Dar vida a Amílcar Cabral – líder histórico da independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde – já era uma ideia antiga e leva-a a palco no Dia dos Heróis Nacionais, feriado em Cabo Verde (e na Guiné-Bissau), assinalando 51 anos depois de ter sido assassinado, em Conacri, num espetáculo adaptado a partir do romance de Mário Lúcio Sousa com o mesmo título (Dom Quixote, 2022).
“Hoje é o dia em que vou morrer”, clama a personagem, de mala na mão, por entre painéis recortados que se perfilam como árvores, que tanto simbolizam a formação de base de Cabral (agronomia), como as paisagens que percorreu ou as diferentes ramificações da sua vida, que vão ser recordadas ao longo de 75 minutos.
Arranca assim um monólogo intercalado por elementos multimédia – sons, gravações históricas, fotos, imagens projetadas nas árvores –, com os quais Cabral interage para recordar momentos marcantes, reforçar os seus pensamentos ou refletir sobre si próprio.
Uma voz irrompe pelo palco, de tempos a tempos, para indicar as horas, enquanto Amílcar abre e fecha a mala, troca de roupa e chega a fazer a barba, reproduzindo-se as rotinas do seu último dia, como que numa contagem decrescente.
“A sua vida está naquela mala”, conta Elisabete Gonçalves, responsável pela cenografia e figurinos, que se inspirou na mala exibida na Casa-Museu Amílcar Cabral, na Praia, para encontrar o modelo mais parecido.
A pesquisa estendeu-se a diversas peças de guarda-roupa, incluindo o “sumbia”, barrete tradicional, que terá sido oferecido por camponeses de Oio (Guiné-Bissau) ao líder da independência, que o usou desde então, criando a imagem de marca que perdura – e que João Paulo Brito recria em palco.
“Num monólogo estás mais sozinho”, mas o novo espetáculo “foi um trabalho de equipa, com vários contributos”, descreve o ator, que recebe de braços abertos a responsabilidade de interpretar uma figura icónica, encarando-a como um desafio.
João Paulo Brito recorda quando, em 2018, as ideias se alinharam, num encontro com Mário Lúcio Sousa – que estava prestes a lançar o livro – e Flávio Hamilton, da equipa do Teatro Art’Imagem (Porto) e encenador do novo espetáculo.
“Se não agradar a todos”, pelo menos “que haja diálogo”, refere Flávio Hamilton, referindo que o espetáculo pode surpreender, por “dar acesso” a um lado mais humano de Amílcar Cabral, em complemento à narrativa icónica.
“O percurso da figura histórica está lá presente, mas, provavelmente, não é o lado mais focado”, descreve, enquanto acerta os passos de um dos momentos do espetáculo, ao lado de João Paulo Brito.
A estreia está marcada para sábado, às 20:00 (21:00 em Lisboa), no auditório nacional Jorge Barbosa, na Praia, Cabo Verde, mas Flávio Hamilton espera levar a coprodução a outras paragens.
Para maio, está agendada uma semana na Maia, Portugal, casa do Art’Imagem, também há contactos com a Guiné-Bissau e a ambição de percorrer outros espaços da lusofonia.
O espetáculo faz parte de um conjunto de atividades da sociedade civil incluídos nas comemorações apresentadas pela Fundação Amílcar Cabral, na Praia, para assinalar o centenário do nascimento da figura histórica (12 de setembro), que se celebra este ano.
*** Luís Fonseca (texto e foto), da agência Lusa ***