Alguém disse que o Homem é o único animal que come, todos os outros apenas se alimentam. É um facto que para além do papel funcional (fornecer nutrientes), a nossa alimentação desempenha também importantes funções emocionais e sociais.
Por Rodrigo Abreu, nutricionista
Comemos sem fome ou necessidade, apenas pelo prazer de saborear determinado alimento ou pela oportunidade de convívio à mesa. Pelo contrário, somos também capazes de renunciar a comer por não gostarmos do sabor de determinado alimento (mesmo que nos faça falta ou tenhamos fome) ou por não termos companhia para comer – quem nunca saltou uma refeição para não comer sozinho?
Foi precisamente esta constatação da importância da alimentação, nas suas vertentes nutricional, emocional e social, que levou à criação do Dia Mundial da Alimentação em 1981, sendo o dia 16 de outubro desse ano a data da fundação da FAO. A relevância da alimentação expressa-se
também na referência a que tem direito no artigo 25º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No entanto, foi apenas em 2013 que se celebrou pela primeira vez o Dia Internacional da Felicidade, a 20 de março. Não deixa de ser curioso notar esta distância na celebração de
conceitos tão relacionados e que, cada vez mais, são indicadores da qualidade de vida das populações.
De facto, a alimentação é cada vez mais um indicador do estado civilizacional de uma Sociedade, sendo crescentes as iniciativas com vista ao acesso das populações a alimentos seguros e saudáveis. Mas serão as dimensões sociais e emocionais devidamente contempladas nestes movimentos que visam a melhoria da nossa qualidade de vida? Ou estarão as mensagens orientadas para a saúde e bem-estar a desviar-nos da felicidade de comer?
No mundo ocidental moderno, as preocupações com a falta de alimentos ou com a sua segurança vão dando lugar a alertas para comermos de forma saudável, com vista à diminuição das doenças associadas ao estilo de vida. Governos e entidades de saúde dizem-nos que devemos comer menos sal, reduzir os açucares ou as gorduras, ter atenção às calorias… O ato de comer tornou-se alvo de escrutínio e sentimos a obrigação de escolher de acordo com padrões ditos saudáveis, mesmo se por vezes este é um conceito pouco claro.
Aos poucos, estamos a ser pressionados para avaliar e decidir o que comer, não em função do que gostamos, com quem estamos ou do que temos disponível, mas sim com vista à nossa saúde. Como noutras áreas da saúde pública, faz sentido refletir sobre o rumo que podem tomar estas
preocupações com as nossas escolhas alimentares. Se a saúde é um bem importante e o seu valor inquestionável para a maioria de nós, a verdade é que representa apenas uma dimensão da nossa felicidade. Ser saudável por si só não será o objetivo da maioria das pessoas. Pelo contrário, a maioria de nós ambiciona a felicidade, podendo esta manifestar-se ou ser vivida de várias formas.
E embora associemos ser saudável a sentirmo-nos bem, a verdade é que o esforço para nos mantermos saudáveis pode representar sofrimento e obrigar a escolhas que não nos trazem felicidade. Por outro lado, é possível ser feliz mesmo não gozando de boa saúde – ser amado ou ser capaz de atingir objetivos de realização pessoal são fatores de felicidade importantes para muitas pessoas, e não dependem necessariamente de sermos saudáveis.
Será aceitável que um tribunal possa ordenar a retirada de filhos à tutela dos pais porque estes os “tornaram obesos”? Devem os Governos taxar alimentos para nos obrigar a fazer escolhas “mais saudáveis”? E o que sentem as populações quando ouvem especialistas de saúde classificar alguns alimentos como “drogas” ou “venenos”? Tudo isto deve fazer-nos pensar no risco de estarmos a criar uma sociedade de pessoas saudavelmente infelizes…
Portugal, enquanto impulsionador da Dieta Mediterrânica, pode seguramente contribuir para esta reflexão sobre como conciliar as legítimas preocupações de saúde com a felicidade que deve estar inerente à nossa alimentação. A qualidade dos nossos ingredientes e a riqueza da nossa
gastronomia, o prazer que temos em juntar família e amigos à mesa, assim como as festas e tradições onde se saboreia a comida com tempo, podem fazer de nós um exemplo para o resto do mundo.
Basta que saibamos aproveitar o que temos de melhor para sermos mais felizes!