Opinião: «A obesidade e as doenças do fígado», Gil Faria, cirurgião

Artigo de opinião de Gil Faria, cirurgião especialista em Cirurgia da Obesidade e Metabolismo, coordenador dos Centros de Tratamento da Obesidade do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, e do Grupo Trofa Saúde. Professor da FMUP e investigador clínico na área da Cirurgia Metabólica e Obesidade

“Doutor, mas eu nem bebo!” Esta é, hoje em dia, a frase mais ouvida perante um diagnóstico de cirrose hepática. Durante muitas décadas, a cirrose hepática era, quase exclusivamente, consequência do consumo alcoólico. No entanto, a doença hepática não alcoólica tem aumentado de incidência, especialmente a que atualmente se designa por MASLD (Metabolic dysfunction–associated liver disease) e constitui a principal causa de cirrose e falência hepática terminal.

A prevalência global da MASLD aumentou de 25%, no início do século, para cerca de 40% dos indivíduos adultos, em 2020. Um em cada quatro destes doentes tem Esteatohepatite associada a disfunção metabólica (MASH), que tem uma relação significativa a morbilidade e mortalidade. A MASH ocorre quando além da gordura no fígado se desenvolve inflamação e fibrose e pode evoluir para cirrose, falência hepática, cancro hepatocelular e morte.

A principal causa da MASLD é a obesidade e a adiposopatia (doença do tecido adiposo), bem como os distúrbios metabólicos acompanhantes (resistência à insulina/diabetes, dislipidemia e hipertensão). O aumento do risco de MASLD tem acompanhado de forma praticamente sobreponível o aumento global da obesidade. Mais de 80% dos doentes com MASH têm obesidade e o seu desenvolvimento aumenta com a idade e com a presença de diabetes.

O ponto mais importante do tratamento da MASLD é a perda de peso. Qualquer perda de peso, bem como qualquer prática de exercício físico, associam-se a melhoria na gravidade da doença hepática. Uma perda de peso superior a 10% do peso corporal, leva a uma resolução da NASH em >80% dos doentes e à regressão das alterações celulares (fibrose) já estabelecidas.

Foi recentemente aprovado nos EUA o primeiro medicamento especificamente para tratamento da MASH. No entanto, a sua eficácia é cerca de 3-4 vezes menor do que uma perda de peso >10% do peso corporal. Assim, confirma-se a absoluta dependência da MASH com o peso e da sua resolução com o tratamento da obesidade.

A cirurgia metabólica é o melhor tratamento disponível para a obesidade e as suas doenças associadas, incluindo a MASH. A perda de peso esperada com uma cirurgia metabólica é de >30% do peso corporal, sendo o único tratamento existente com essa magnitude de efeito. Melhora a diabetes, a hipertensão, a alteração do colesterol e a apneia do sono em >80% dos doentes; diminui o risco de cancro e de eventos cardiovasculares em >50%. A cirurgia metabólica resulta numa melhoria da MASH e da fibrose associada em >80% dos doentes, em muitos deles resultando numa reversão completa. Esta diminuição da inflamação e da fibrose do fígado vai prevenir a evolução para cirrose, evitar o desenvolvimento do carcinoma hepatocelular e diminuir o risco de morte por doença hepática. Diversos estudos têm comprovado este efeito em doentes com excesso de peso e obesidade, com qualquer das técnicas cirúrgicas atualmente disponíveis.

A cirurgia metabólica é extraordinariamente segura e mesmo os doentes com cirrose hepática (desde que compensada) podem ser submetidos a cirurgia em centros com experiência, sem aumento significativo do risco operatório.

Os únicos fatores associados com a eficácia da cirurgia metabólica no tratamento da doença hepática identificados até ao momento foram a magnitude da perda de peso e a idade jovem. Esta é mais uma das áreas que vem demonstrar que a eficácia da cirurgia metabólica é maior, quanto mais cedo for realizada no curso da doença da obesidade.

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