Como surgiu a ideia de criar o Executiva.pt e qual é o seu objetivo? Diriam que existe nele uma função de inspirar as mulheres a serem o que elas quiserem?
Isabel Canha – A Executiva nasceu no Grupo Impresa, como suplemento da revista Executive Digest, do qual fui nomeada editora, mas que o grupo decidiu descontinuar no ano 2000. Sempre sentimos que essa era a revista, na altura em papel, que fazia falta no mercado editorial português.
Enquanto jornalistas, ouvimos e contámos histórias sobretudo de homens porque são eles que ainda estão maioritariamente na linha da frente da maioria das áreas. Mas ao longo de mais de 30 anos de carreira nas áreas dos negócios e das revistas femininas, conhecemos inúmeras mulheres que tinham histórias muito inspiradoras para partilhar. Sentimos que os seus testemunhos podiam encorajar outras mulheres a atingirem todo o seu potencial, a assumir riscos e quebrar barreiras.
Assim, em 2015 tornámo-nos empreendedoras e fundámos a Executiva, nesta altura como site que dá voz às mulheres profissionais. O nosso objetivo é valorizar o papel da mulher na economia e na sociedade e promover a liderança feminina. A Executiva dirige-se a empresárias, empreendedoras, gestoras, quadros de organizações, profissionais liberais, cientistas, artistas… no fundo, a todas as mulheres para quem a carreira é uma parte muito importante da sua vida. Mulheres que encontram no trabalho mais uma fonte de realização pessoal, que se orgulham da sua competência, ambicionam progredir e ocupar os lugares de topo que merecem.
Enquanto jornalistas e mulheres de que forma analisam o papel da mulher na nossa sociedade atualmente?
Maria Serina – Ainda que a evolução seja muito mais lenta do que todas desejaríamos e do que seria importante para a sociedade, há cada vez mais mulheres em cargos de liderança. Vemos isso em importantes organismos internacionais – temos mulheres a liderar o FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia —e vemos isso também nas mais variadas áreas da sociedade, como por exemplo, na política — temos uma vice-presidente dos Estados Unidos —, e nas empresas — pela primeira vez, 10% dos CEO das empresas da Fortune 500 são mulheres.
Em Portugal, as mulheres em cargos de liderança nas diferentes áreas da sociedade são cada vez mais, ainda que a sua presença em fóruns de debate na televisão ou na imprensa escrita continue a ser muito reduzida, em especial se tivermos em conta que não faltam mulheres tão bem preparadas quanto os homens.
Dito isto, muitas continuam a debater-se com os mesmos problemas de sempre: têm de provar mais para que a sua competência seja reconhecida no trabalho e a maioria das tarefas familiares e domésticas continuam a recair sobre si.
Surgem agora com o livro “De Trainee a CEO – os 7 Segredos do sucesso das mulheres líderes”. O que vos levou a escrevê-lo e de que forma decorreu a vossa análise/investigação que serviu de base ao livro?
Isabel Canha – De Trainee a CEO é o 6.º livro que lançamos em conjunto. Nestes oito anos que leva o site Executiva.pt, fizemos centenas de entrevistas a mulheres líderes, para o site e para os livros que editámos. Além disso, ouvimos muitas outras líderes no palco da Grande Conferência Liderança Feminina, que promovemos e já vai na 10.ª edição, ou no curso One Step Ahead Líderes no Feminino, que a Executiva e a AESE Business School promovem em parceria.
Assim, sentíamos que tínhamos um manancial muito rico de histórias e experiências que valia a pena partilhar com outras executivas mais jovens ou em fases mais jovens da sua carreira. Fizemos uma análise estatística a tudo o que escrevemos, lemos e ouvimos destas mulheres líderes de negócio portuguesas. E descobrimos um padrão: pontos em comum, qualquer que seja a formação de base, a forma como a carreira progrediu, o setor de atividade ou o facto de terem ou não feito carreira internacional.
Neste livro desenvolvemos os 7 princípios ou hábitos que explicam o sucesso das mulheres que atingiram os lugares que ambicionaram e merecem. O objetivo é sempre o mesmo: incentivar que mais mulheres cheguem também a líderes.
Porque é tão difícil as mulheres chegarem a líderes?
Maria Serina – As mulheres estão bem preparadas e têm ambições de chegar a funções de gestão e de liderança. Se não há mais mulheres a ocupar estas funções é porque as empresas ainda não lhes dão as oportunidades que estão preparadas para assumir — quem promove são, maioritariamente, homens, que preferem rodear-se de pessoas que conhecem bem e que são, geralmente, homens — e porque continua a ser mais difícil para as mulheres conciliar a vida profissional com a vida familiar porque as tarefas com a família e em casa continuam a estar, maioritariamente, sob a sua responsabilidade.
Há mudanças em curso, mas ainda vão demorar a produzir os resultados que todas desejamos. Por exemplo: 1. algumas empresas já impõem paridade de género nos processos de recrutamento e de promoções, e medem regularmente estas métricas; 2. as licenças de parentalidade alargadas aos homens e cada vez mais homens a quererem exercer os seus direitos e deveres como pais, o que retira às mulheres a exclusividade dos cuidados ao bebé nos seus primeiros meses e as ausências ao trabalho por motivo de doença ou acompanhamento dos filhos.
Serão elas melhores líderes do que os seus concorrentes masculinos?
Isabel Canha – Não afirmaria isso. Diria que são líderes diferentes e que vários estudos nos indicam que com mais diversidade na liderança as empresas têm maior rentabilidade. Para as empresas, entidades que visam o lucro e se movem por critérios de maximização da rentabilidade, é sempre útil recordar que diversos estudos provam que companhias com um número substancial de mulheres em cargos de liderança têm melhores resultados em vários indicadores: desde a rentabilidade do investimento até à cotação em bolsa.
Qual o sector de atividade onde é mais “fácil” surgir uma mulher a liderar, ou tal não existe?
Maria Serina – As mulheres representam 42% da força de trabalho em Portugal, mas ocupam apenas 30% dos cargos de gestão e 27% das funções de liderança. As mulheres são líderes das empresas que criam, seja qual for o setor, o que prova que não há setores mais fáceis ou apetecíveis para as mulheres. Quando trabalham por conta de outrem, vemos mais mulheres em funções de direção em áreas como a Qualidade, os Recursos Humanos, Marketing e Comunicação e Financeiro e Contabilidade. Analisando a presença feminina em cargos de gestão por setor de atividade, constatamos que os setores onde a sua representatividade é maior é nos Serviços Gerais, Retalho e Alojamento e Restauração.
Contudo, a gestão e a liderança continuam a ser predominantemente masculinas em todos os setores, sendo a tecnologia um daqueles em que seria crucial que existissem mais mulheres em funções de liderança. A nossa vida está repleta de tecnologia e não faz sentido que metade da população não esteja envolvida na conceção dos produtos ou serviços que incorporam tecnologia. Há os casos típicos dos airbags desenhados tendo em conta a estatura dos homens e que podem ser perigosos para as mulheres ou apps de saúde e bem-estar que não têm em conta o período menstrual. As empresas estão cada vez mais despertas para esta realidade e procuram atrair e reter mais mulheres para as áreas tecnológicas, que estão entre as que melhor remuneram.
A maternidade ainda é um entrave à progressão de carreira?
Isabel Canha – A maternidade continua a ser o grande tema na carreira das mulheres. A chegada dos filhos levanta novos desafios, às mulheres, mas felizmente não é um bloqueio obrigatório na carreira. Muitas vezes é o receio de não conseguirem conjugar a maternidade com a carreira que as leva a abrandar. As executivas bem-sucedidas descomplicam e recrutam apoios: apoio profissional e familiar.
Portugal é o país da União Europeia com a taxa de emprego mais elevada para mulheres entre os 20-49 anos com filhos, mais de 80% em comparação com a média europeia de 64,1%, revela o estudo “Women Matter Portugal 2023: Caminhos a percorrer”. O facto de termos tantas mães trabalhadoras (e a tempo inteiro) traz grandes desafios de conciliação, mas as mulheres não perdem rendimento quando são mães, como acontece em alguns países.
As estatísticas mostram que a maternidade continua a ser o grande tema na carreira das mulheres. Entre os 28 e os 34 anos, poder “conciliar bem o trabalho pago com a vida pessoal ou familiar” é mais relevante para as mulheres (22%) do que “ter um bom salário” (21%).
A esmagadora maioria das mulheres que trabalha tem dificuldades em equilibrar as várias áreas da sua vida e anseia por saber como é que as outras mulheres o conseguem fazer. Por isso, na Executiva, em todos os fóruns (site, livros, eventos), convidamos líderes femininas a partilhar esta experiência, mostrando como se pode ter tudo (uma carreira e uma vida pessoal e familiar) sem culpas; o que não se pode é fazer tudo.
Com tanta experiência, acham que as novas gerações já olham para a questão da liderança no feminino de outra forma e sob outra perspetiva, ou poucas foram as mudanças?
Maria Serina – Há mudanças: genericamente, as mulheres apostam mais na carreira, os homens aceitam melhor a ambição das mulheres e querem ter mais tempo para ser pais. À entrada no mercado de trabalho as mulheres estão mais bem preparadas tecnicamente (há mais mulheres licenciadas, com mestrados e doutoramentos), e têm, geralmente, mais maturidade, as dificuldades começam a colocar-se quando pensam ser mães. Porém, se os homens assumirem mais o seu papel de pais e existir uma verdadeira divisão de tarefas em casa, isso permite às mulheres prosseguir as suas ambições profissionais em igualdade de circunstâncias. Esta é uma realidade que já se vê nas novas gerações — cada vez mais homens a gozar a licença de parentalidade, a ficar em casa quando os filhos estão doentes, a tomar conta dos filhos quando a mãe está fora em trabalho, a tratar de tarefas domésticas e a não se sentirem ameaçados por companheiras com mais sucesso profissional. Infelizmente, não podemos dizer que é uma realidade generalizada, mas está em franco crescimento.
Porque é que algumas mulheres conseguem chegar a líderes e outras, que percorreram o mesmo caminho, não o conseguiram fazer? Há características que são, de facto, importantes e que marcam de forma efetiva a diferença?
Isabel Canha – A pesquisa que fizemos para este livro revela que há sete atitudes que explicam porque algumas mulheres atingiram os lugares que ambicionaram e mereceram, enquanto outras ficam pelo caminho:
1. Trabalhar com paixão. Perseguem um sonho e não desistem desse fito. Têm paixão por aquilo que fazem. Trabalhar muito e bem, com brio e dedicação.
2. Investir na sua visibilidade. Fazem-se ouvir e demonstram iniciativa.
3. Ganhar confiança e arriscar. Podem sentir medo, mas aceitam a promoção e não recusam os desafios.
4. Conciliar sem complicar. Não querem ser supermulheres. São organizadas e recrutam uma rede de apoio.
5. Fazer networking. As líderes portuguesas são, em regra, melhores que a maioria das outras gestoras a construir redes profissionais e a fazer a ponte entre diferentes pessoas.
6. Ter mentores. Os líderes precisam de mentores que os ajudem a desenvolver todo o seu potencial e tomar as decisões certas em determinadas fases da carreira.
7. Gerir as suas energias e procurar o equilíbrio. Ter uma vida equilibrada e cuidar da sua saúde, para evitar o burnout.
Que papel desempenha a paixão no caminho até à liderança?
Isabel Canha – A paixão pelo que se faz é um dos mais poderosos ingredientes do sucesso profissional: sentir prazer e realização a trabalhar. Diz quem chegou ao topo ou atingiu um nível de desempenho de excelência na sua área, que a paixão e trabalho são vitais nesse percurso. Sempre que perguntamos a mulheres líderes o que as conduziu às posições que ocupam, qual o segredo do sucesso, a resposta é invariavelmente: gostar do que se faz e trabalhar arduamente.
Aliás, descobrimos que este duplo fator de sucesso (gostar do que se faz e trabalhar arduamente) é verdadeiro para todos os profissionais, qualquer que seja a área em que desenvolvem a sua atividade. Sejam gestores, empresários, músicos, desportistas, artistas – sem muita preparação e trabalho não chegam a um elevado nível de desempenho. Para o livro Segredos dos Melhores Profissionais, perguntámos a 52 pessoas excecionais nas suas áreas (falamos de artistas como a falecida pintora Paula Rego ou Vihls, o treinador José Mourinho, os humoristas Herman José e Joana Marques, os músicos Rui Veloso e Rodrigo Leão, as cientistas Elvira Fortunato e Maria do Carmo Fonseca, os desportistas Elisabete Jacinto e António Félix da Costa, ou o dançarino Marcelino Sambé, por exemplo) quais os comportamentos, hábitos ou atitudes que justificam o seu sucesso. Destas entrevistas, concluímos que o fator transversal a todas as respostas é: “muito trabalho”. E para trabalhar tanto é preciso paixão.
Estar onde se possa ser vista ainda é importante? E que papel desempenha o networking?
Maria Serina – É importante estar onde possa ser vista e, sobretudo, escutada, e ter uma boa rede de contactos. Para isto é fundamental ter disponibilidade para participar em eventos onde possa conhecer pessoas — podem ser profissionais, como conferências, congressos e feiras, ou de caráter mais genérico, como formações, workshops, webinars, talks —, ter uma presença regular, no LinkedIn, e fazer ouvir a sua voz também dentro da empresa. Muitas vezes, pensa-se no networking só fora da empresa, mas não é necessariamente assim. Se colegas de outros departamentos conhecerem o seu trabalho e o seu talento, podem lembrar-se de si para uma oportunidade que surja, dentro ou fora da empresa.
Os homens fazem networking a toda a hora — junto á máquina do café, quando vão beber um copo depois do trabalho, no ginásio, nos jogos de futebol da empresa — enquanto as mulheres pensam que o networking só pode ser feito em ocasiões formais, o que não é verdade. Aproveite as oportunidades para falar de si e do seu trabalho, escute e registe o que fica a saber sobre as pessoas que conhece e não deixe cair esses novos contactos no esquecimento. Há oportunidades realmente incríveis que surgem a partir do networking.
De que forma podem as mulheres que querem ser líderes ganhar maior confiança? E será que a confiança só se consegue arriscando?
Isabel Canha – Algumas mulheres executivas não têm qualquer problema de confiança, mas muitas outras sentem-se inseguras das suas capacidades, com medo de arriscar e até com síndrome do impostor. O que distingue as que têm êxito e alcançam os objetivos a que se propõem, é que apesar dos seus medos, arriscam e saem da sua zona de conforto, para se desenvolverem como profissionais e como líderes.
Provavelmente não vai ser de um dia para o outro que consegue lidar com o medo de arriscar. No livro damos muitos conselhos para reforçar a confiança e lidar com o medo de arriscar, não se angustiando tanto com coisas que podem nem sequer vir a acontecer.
Dizem os homens que as mulheres são complicadas…. Como se consegue descomplicar quando se tem de conciliar tantos papéis (mãe, mulher, profissional, filha…)?
Maria Serina – Criando redes de apoio, pedindo ajuda, dizendo aquilo de que precisa. Não há supermulheres, assim como não há super-homens. Para conseguir estar nas várias frentes, em simultâneo, é preciso muita organização, planeamento e contar com o apoio de uma equipa, familiar e/ou profissional.
Até que ponto saber gerir é crucial para se conseguir ser uma verdadeira líder?
Maria Serina – Um verdadeiro líder tem de ser um bom gestor de muitas variáveis em simultâneo: pessoas, orçamentos, expectativas, sensibilidades, tempo e energia — os seus e os das suas equipas.
Determinação e perseverança são essenciais nesta caminhada?
Isabel Canha – Os obstáculos serão sempre muitos e acabarão invariavelmente por surgir, por isso, é tão importante ter um propósito, um sonho e trabalhar numa área que nos apaixone, pois esse é o melhor motor que nos continuará a impulsionar e a manter motivadas nas alturas mais difíceis. Sem perseverança só se atinge aquilo que, por sorte, nos cai do céu. E, claro, que poderá nunca cair. Como se costuma dizer, o sucesso dá muito trabalho.
Podemos afirmar que as mulheres em posições de liderança constituem uma verdadeira elite?
Maria Serina – As mulheres líderes distinguem-se da maioria das mulheres, sobretudo, pelas sete atitudes que identificamos e desenvolvemos neste livro.
São esses os traços em comum que encontrámos nas centenas de mulheres que entrevistámos, escutámos ou sobre as quais lemos ao longo da nossa carreira. Sem eles é muito difícil, senão impossível, chegar ao topo.
Acreditamos que dar a conhecer o segredos destas mulheres líderes é uma forma eficaz de incentivar e empoderar outras mulheres a seguir o mesmo caminho. Porque não basta fazer um bom trabalho e ficar à espera de reconhecimento. Para progredir é preciso saber quais as atitudes certas, evidenciá-las no dia-dia e inspirar-se em outras mulheres que usando-as conseguiram chegar onde queriam.