Filipa Osório, ginecologista-obstetra, especialista em endometriose e membro da direção da Secção de Endoscopia da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, confirma que, de acordo com um inquérito realizado em Portugal, “mais de 40% das mulheres com endometriose demoram mais de 10 anos a serem diagnosticadas”. Uma demora com impacto na mulher e na doença. É para esta que se alerta neste Mês Internacional de Sensibilização da Endometriose e que assinala o regresso da EndoMarcha, no próximo dia 25, uma iniciativa que quer dar voz a quem sofre da doença.
Deverão ser, segundo a especialista, cerca de 350 mil as mulheres com endometriose em Portugal, uma estatística que resulta da certeza de que uma em cada 10 em idade fértil sofrerá com este problema, mais comum entre os 30 e os 35 anos. Muitas não estarão, por certo, diagnosticadas, “por um lado, porque há uma desvalorização da própria mulher em relação às suas dores, já que quando se fala em casa, com a mãe ou com a avó, todas elas já tiveram dores e, por isso, estas são consideradas normais. Depois, quando começa a procurar ajuda, continua a haver alguma desvalorização inicial e, mesmo quando são pedidos exames, se estes não forem feitos em locais de referência podem dar resultados não completos e isso significa um diagnóstico tardio.”
O que se traduz numa “evolução da doença. E isso quer dizer que vamos ter casos mais graves, com consequências para a mulher tanto a nível de sintomas, como de infertilidade”, acrescenta a médica. Susana Fonseca, presidente da direção da MulherEndo, Associação Portuguesa de Apoio a Mulheres com Endometriose, confirma o desafio do diagnóstico. E confirma também a existência de uma desvalorização dos sintomas. “Falamos aqui de questões geracionais, porque desde sempre fomos habituadas a ouvir que é normal sofrer, o que faz com que as próprias mulheres não procurem logo ajuda quando têm os sintomas.” A isto junta-se o facto de “tudo o que seja associado ao ciclo menstrual ainda ser muito tabu, um tema que é muito visto como para ser mantido na intimidade”.
Uma desvalorização que se paga. De acordo com a Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia, os custos diretos e indiretos associados aos cuidados de saúde com a endometriose são comparáveis aos de outras doenças, como diabetes tipo 2 ou a artrite reumatoide. No entanto, a atenção que lhe é dada não é proporcional ao seu peso. Filipa Osório considera que isto se pode dever à falta de conhecimento. “Atualmente ainda não conseguimos identificar completamente o que causa a endometriose e o que leva ao seu desenvolvimento. Existem várias teorias, mas acaba por ser uma situação multifatorial e não totalmente compreendida, o que dificulta tanto o diagnóstico, como o tratamento.”
Tratamento que, por enquanto, não cura, mas visa “levar à atrofia do endométrio, seja ele dentro ou fora do útero, o que faz com que não cresça, estabilize e acabe por não se desenvolver, pelo uso de terapêutica hormonal”. Algo que, segundo a especialista, vai significar, para muitas mulheres, “uma vida normal. Mas não para todas e não pode ser um tratamento isolado, é quase um tratamento holístico, feito a vários níveis, o que passa por atuar a nível dos hábitos de vida, como a prática de exercício físico, alimentação equilibrada, tentativa de redução de stress”.
É uma mensagem de esperança que Susana Fonseca gosta de partilhar, porque, como diz, “é possível, após um diagnóstico e quando se consegue um tratamento adequado, viver de forma mais ou menos bem com a doença. Mas mesmo com tratamento há crises de dor incapacitantes que podem ser despoletadas por alguma coisa que comemos, ou porque estamos num pico de stress. Ou crises hemorrágicas, ou quadros de obstipação, diarreia e cólicas intestinais intensas que, de um momento para o outro, podem incapacitar a mulher. Viver com endometriose costuma ser uma caixinha de surpresas”.
Há sinais a que as mulheres devem estar atentas. “Uma dor incapacitante, que interfere com o dia-a-dia da mulher, seja profissional ou pessoal e a impede de se levantar da cama, isso é motivo para procurar ajuda, assim como o tentar engravidar há mais de um ano e não conseguir”, refere a médica. De facto, “dentro do grupo com endometriose, cerca de um terço vai precisar de ajuda para engravidar. Mas se virmos do outro ponto de vista, numa consulta de infertilidade, sabemos que 50% das mulheres têm endometriose”.
O conhecimento é essencial e é este o principal objetivo da EndoMarcha que, no próximo dia 25, convida todos a saírem à rua, em Lisboa. “Precisamos que todas as pessoas se juntem a nós, porque é urgente termos respostas, apoios e tratamentos. A EndoMarcha é um movimento mundial que visa dar voz a estas mulheres, levar as pessoas para a rua, sensibilizar para o impacto que esta doença pode ter na vida de todas as mulheres, mas também dos seus companheiros e companheiras, da família, dos colegas de trabalho e entidades patronais e de toda a sociedade”, reforça Susana Fonseca. Inscrições para a EndoMarcha aqui.
A EndoMarcha vai decorrer no Parque das Nações, com início junto ao Pavilhão de Portugal, pelas 14h00.