na sua funcionalidade, autonomia e qualidade. Esta intervenção multiprofissional vai favorecer uma recuperação mais rápida das funções motoras e cognitivas, melhorar a capacidade para realizar as atividades de vida diária, reduzir o risco de complicações associadas à imobilização e facilitar a sua reintegração na vida social e familiar.
Quais são as orientações para a família e cuidadores no apoio à reabilitação do paciente em casa?
As orientações para a família incluem suporte emocional, educação sobre cuidados pós-AVC, incentivo à adesão ao tratamento e modificação de estilo de vida, assim como ajuda prática no ambiente domiciliar. É muito importante que a família receba educação sobre posicionamento, mobilidade e alimentação segura, que tenha informação suficiente que lhe permita identificar e reconhecer sinais de alerta de complicações, que consiga ser capaz de estimular o apoio emocional ao seu familiar que teve um AVC, tal como entender e ter paciência para aceitar o ritmo do paciente. Não nos podemos ainda esquecer que a família também deve ser ajudada para conseguir orientar o uso de dispositivos de auxílio (como bengalas e cadeira de rodas) e para reconhecer a importância do seguimento dos cuidados, articulando-se com a equipa multidisciplinar.
Quais são as abordagens eficazes para comunicar com pacientes que apresentam afasia ou outras dificuldades de comunicação?
Com pacientes com afasia ou dificuldades de comunicação, é crucial utilizar comunicação não verbal, recursos visuais e oferecer tempo suficiente para o paciente se expressar. O uso de tecnologias assistidas também pode ser benéfico. Quem cuida de uma pessoa com AVC nunca se pode esquecer da necessidade de utilizar uma linguagem simples com frases curtas, gestos, mímicas e recursos a quadros ou outros elementos de comunicação. Em nenhum momento nos podemos esquecer de dar tempo à pessoa para responder, ter sempre presente a importância de falar diretamente com ela e olhá-la olhos nos olhos, dentro do campo visual permitido. Por fim, é muito importante lembrar que o uso de cadernos ou aplicativos de comunicação alternativa são essenciais para estimular e fortalecer a comunicação.
Como a equipa de enfermagem pode oferecer apoio emocional ao paciente e à família durante o processo de recuperação?
O apoio emocional ao paciente e à sua família pode ser efetivado através de uma escuta ativa e empática. É essencial atender às necessidades e fornecer informações claras e realistas sobre o estado clínico da pessoa e nunca deixar de estimular a participação da pessoa (quando possível) e da família nas decisões de cuidados. É ainda importante perceber a necessidade e encaminhar para apoio psicológico e grupos de suporte, bem como criar e manter um ambiente acolhedor, respeitando sentimentos e limitações de cada um dos envolvidos.
Quais são as estratégias para envolver a família no processo de reabilitação e cuidados contínuos após a alta hospitalar?
As estratégias para envolver a família incluem educação contínua, treino em cuidados específicos, participação em sessões de reabilitação e apoio na transição para o domicílio. Isto inclui a participação e o treino do cuidador relativamente às práticas de cuidados durante o internamento, reuniões com a equipa multidisciplinar para alinhar a melhor altura de transição para o domicílio, plano de cuidados, realizações de ações de formação para a família de acordo com as suas necessidades, oferta de material informativo de apoio e orientação sobre recursos comunitários, no âmbito da reabilitação e suporte social.
Quais são os medicamentos mais comuns utilizados no tratamento do AVC e como a equipe de enfermagem assegura a administração correta?
Os medicamentos normalmente mais utilizados são antiplaquetários (AAS, clopidogrel), anticoagulantes (varfarina, DOACs), estatinas, antihipertensivos e trombolíticos (rt-PA).
No que diz respeito ao papel da enfermagem para assegurar a administração correta, este passa por verificar e confirmar a prescrição médica, dose, via e horários, averiguar a identificação correta do paciente e observar interações e efeitos desejados/adversos. É também fulcral não esquecer de aproveitar o momento da administração da medicação, ou outro, para informar/educar a pessoa sobre o uso correto dos medicamentos, especialmente aquando da alta clínica.
Quais são as precauções a serem tomadas na gestão de cateteres urinários e sondas nasogástricas em pacientes com AVC?
As precauções na gestão de cateteres urinários e sondas nasogástricas englobam a manutenção rigorosa da higiene, a monitorização de sinais de infeção e a remoção oportuna, ou seja, o mais rápido possível.
Numa fase inicial pode ser importante o uso da sonda nasogástrica e do cateter vesical, mas estes devem ser removidos logo que possível para evitar complicações pelo seu uso. No entanto, é importante referir que, relativamente ao cateter vesical, é fundamental usar e manter a técnica asséptica na inserção e na manipulação, monitorizar os sinais de infeção urinária (odor, cor, presença de secreção e febre), efetuar uma higiene rigorosa ao redor do dispositivo e evitar o uso prolongado dos cateteres.
Em relação à sonda nasogástrica, é essencial efetuar os cuidados específicos a ter antes e depois da administração da alimentação, realizar diariamente o teste de deglutição e avaliar diariamente a necessidade da sonda ou cateter para que sejam retiradas logo que possível, diminuindo risco de infeção.
Como são monitorizadas as funções respiratórias e cardíacas, e quais intervenções são necessárias em caso de complicações?
As funções respiratórias e cardíacas podem ser monitorizadas com oximetria de pulso, auscultação pulmonar e monitorização do ritmo cardíaco. No caso de se verificar alguma complicação, as intervenções podem compreender o suplemento de oxigénio, a limpeza pulmonar com aspiração de secreções e cinesiterapia respiratória, ajustes na terapia medicamentosa e suporte ventilatório quando necessário.
Quais são as orientações que a equipa de enfermagem fornece ao paciente e à família para prevenir futuros episódios de AVC?
As orientações que a equipa de enfermagem pode fornecer ao paciente e à família para prevenir futuros AVCs abrangem temas relacionados com o controlo de fatores de risco como pressão arterial, glicemia e colesterol e hábitos e estilos de vida saudáveis, nomeadamente alertar para a necessidade de suspender ou diminuir a ingestão do álcool e o consumo de tabaco.
É ainda muito importante elucidar as pessoas para a necessidade de aderir a uma dieta saudável e à prática de exercício físico regular. Por fim, não nos podemos esquecer de informar o paciente e a sua família para a necessidade de manter, de forma regular, o acompanhamento médico.
Como a educação em saúde é integrada no plano de cuidados para promover a adesão ao tratamento e mudanças no estilo de vida?
A educação em saúde é uma componente essencial do plano de cuidados de enfermagem, e, no contexto de enfermagem de reabilitação da pessoa pós-AVC, se for bem integrada, promove a adesão ao tratamento, facilita mudanças sustentadas no estilo de vida e reduz o risco de recorrência do evento.
A integração da educação para a saúde, no plano de cuidados, tem o seu início na identificação das necessidades de educação para a saúde, específicas para a pessoa/família em que o enfermeiro especialista avalia o nível de literacia em saúde, as crenças culturais, o grau de motivação e as barreiras à aprendizagem. Isto permite à equipa de enfermagem identificar aspetos prioritários, como necessidade de controlo da hipertensão, alimentação saudável, medicação, mobilidade e cessação tabágica.
Perante isto, o segundo passo é a personalização da Intervenção Educativa em que o enfermeiro adapta os conteúdos à realidade do paciente (idade, contexto socioeconómico e apoio familiar), utilizando a forma mais adequada de se dirigir à pessoa/família com uma linguagem clara, visual e adaptada ao nível de compreensão do doente e cuidadores. Nesta ação educativa, o enfermeiro centra a sua ação na promoção da adesão ao tratamento, incutindo na pessoa/família a importância de cumprir a medicação prescrita, os efeitos adversos e os sinais de alarme. Estimula ainda o envolvimento ativo da pessoa no seu plano terapêutico, reforçando o papel do paciente como coautor da sua recuperação, implicando-o na mudança de estilo de vida quando abordar comportamentos de risco como alimentação desequilibrada, sedentarismo, tabagismo e consumo de álcool.
É muito importante trabalhar com a pessoa as metas realistas e progressivas, envolvendo-a e incentivando escolhas saudáveis e sustentáveis possíveis para a pessoa/família. Destacar ainda o envolvimento da família/cuidadores na educação para garantir continuidade do cuidado no domicílio, nas metas a atingir, no treino de técnicas de mobilização, na administração de medicamentos e na gestão do comportamento.
Por fim, o sucesso da educação para a saúde integrado no plano de cuidados deve ser avaliado continuamente por forma a avaliar a compreensão e a aplicação dos conteúdos aprendidos, reforçar positivamente os progressos, corrigir erros e ajustar estratégias se necessário.
Quais são os sinais de alerta que pacientes e familiares devem estar atentos durante o processo de recuperação?
Os sinais de alerta durante a recuperação incluem dor de cabeça súbita intensa, perda de visão ou visão dupla, fraqueza ou dormência súbita em algum dos membros superiores ou inferiores do corpo e dificuldade repentina para falar ou entender. Pode ainda surgir a perda de equilíbrio, tontura ou qualquer alteração súbita do estado neurológico, para os quais, quer a pessoa, quer a família e amigos devem estar atentos.