A sensação de falta de ar constante, a dificuldade em realizar tarefas simples como subir um lanço de escadas ou o constrangimento em acompanhar atividades em grupo. Esta é a realidade diária de milhares de portugueses que vivem com doenças respiratórias crónicas e que impactam significativamente a qualidade de vida destes doentes.
Os resultados mais recentes do Relatório do Observatório Nacional das Doenças Respiratórias demonstram que as doenças respiratórias continuam a ser uma das principais causas de morbilidade e de mortalidade em Portugal. A reabilitação respiratória pode ser parte da solução para mudar esta realidade, refere em entrevista à Forever Young, Ana Alves, fisioterapeuta na Linde Saúde. No Dia Nacional da Reabilitação Respiratória (21 de abril), importa sensibilizar a população portuguesa sobre esta terapêutica.
O que é reabilitação respiratória e qual o seu principal objetivo?
A reabilitação respiratória (RR) é uma abordagem segura, multidisciplinar e baseada na evidência, que combina treino de exercício, educação/suporte psicossocial e estratégias de modificação de comportamento. É frequentemente realizada em grupos de 6 a 10 pessoas, de forma a não comprometer a atenção individualizada nem limitar o impacto positivo da componente social e educativa. Atualmente, é considerada a intervenção não farmacológica mais eficaz em termos de custo-benefício e com maior impacto na melhoria da saúde e autonomia das pessoas com doenças respiratórias crónicas.
O seu principal objetivo é aliviar os sintomas respiratórios, aumentar a tolerância ao esforço e promover a qualidade de vida. Além disso, contribui para a redução das exacerbações e internamentos hospitalares, ajudando a manter a estabilidade clínica e funcional a longo prazo das pessoas com este tipo de patologias.
Quais são os componentes essenciais de um programa de reabilitação respiratória?
Um programa de RR deve ser estruturado de forma individualizada e adaptado às necessidades específicas de cada pessoa. Inclui sempre os seguintes componentes:
· Treino de exercício, com foco no treino aeróbio e de força muscular, para melhorar a tolerância ao esforço e a capacidade funcional; pode ser complementado com treino de equilíbrio ou treino dos músculos inspiratórios, quando identificadas limitações a esses níveis. As sessões de exercício são habitualmente realizadas 2 a 3x/semana, com 60 minutos de duração, e orientadas por fisioterapeutas experientes.
· Educação em saúde, realizada por uma equipa multidisciplinar, abordando temas como o impacto das doenças respiratórias na vida pessoal e familiar, a influência do ambiente doméstico na saúde respiratória, estilos de vida saudáveis, gestão de sintomas e prevenção de exacerbações, uso correto da medicação e oxigenoterapia. Estas sessões são habitualmente quinzenais, com cerca de 90 minutos de duração, e os familiares ou cuidadores são convidados a participar, promovendo uma rede de apoio mais alargada e informada;
· Suporte psicossocial, integrado nas sessões educativas e conduzido por profissionais como psicólogos, e assistentes sociais, com foco na gestão do stress, ansiedade e impacto emocional da doença crónica.
A integração destes componentes assegura uma abordagem holística, centrada na pessoa, promovendo ganhos funcionais e psicossociais significativos.
Para que tipos de doentes a reabilitação respiratória é indicada?
A RR é indicada para pessoas com condições que afetam a função pulmonar e a capacidade de realizar atividades do dia a dia. As principais indicações incluem:
· Doenças respiratórias crónicas, como asma, bronquiectasia, doenças pulmonares intersticiais e DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica);
· Sequelas de infeções respiratórias, como pneumonia ou COVID-19;
· Cirurgias torácicas ou abdominais altas, que podem comprometer a função respiratória e dificultar a recuperação;
· Situações pré e pós-transplante pulmonar, com o objetivo de otimizar a condição física antes da cirurgia e acelerar a recuperação após o procedimento;
· Deformidades torácicas, como escoliose ou outras alterações que interfiram na mecânica ventilatória.
Há diferença entre reabilitação respiratória e fisioterapia respiratória?
Sim, embora os dois conceitos estejam relacionados, não são sinónimos. A fisioterapia respiratória é uma área da fisioterapia que se dedica à prevenção, avaliação e tratamento das disfunções do sistema respiratório, utilizando técnicas específicas para melhorar a ventilação, facilitar a remoção de secreções e otimizar a função pulmonar. Pode ser aplicada em diversos contextos clínicos, desde o internamento hospitalar à comunidade, e em diferentes fases da doença.
Já a reabilitação respiratória é um programa estruturado, multidisciplinar e abrangente, do qual a fisioterapia respiratória é apenas uma parte. Inclui treino de exercício, educação em saúde, suporte psicossocial e estratégias de autogestão, com foco na melhoria da capacidade funcional, controlo de sintomas e qualidade de vida. Envolve, para além de fisioterapeutas, outros profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais.
Assim, pode dizer-se que a fisioterapia respiratória é uma das ferramentas essenciais dentro do programa mais amplo que é a reabilitação respiratória.
Quais os benefícios esperados após um programa de reabilitação?
A participação num programa de RR traz múltiplos benefícios, tanto a nível físico como emocional e social. Os mais frequentemente observados são:
· Redução da dispneia (sensação de falta de ar);
· Melhoria da tolerância ao esforço e da capacidade funcional, permitindo à pessoa realizar as atividades do dia a dia com mais facilidade;
· Aumento da força muscular, especialmente dos membros inferiores e superiores;
· Melhoria da qualidade de vida, incluindo maior independência e bem-estar emocional;
· Redução da ansiedade e sintomas depressivos, frequentemente associados a doenças respiratórias crónicas;
· Diminuição do número de exacerbações e hospitalizações, o que contribui para uma maior estabilidade clínica e menor utilização de recursos de saúde;
· Maior conhecimento da sua condição e maior confiança na autogestão dos sintomas.
Além disso, a reabilitação promove o empoderamento da pessoa, incentiva a adoção de estilos de vida mais saudáveis e reforça o envolvimento da rede de apoio social e familiar.
De que modo é realizada a avaliação inicial de um doente que vai iniciar a reabilitação respiratória?
A avaliação inicial é uma etapa essencial para garantir que o programa de RR seja adequado às necessidades e capacidades de cada pessoa. Envolve uma abordagem multidimensional, com recolha de informação detalhada sobre:
· Histórico clínico e funcional, incluindo diagnóstico, sintomas predominantes, antecedentes, hábitos tabágicos, medicação e número de exacerbações ou hospitalizações;
· Avaliação da capacidade física e funcional, através de testes de exercício como o Teste de Marcha dos 6 Minutos e teste de 1 minuto sentar-levantar, e avaliação da força muscular periférica e respiratória;
· Avaliação da função pulmonar, através de exames como a espirometria ou outros testes respiratórios disponíveis;
· Análise do impacto psicossocial da doença, com recurso a questionários validados sobre sintomas, qualidade de vida, ansiedade e depressão;
· Objetivos individuais da pessoa, que devem ser tidos em conta no planeamento do programa.
Esta avaliação permite não só identificar limitações e prioridades, como também monitorizar a evolução da pessoa ao longo do programa e adaptá-lo sempre que necessário.
Que exames ou testes funcionais são usados para acompanhar a evolução do doente?
Os mesmos instrumentos utilizados na avaliação inicial são geralmente reaplicados ao longo do programa para acompanhar a evolução da pessoa e ajustar a intervenção conforme necessário. Esta continuidade permite uma comparação objetiva dos resultados, e facilita a monitorização dos progressos.
Os mais utilizados incluem:
· Testes de exercício, como o Teste de Marcha dos 6 Minutos ou o Incremental Shuttle Walk Test, teste de 1 minuto sentar-levantar, que avaliam a capacidade funcional e a tolerância ao esforço;
· Testes de força muscular periférica e respiratória, como a dinamometria, testes de força muscular específicos para membros inferiores e superiores, teste de 1 repetição máxima, e dispositivos de medição da pressão inspiratória máxima (PImáx);
· Escalas de dispneia, como a escala mMRC (Modified Medical Research Council) ou a Escala de Borg, para quantificar a sensação de falta de ar;
· Questionários de qualidade de vida e impacto da doença, como o St. George’s Respiratory Questionnaire (SGRQ), o CAT (COPD Assessment Test) ou o CRQ (Chronic Respiratory Questionnaire);
· Registo de sintomas, exacerbações e adesão ao programa, feito de forma contínua.
A repetição periódica destes instrumentos permite avaliar os efeitos da reabilitação e reforçar a motivação da pessoa, ao tornar visível a sua própria evolução.
Relativamente ao tipo de exercícios, quais são os utilizados na reabilitação respiratória?
A RR inclui sempre um plano de exercícios estruturado, como por exemplo:
· Exercícios de mobilidade global e de controlo respiratório, para preparar o corpo para o esforço;
· Treino aeróbio, como caminhada na passadeira, bicicleta estática ou subida de degraus, com o objetivo de melhorar a resistência cardiorrespiratória e reduzir a sensação de dispneia nas atividades diárias. Também se pode incluir aqui o treino intervalado, que consiste em alterar períodos de atividade intensa com períodos mais longos de atividade mais leve;
· Treino de força muscular, direcionado para os membros superiores, tronco e inferiores, utilizando bandas elásticas, halteres ou o peso do próprio corpo, para melhorar a funcionalidade e a autonomia nas atividades de vida diária;
· Treino de equilíbrio, quando identificadas limitações posturais ou risco de quedas, sobretudo em pessoas idosas ou com doenças avançadas;
· Treino dos músculos inspiratórios, com dispositivos específicos, em casos de fraqueza da musculatura respiratória ou redução da força inspiratória.
· Alongamentos e exercício de relaxamento.
Estes exercícios são realizados de forma supervisionada por fisioterapeutas, com progressão gradual da intensidade e ajustados consoante a resposta clínica. O objetivo é promover uma melhoria global da capacidade física, reduzir os sintomas e aumentar a confiança da pessoa na realização das suas atividades quotidianas.
De que modo os exercícios ajudam na melhoria da função pulmonar e da qualidade de vida?
Embora os exercícios da RR não alterem diretamente a função pulmonar medida por exames como a espirometria, têm um impacto significativo na forma como a pessoa vive com a sua condição respiratória. A prática regular e orientada de exercício físico contribui para:
· Aumentar a eficiência dos músculos respiratórios e periféricos, reduzindo o esforço necessário para realizar tarefas diárias;
· Melhorar a ventilação pulmonar e a oxigenação durante o esforço, tornando as atividades menos cansativas;
· Reduzir a sensação de falta de ar (dispneia) e o cansaço;
· Promover maior autonomia e confiança, o que favorece a participação social e o bem-estar emocional;
· Diminuir o risco de exacerbações, internamentos e declínio funcional.
Ao melhorar a capacidade funcional e reduzir as limitações impostas pela doença, os exercícios contribuem de forma decisiva para uma melhor qualidade de vida, com benefícios físicos, psicológicos e sociais.
A reabilitação inclui também orientação nutricional e suporte psicológico?
Sim. A RR é uma intervenção multidimensional, que vai muito além do treino de exercício. Como já referi acima, a orientação nutricional e o suporte psicológico são componentes fundamentais para garantir uma abordagem completa.
· A nutrição adequada tem um papel essencial no estado funcional e na resposta ao exercício, sendo importante tanto em casos de desnutrição como de excesso de peso. A intervenção nutricional é realizada por nutricionistas e definem estratégias alimentares adaptadas à condição clínica e ao estilo de vida da pessoa.
· O suporte psicológico visa ajudar na gestão do stress, ansiedade e outros impactos emocionais frequentemente associados às doenças respiratórias crónicas. Psicólogos e
assistentes sociais trabalham em conjunto com a equipa para promover o bem-estar emocional, melhorar a motivação e favorecer a adesão ao programa.
Adicionalmente, o facto de as pessoas com doenças respiratórias crónicas conhecerem outras com sintomas semelhantes e dificuldades em comum contribui para um forte sentimento de pertença e inclusão em grupo.
Estes componentes são habitualmente integrados nas sessões psicoeducativas quinzenais, mas podem também ser oferecidos de forma mais individualizada, sempre que necessário. Mais uma vez, o envolvimento da rede de apoio (família e cuidadores) é também incentivado, reforçando o impacto positivo destas intervenções.
Pode ser feita em casa? Se sim, quais as adaptações necessárias?
Sim, a RR pode ser realizada em casa, especialmente em situações em que o acesso ao programa presencial é limitado ou quando a pessoa já apresenta uma evolução favorável. Neste contexto, pode entrar também a telereabilitação, uma modalidade que permite acompanhar e orientar remotamente as pessoas com doença respiratória crónica. Quando adaptado para o ambiente domiciliar, o programa deve ser cuidadosamente estruturado para garantir a continuidade e segurança dos exercícios, respeitando as orientações do fisioterapeuta.
As adaptações necessárias incluem:
· Planeamento individualizado: O plano de exercícios deve ser ajustado às condições físicas da pessoa e do seu domicílio.
· Acompanhamento remoto: Sessões virtuais ou chamadas telefónicas de acompanhamento podem ser usadas para monitorar a execução dos exercícios, responder a dúvidas e ajustar o programa, conforme necessário.
· Material adequado: Dependendo das necessidades, a pessoa pode precisar de equipamentos simples, como bandas elásticas, pesos, ou até mesmo o uso de escadas para o treino de resistência. Por exemplo, garrafas de água podem ser enchidas com pedras ou outro material para criar pesos variados e serem usadas como halteres. Assim, a pessoa consegue realizar o treino de força de forma adaptada ao que tem disponível em casa.
· Educação e motivação: É importante garantir que a pessoa entenda a importância da adesão ao programa e tenha suporte emocional, seja por familiares ou via recursos virtuais, para manter a motivação.
Em caso de necessidade, o fisioterapeuta deve orientar sobre a adequação dos espaços na casa para garantir um ambiente seguro e propício à prática dos exercícios.
Como se pode garantir a segurança e a eficácia dos exercícios no ambiente domiciliar?
Garantir a segurança e a eficácia dos exercícios no ambiente domiciliar requer uma abordagem cuidadosa, acompanhamento contínuo e comunicação constante por parte da equipa de reabilitação respiratória. Para isso, algumas medidas são essenciais:
· Avaliação inicial e orientação individualizada: Antes de iniciar a reabilitação em casa, é crucial que o fisioterapeuta realize uma avaliação detalhada das condições físicas e necessidades da pessoa. O plano de exercícios deve ser adaptado à sua capacidade, levando em consideração o seu histórico de saúde e nível de atividade.
· Acompanhamento remoto contínuo: A telereabilitação, por meio de sessões virtuais ou chamadas telefónicas regulares, possibilita que o fisioterapeuta realize uma monitorização da execução dos exercícios, forneça feedback e ajuste o programa conforme necessário, garantindo que a pessoa faça os exercícios corretamente e sem risco de lesões.
· Segurança no ambiente domiciliar: O fisioterapeuta deve orientar a pessoa sobre a organização do espaço de treino em casa, de modo a evitar quedas ou acidentes. Isso pode incluir a remoção de obstáculos (por exemplo, tapetes), a utilização de superfícies estáveis para os exercícios e a escolha de materiais adequados para o treino.
· Feedback e adaptação: Durante o acompanhamento remoto, o fisioterapeuta pode ajustar os exercícios com base nas dificuldades ou progressos observados, garantindo que o programa continue seguro e eficaz à medida que a pessoa evolui.
Como motivar pacientes crónicos ou idosos a aderirem ao tratamento?
Motivar pessoas com doenças respiratórias crónicas ou idosas a aderirem ao programa de reabilitação respiratória pode ser um enorme desafio! Mas é possível com uma abordagem empática, bem estruturada e centrada na pessoa. É de extrema importância saber ouvir a pessoa, compreender os seus receios e expectativas, e desconstruir a ideia de que não é capaz só porque tem falta de ar ou se cansa facilmente. A definição de objetivos realistas e alcançáveis, construídos em conjunto com a pessoa e, sempre que possível, com a sua família, é essencial para fortalecer a motivação e o compromisso com o tratamento.
Uma comunicação clara sobre os objetivos e os benefícios da reabilitação, adaptada ao nível de literacia em saúde da pessoa, ajuda a criar confiança no processo. É igualmente importante reforçar que todas as atividades são ajustadas à condição clínica e à capacidade funcional de cada um, com progressão gradual e segura.
Outro aspeto com grande impacto é o ambiente de grupo. Muitas pessoas chegam ao programa relutantes ou com pouca motivação, mas ao conhecerem outras com dificuldades semelhantes, sentem-se compreendidas, mais confiantes e integradas. Este sentimento de pertença e apoio mútuo transforma por completo a sua atitude. Já acompanhei diversas pessoas que inicialmente disseram que não iriam aderir ao programa, mas que, após a primeira semana, deixaram de faltar, participaram com entusiasmo e, no final, pediram para continuar em programas de manutenção. É
engraçado, porque, muitas vezes, os laços criados no grupo vão além do programa: chegam até mais cedo às sessões apenas para estarem à conversa antes do início do programa, costumam partilham contactos pessoais e, por vezes, surgem verdadeiras amizades.
Quais são os principais desafios na adesão ao programa de reabilitação?
A adesão ao programa de RR pode ser influenciada por diversos fatores, tanto pessoais como sociais e organizacionais. Entre os principais desafios, destacam-se:
· Barreiras físicas e logísticas, onde se destaca a dificuldade de transporte ou distância até ao local das sessões. Em algumas regiões, a inexistência de programas comunitários ou a sua concentração em grandes centros urbanos limita o acesso.
· Falta de conhecimento sobre os benefícios da RR, tanto por parte das pessoas com doença respiratória crónica como de alguns profissionais de saúde, o que pode levar a uma menor valorização e, consequentemente, menor encaminhamento e participação.
· Medo e insegurança, principalmente nos casos em que a pessoa associa o exercício ao agravamento dos sintomas respiratórios, como a dispneia. A ideia errada de que o esforço é prejudicial ou “perigoso” ainda é frequente, o que reforça a necessidade de educação em saúde e acompanhamento próximo.
· Questões emocionais, como depressão, ansiedade ou baixa autoestima, que são comuns em pessoas com doenças respiratórias crónicas e podem afetar a motivação para participar e persistir no programa.
· Falta de apoio familiar ou social, o que pode acentuar sentimentos de isolamento e desvalorização do autocuidado.
· Dificuldades económicas, que podem limitar o acesso ao transporte, ou mesmo à aquisição de materiais necessários para os treinos em casa, quando aplicável.
Superar esses desafios exige uma abordagem holística e integrada, com estratégias que envolvam a pessoa, a sua rede de apoio e a equipa de saúde. A criação de programas flexíveis, próximos da comunidade ou com possibilidade de telereabilitação, pode fazer a diferença na acessibilidade e adesão.
É possível manter os benefícios da reabilitação a longo prazo? Como?
Sim, e esse é outro grande desafio! É possível manter os benefícios da RR a longo prazo, mas isso requer continuidade, motivação e apoio. Estudos sugerem que, em média, os benefícios da RR podem ser mantidos por 6 a 12 meses após o término do programa ativo, desde que haja um esforço contínuo para manter os exercícios, os hábitos de vida saudáveis e continue a aplicar as estratégias
aprendidas na gestão dos sintomas respiratórios. A criação de laços no grupo que falei anteriormente pode ajudar, mas nem sempre é suficiente.
Os programas de manutenção são altamente recomendados e têm como objetivo reforçar os ganhos alcançados, promover a autonomia e prevenir o declínio funcional. Estes programas podem ser realizados em grupo como fazemos na RR ou de forma individual, em contexto comunitário, clínico ou domiciliário, e incluem habitualmente sessões de exercício supervisionadas, com menor frequência, mas com foco na continuidade.
Além disso, o apoio da rede familiar e social, a existência de metas realistas definidas com a equipa de saúde e a possibilidade de manter contacto com os profissionais envolvidos no programa inicial ajudam a sustentar a motivação e a adesão a longo prazo.
Quais estratégias são usadas para a continuidade do cuidado após o fim do programa?
A continuidade do cuidado após o programa de RR é essencial para manter os benefícios conquistados e evitar novo declínio clínico e funcional. Para isso, podemos implementar várias estratégias:
· Programas de manutenção, com sessões de exercício físico supervisionado realizadas com menor frequência, permitindo dar seguimento ao plano de treino ajustado às capacidades atuais da pessoa;
· Encaminhamento para recursos comunitários, como ginásios, associações de doentes ou grupos de caminhada, sempre que possível com supervisão ou apoio inicial;
· Sessões de follow-up regulares com a equipa de reabilitação, para monitorizar a condição clínica, reforçar orientações e motivar a continuidade;
· Planos de autocuidado personalizados, com metas realistas e orientações para o dia a dia, promovendo a autonomia e o empoderamento;
· Promoção da literacia em saúde, para que a pessoa reconheça sinais precoces de descompensação e saiba como agir;
· Incentivo ao contacto entre participantes, mantendo a rede de apoio criada durante o programa e fomentando a motivação através da partilha de experiências e dificuldades.
Estas estratégias visam integrar o cuidado contínuo na rotina da pessoa, reforçando o papel ativo na gestão da sua condição respiratória.
Existe contraindicação para a reabilitação respiratória?
A reabilitação respiratória é, em geral, uma intervenção segura e bem tolerada, mesmo por pessoas com limitações físicas ou clínicas significativas. No entanto, existem algumas contraindicações relativas ou absolutas que devem ser avaliadas pela equipa clínica antes do início do programa.
Entre as contraindicações absolutas, incluem-se:
· Instabilidade cardiovascular (ex.: angina instável, arritmias graves não controladas, insuficiência cardíaca descompensada);
· Infeção respiratória aguda ou exacerbação grave não estabilizada;
· Tromboembolismo pulmonar recente;
· Hipertensão pulmonar severa descompensada;
· Doenças neurológicas ou ortopédicas graves que impeçam a realização dos exercícios.
As contraindicações relativas podem incluir situações clínicas que exigem adaptações específicas no plano de reabilitação, como dor musculoesquelética importante, alterações cognitivas, ou necessidade de apoio logístico significativo (ex.: transporte, apoio social).
Nestes casos, é essencial que a equipa multidisciplinar avalie cuidadosamente os riscos e benefícios, e adapte o programa às capacidades e condições clínicas da pessoa, garantindo sempre a segurança e eficácia da intervenção.
Quais os principais desafios que este tipo de intervenção ainda enfrenta em Portugal?
Apesar de ser altamente eficaz na melhoria dos sintomas, capacidade funcional e qualidade de vida das pessoas com doenças respiratórias crónicas, o acesso à RR em Portugal continua a ser bastante limitado. Estima-se que menos de 0,5% das pessoas com indicação para este tipo de programa tenham efetivamente acesso, o que reforça a urgência de promover ações que incentivem a sua divulgação e integração nos sistemas de saúde.
As principais barreiras incluem:
· Oferta limitada e desigual: A maioria dos centros de reabilitação respiratória está concentrada em unidades hospitalares dos grandes centros urbanos e no litoral, dificultando o acesso para quem reside em áreas rurais ou no interior do país.
· Falta de recursos humanos e materiais: A escassez de profissionais especializados e de equipamentos adequados limita a capacidade de resposta dos centros existentes.
· Desconhecimento e formação insuficiente: Tanto os profissionais de saúde como os doentes muitas vezes desconhecem os benefícios da RR, o que reduz o encaminhamento e a adesão aos programas.
· Barreiras económicas e sociais: Dificuldades financeiras, custos de transporte, taxas moderadoras e isolamento social são fatores que dificultam a participação nos programas.
Neste contexto, o Dia Mundial da Reabilitação Respiratória assume um papel fundamental ao:
· Dar visibilidade a uma intervenção ainda subvalorizada;
· Incentivar políticas públicas que garantam maior cobertura e financiamento;
· Motivar profissionais de saúde a recomendar a sua implementação;
· Informar a população sobre os seus benefícios e possibilidades de participação;
· Partilhar boas práticas e divulgar experiências de sucesso;
· Reforçar o papel central das pessoas com doenças respiratórias na gestão ativa da sua saúde.
É também uma oportunidade para promover alternativas como a telereabilitação, que pode aumentar o alcance e permitir que mais pessoas beneficiem desta intervenção, independentemente da sua localização geográfica ou condição socioeconómica.