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Entrevista: «A palavra ‘saudável’ por vezes está associada a práticas alimentares ou confeções culinárias que podem não ser assim tão saudáveis», Susana Teixeira, nutricionista

Da juventude à maturidade, quais os alimentos mais indicados para cada mulher, foi o ponto de partida para esta conversa com a especialista da Clinica António Gaspar.

2 Abril 2024
Sandra M. Pinto

São muitas as necessidades pelas quais o corpo da mulher passa ao longo dos anos. Cada idade tem a sua especificidade e exigência. Todas juntas oferecem uma vida saudável, plena de qualidade, como reforça a nutricionista Susana Teixeira.

Ter em atenção ao que se come, de que forma é confecionado e quais as quantidades ingeridas são três pontos essenciais a que todas as mulheres devem estar atentas, estejam elas em que fase da vida estiverem. As mudanças que chegam com o passar das décadas trazem novos desafios, mas com cuidados redobrados a determinados aspetos, a qualidade de vida mantem-se.

Comecemos esta conversa por uma pergunta que passa pela cabeça de muitas das nossas leitoras: o que é comida de verdade, ou verdadeira? 
Esta parece ser uma pergunta fácil, mas não é. Atualmente existe uma grande variedade de alimentos, géneros alimentícios e bebidas, sendo que alguns se destacam pelo desequilíbrio ou pobreza em termos nutricionais (p. ex. bolos, doces, refrigerantes, snacks salgados e fast food), por isso não devem estar presentes diariamente na nossa alimentação, no entanto, não os podemos deixar de chamar de ‘comida verdadeira’, uma vez que estão destinados ao consumo humano.

Então e os «novos alimentos»? Algas, insetos, larvas desidratadas (espécie tenebrio mollitor), sementes de chia…
Comecei por dizer que não era uma pergunta fácil, mas desmistificando: o termo “real food” ou em português “comida real/verdadeira” é uma nova tendência (das redes sociais), mas não há um consenso relativamente à sua definição. Para uns significa preparar a comida em casa, para outros passa por consumir alimentos à base de plantas e poucos produtos de origem animal incluindo laticínios, para outros a comida verdadeira poderá ser alimentos de origem vegetal crus (crudivorismo), para outros poderá ser uma dieta vegana e há ainda quem defenda que comida verdadeira são alimentos não processados ou minimamente processados, ou não ingerir álcool, ou não consumir sementes ou leguminosas. Algumas destas práticas até podem ser consideradas positivas, mas para completar, há que defenda quem este “conceito” de comida verdadeira deve ser mantido por 30 dias.

Então e depois, voltam à comida “não verdadeira”? 
A pergunta que deve andar na nossa cabeça deve ser ‘que tipo de alimentos devo escolher regularmente e diariamente?’ Uma resposta simples poderá ser, seguir os princípios da Dieta Mediterrânica, a qual defende um estilo de vida saudável e dá exemplos de alimentos verdadeiros e está associada a melhor qualidade de vida e à diminuição do risco de desenvolver diversas doenças, sendo considerada um dos padrões alimentares mais saudáveis do mundo.

Há quem diga que sim, manter uma pele bonita e saudável é reflexo de uma boa alimentação?
A nutrição e o seu reflexo na pele é um tema muito estudado e o que se sabe é que as vitaminas, os carotenóides, os tocoferóis, os flavonoides possuem elevadas propriedades antioxidantes, as quais contribuem para uma pele mais bonita e saudável. Essa substâncias estão presentes especialmente em hortofrutícolas (p. ex. batata-doce, cenoura, vegetais de cor verde, nozes e sementes).

Há outros aspetos, como os fatores externos (p. ex. radiação ultravioleta (UV), poluição), que não conseguimos controlar, mas o tabagismo, a escassez de horas de sono e a alimentação, são fatores nos quais podemos intervir de forma a favorecer a saúde em geral da pele.

Até que ponto consumir legumes e frutas evitar conservantes é importante para o envelhecimento saudável?
Para além do papel dos hortícolas que foi descrito anteriormente, é essencial ter um estilo de vida saudável, no qual se inclui uma dieta nutricionalmente equilibrada e a prática de exercício físico.

Relativamente aos conservantes, são considerados aditivos alimentares e impedem a proliferação de microrganismos, prolongando a vida dos alimentos e dos géneros alimentícios. Existe regulamentação que estabelece limite de forma a serem seguros, mas é importante ler os rótulos para uma escolha mais informada.

Por que é tão importante o regular consumo de água?
A água desempenha funções muito importante no nosso corpo:
– Previne a desidratação;
– Controla a temperatura corporal;
– Ajuda a controlar o apetite;
– Favorece a modelação corporal e combate á celulite;
– Melhora o estado da pele;
– Facilita a eliminação de toxinas e resíduos (através das fezes, urina e transpiração).
As recomendações diárias de ingestão de água variam de acordo com a idade, o sexo, bem como na gravidez e amamentação, mas no geral o ideal será no mínimo 8 copos de água por dia. Beber água é uma boa forma de hidratar, pois não contém calorias, no entanto pode-se obter alguns líquidos através dos alimentos em especial das frutas e dos vegetais. Os chás/infusões e/ou as águas aromatizadas podem ser uma boa forma de consumir mais água ao longo do dia, desde que não contenham açúcar.

Ouvimos falar muito dele, mas o que é exatamente o metabolismo?
Quando as pessoas falam em metabolismo, geralmente associam à alimentação e de forma simples podemos dizer que o metabolismo é um conjunto de reações, que fornecem energia ao corpo. Essa energia vem dos alimentos ou melhor, dos nutrientes e é utilizada para processos vitais como a respiração, a circulação sanguínea e o crescimento e a reparação de células. É um processo contínuo, mesmo em situações de descanso ou enquanto dormimos, de forma a manter o corpo a funcionar.
A taxa de produção de energia é chamada de taxa metabólica basal e é afetada por fatores como a idade, o sexo, a etnia, a prática de exercício físico, a dieta e também por determinadas doenças.
O metabolismo pode ser mais lento ou mais rápido. A rapidez do metabolismo é determinada principalmente por fatores genéticos. Um metabolismo lento queima menos calorias, por isso o corpo armazena essas calorias em forma de gordura. Esta pode ser a explicação para algumas pessoas que têm dificuldade em perder peso quando “apenas” cortam calorias. Um metabolismo rápido queima calorias mais rapidamente, o que pode explicar o facto de algumas pessoas comerem mais e não terem excesso de peso. No entanto, ter um metabolismo lento só por si não justifica o ganho de peso, mas sim ter uma dieta inadequada e hábitos sedentários.

Como funciona ele ao longo da vida da mulher?
Depende de pessoa para pessoa, mas a verdade é que a mulher pode passar por algumas fases ao longo da vida que podem levar a aumentar a ingestão calórica e gerar adaptações no metabolismo, nomeadamente na gravidez. Para além disso, o envelhecimento e o metabolismo estão ligados e ao longo do ciclo de vida da mulher podem ocorrer muitas alterações na composição corporal, por exemplo, aumento da adiposidade (gordura) ou a perda progressiva de massa muscular.

Isso implica que a cada etapa da vida, a mulher deve ter novos cuidados?
Sim claro, não só a nível da alimentação mas com o estilo de vida em geral, de forma a reduzir fatores de risco associados a doenças.

E com a alimentação, também se alteram os cuidados e preocupação conforme as décadas passam?
Sim, e o principal determinante são as necessidades energéticas, as quais variam consoante a fase da vida e o nível de atividade física.

Que cuidados teve ter uma mulher entre os 20 e os 30 anos com a sua alimentação?
Deve privilegiar uma alimentação equilibrada e variada composta por todos os grupos alimentares, mas privilegiando as frutas, os cereais integrais, os hortícolas, e as leguminosas. Por vezes nesta fase podem-se implementar maus hábitos alimentares devido à falta de tempo associado ao trabalho, ou escola/universidade ou convívio social. Surgem mais refeições fora, as quais podem contribuir para o ganho de peso. Para além disso podem começar a surgir sinais de cansaço, por vezes associado às tarefas, mas também aos padrões alimentares desadequados. Para compensar essa ‘fadiga’ pode surgir o hábito de consumir cafeína em excesso, o que poderá levar a estados de ansiedade e alterações nos ciclos de sono, gerando um ciclo vicioso.

A que deve a sua rotina alimentar dar resposta?
Devido ao aumento contínuo da densidade óssea, as mulheres jovens precisam de mais cálcio. Boas fontes de cálcio incluem laticínios (p. ex. leite, iogurte e queijo), idealmente com baixo teor de gordura, cereais fortificados com cálcio, vegetais verde escuros (couve, rúcula e agrião) e sardinhas enlatada (devido ao teor de cálcio presente na espinha da sardinha). Para além disso, em caso de menstruações regulares e intensas, o aporte de ferro deve ser reforçado através de alimentos como: carne vermelha, fígado, cereais integrais (p. ex. pão integral), vegetais verde escuros (p. ex. couve, agrião), leguminosas (feijão, grão de bico, ervilhas), frutos secos (figos, passas) e sementes (sementes de gergelim, sementes de abóbora).
A vitamina C pode ajudar na absorção de ferro, por isso é essencial adicionar fontes desta vitamina à dieta diária (p. ex. laranja, tangerina, kiwi). Já a cafeína têm um efeito contrário, ou seja reduz a absorção de ferro, por isso, em situações de carência de ferro não é recomendável ingerir alimentos/bebidas ricas em cafeína logo após as refeições.
Para além do que foi dito anteriormente, se esta for uma fase associada à gravidez ou à amamentação, poderá necessário reajustar a ingestão calórica e os nutrientes (p. ex. ácido fólico), para sustentar a reprodução, o desenvolvimento do feto e a produção de leite materno. Por vezes a gravidez é uma boa fase para retomar os bons hábitos alimentares, já que é uma fase acrescida de preocupações, em termos de alimentação. É importante salientar que esses hábitos alimentares saudáveis, iniciados ainda na barriga da mãe, são um fator muito importante para a saúde da criança, que um dia vai ser adulta.

Chegada a década que vai dos 30 aos 40 anos a que mudanças deve a mulher esta atenta?
Nesta fase podem surgir algumas alterações hormonais por isso é essencial controlar o peso e manter ou melhorar os hábitos alimentares e a prática regular de exercício físico. Para além dos alimentos descritos anteriormente, é importante incluir boas fontes de proteína (p. ex. carnes magras, peixe, ovos), bem como feijão, grão-de-bico, favas, lentilhas e ervilhas, que são boas fontes de proteína de origem vegetal.

Há alimentos “proibidos” nesta década”? Se sim, quais?
Não há alimentos proibidos, mas deve haver um cuidado especial no consumo de alimentos ultra-processados e com excesso de açúcar, de sal e de gordura saturada, idealmente em todas as fases e não apenas “nesta década”.

Um número que assusta muitas mulheres: os 40 anos. A que aspetos deve a mulher prestar atenção quando chega a esta fase da vida?
Nesta fase ocorrem muitas alterações no corpo da mulher, mas 40 é só um número! Deve ser manter ou iniciar os bons hábitos alimentares e evitar o sedentarismo, de forma a prevenir diversas doenças, incluindo a osteoporose, a hipertensão, as doenças cardíacas, a diabetes e alguns tipos de cancro.

As rugas começam a ser uma preocupação: pode a alimentação interferir no seu aparecimento? 
Sim, existe uma associação entre a ingestão de nutrientes e o envelhecimento da pele.

Que alimentos devem ser mais consumidos nesta altura?
Apesar de ser um processo natural da idade, a aparência envelhecida da pele definida como enrugada, pode ser melhorada através do ácido linoleico, o qual está associado a uma pele mais saudável e está presente nos alimentos de origem vegetal. O ómega-3, reduz a inflamação e podemos obter esta gordura saudável através de pescado (p. ex. salmão, cavalas, sardinha), óleos de peixe e nozes. As vitaminas, nomeadamente a vitamina C e E estão associadas à diminuição da formação de rugas. Os citrinos e o kiwi são bons fornecedores de vitamina C e as nozes, as sementes e óleos vegetais bem como os vegetais de folhas verdes e os cereais enriquecidos, são ótimos fornecedores de vitamina E.

Com a celebração dos 50 anos surge a menopausa. De que forma pode a alimentação ajudar nesta nova fase da vida da mulher?
Nesta fase o cálcio é particularmente importante para as mulheres, devido ao risco de osteoporose. A vitamina D, também é essencial, uma vez que ajuda a absorver o cálcio, regula a função imunológica e desempenha um papel na redução da inflamação. Esta vitamina pode ser obtida através da luz solar, mas por vezes essa absorção é inibida devido aos protetores solares. Devem ser incluídos diariamente alguns alimentos de origem vegetal e produtos de origem animal (p. ex. carnes magras), mas por vezes é necessário recorrer a suplementos e a alimentos fortificados.
Anteriormente já falei na Dieta Mediterrânea e ela volta à conversa, dado que poderá contribuir para a saúde óssea, para a diminuição do risco de doenças cardiovasculares e redução do envelhecimento metabólico.

Há algum alimento estrela que a mulher deve consumir depois dos 50 anos? 
Mais importante que um alimento específico, são as necessidades nutricionais desta fase, as quais devem ser adequadas às atividades diárias, incluindo exercício físico. Pode ser necessário incluir mais alimentos ricos fibras alimentares (p. ex. farelo, frutas, legumes e frutos oleaginosos), bem como fomentar o consumo de água, de forma a prevenir a obstipação intestinal. Para além destes, os próbióticos (p. ex. iogurte natural, kefir), podem também ajudar a normalizar a motilidade intestinal e melhorar os sintomas associados à obstipação.
Estes alimentos podem ajudar a melhorar alguns aspetos associados a esta fase, mas são essenciais ao longo do de todo o ciclo de vida da mulher.

Com os 60 anos o corpo exige renovados cuidados? Quais? 
Todas as idades são desafiantes em termos nutricionais. Nesta fase é importante pensar em estratégias que garantam um envelhecimento ativo. Devido ao aumento da esperança média de vida, nesta idade talvez seja possível olhar para o envelhecimento como uma experiência positiva, mas isso também depende da qualidade de vida, se existe doença física ou mental e de outros fatores individuais, no entanto, os fatores modificáveis, podem sempre ser melhorados (p. ex. praticar uma alimentação saudável, fazer exercício físico, não fumar, consumir bebidas alcoólicas com moderação, gerir o stress),

Nesta fase há uma maior importância da hidratação? Porquê? 
Por vezes a sensação de sede pode diminuir com a idade, por isso é essencial manter um consumo de água regular, mesmo quando não há sede.

Devem as mulheres comer menos depois de seis décadas de vida?
Depende de caso para caso. As alterações no peso corporal podem ser devidas a ganhos de gordura corporal ou reduções no tecido magro.

Já retirada da sua vida profissional, que desafios encara a mulher de 70 anos?
Podem surgir problemas relacionados com a mastigação e deglutição, o que pode levar à necessidade de adaptar a consistência dos alimentos, por exemplo em vez de fruta inteira, incorporar a fruta num batido. Por vezes pode haver falta de apetite, o qual pode ser melhorado por exemplo com uma caminhada. Também há certos medicamentos que podem interferir com o apetite e nestes casos, a medicação poderá ser revista pelo médico.

De que maneira podem os alimentos oferecer uma boa qualidade de vida esta faixa etária?
Em fases mais avançadas da idade podem surgir dificuldades em aceitar determinados alimentos, quer pelo sabor (por vezes o paladar pode estar alterado), quer pela consistência como já foi dito, no entanto é fundamental manter uma ingestão alimentar adequada. O sabor dos alimentos pode ser melhorado através de marinadas e de ervas aromáticas.

No caso dos nutrientes, quais os mais valiosos?
Em caso de perda de massa muscular acentuada, pode levar a situações de anorexia, por isso pode ser necessário fazer um reforço em termos do consumo de proteína, através de alimentos magros de origem animal ou recorrer à suplementação, mas tanto num caso como noutro, deve haver aconselhamento nutricional.
Embora a importância da Vitamina D, já tanha sido descrita anteriormente, é importante realçar que a falta desta, pode levar ao declínio funcional e aumentar o risco de quedas em idoso, por isso é um nutriente essencial.

Que conselho deixaria às nossas leitoras, independentemente da sua idade?
Cada vez mais se fala em alimentação saudável, no entanto a palavra ‘saudável’ por vezes está associada a práticas alimentares ou confeções culinárias que poderão não ser assim tão saudáveis conforme anunciam. Qualquer que seja a fase da vida, não é necessário estar constantemente em ‘dieta’, o importante é fazer diariamente uma alimentação saudável, que promova a saúde e previna a doença, proporcione o equilíbrio de nutrientes e substâncias promotoras de saúde, através de alimentos nutritivos e limite o consumo de substâncias nocivas à saúde.
Voltando à pergunta inicial, estamos rodeados de comida de verdade, o desafio é fazer escolhas acertadas diariamente e a forma como preparamos os alimentos e as quantidades consumidas podem fazer toda a diferença!

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