A morte súbita nos atletas é um evento trágico e também paradoxal, pelos múltiplos benefícios para a saúde que se sabe estarem associados à prática regular de exercício físico, começa por esclarecer o cardiologista e especialista em Medicina Aeronáutica Hélder Dores.
Apesar de pouco frequente, tem um enorme impacto nos atletas, familiares e amigos, nomeadamente pela mediatização destes casos.
A maioria dos casos de morte súbita ocorre durante ou imediatamente após exercício e deve-se a doenças cardíacas:
Nos atletas jovens, as principais causas são doenças cardíacas hereditárias, nomeadamente miocardiopatias e doenças arrítmicas primárias;
Nos atletas veteranos (mais de 35 anos), a doença coronária aterosclerótica é responsável por cerca de dois terços dos casos.
Pela predisposição destas doenças para a ocorrência de arritmias graves durante o exercício, podendo provocar paragem cardiorrespiratória, é essencial um diagnóstico precoce.
Alguns fatores externos podem ser causa de morte súbita, mesmo em atletas sem doenças cardíacas prévias. Entre estes, o doping e a prática de exercício em condições ambientais extremas ocupam lugares de destaque.
Principais causas de morte súbita em atletas
Doenças cardíacas estruturais
- Miocardiopatia hipertrófica
- Miocardiopatia arritmogénica
- Miocardiopatia dilatada
- Origem coronária anómala
- Síndrome de Marfan
- Prolapso da válvula mitral
Doenças arrítmicas
- Síndrome de QT longo
- Síndrome de Brugada
- Síndrome de Wolf-Parkinson-White
- Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica
Doenças adquiridas
- Doença coronária aterosclerótica
- Miocardite
- Trauma torácico (commotio cordis)
- Abuso de substâncias estimulantes (doping)
- Alterações eletrolíticas
- Condições ambientais extremas, como golpe de calor ou hipotermia
Prevenção da morte súbita cardíaca
A prevenção da morte súbita baseia-se fundamentalmente em duas estratégias:
- Avaliação pré-competitiva especializada;
- Prática desportiva em recintos com apoio de emergência, incluindo capacidade para desfibrilhação.
Avaliação médica pré-competitiva nos atletas
Apesar do risco nunca ser ‘zero’ e de algumas doenças cardíacas serem difíceis de diagnosticar, a maioria das causas cardíacas de morte súbita pode ser detetada precocemente em avaliações médicas, que devem ser realizadas antes do início da prática de exercício físico e regularmente.
Em atletas assintomáticos, a avaliação pré-competitiva deve incluir uma consulta com um médico experiente em medicina desportiva ou cardiologia desportiva, com realização de uma história clínica (pessoal e familiar) detalhada, exame objetivo e eletrocardiograma. Sempre que nesta avaliação inicial sejam identificadas alterações, pode ser necessário realizar exames adicionais. Para algumas modalidades desportivas específicas, como no exercício extremo, a avaliação pode incluir outros exames além dos referidos.
Nos atletas veteranos, pela relevância da doença coronária, a avaliação deve focar-se na estratificação de risco cardiovascular e incluir também análises clínicas, prova de esforço e outros exames se o risco for elevado.
Nos atletas com sintomas induzidos pelo exercício, nomeadamente dor torácica, perda de consciência, palpitações, taquicardia, cansaço exagerado para o esforço realizado ou falta de ar, a avaliação tem de ser mais aprofundada.
Desporto de competição e desporto de lazer
É importante realçar que esta avaliação não deve estar limitada aos atletas profissionais ou de nível competitivo, que habitualmente já realizam avaliações regulares.
Independentemente do nível de exercício, incluindo desporto recreativo ou de lazer, é fundamental realizar uma avaliação antes do início da prática de exercício, para estratificação de risco e aconselhamento.
Nesta população, cada vez mais abrangente, existem grupos de indivíduos que merecem atenção especial:
- Sedentários;
- Fisicamente ativos que pretendem realizar exercício com elevada intensidade ou volume;
- Com fatores de risco cardiovascular;
- Com eventos cardiovasculares prévios;
- Sintomáticos.
Doenças cardíacas e prática de exercício físico
O diagnóstico de patologia cardíaca não contraindica, por si só, a prática de todo o tipo de exercício. De acordo com a doença e com a sua gravidade, a prática de exercício físico exigirá uma prescrição individualizada, seguindo as recomendações internacionais na área da cardiologia desportiva.
Em suma, a morte súbita no atleta é uma realidade alarmante, mas muitos casos podem ser prevenidos com uma avaliação médica diferenciada e específica para a faixa etária e tipo de exercício, de modo a que seja praticado em segurança e se possa beneficiar dos seus efeitos para a saúde.