Muitas vezes é notória a facilidade com que nos agarramos a rótulos que nos foram impostos. É frequente ouvirmos estes autênticos mantras pessoais: “sou introvertido”, “sou tímido”, habitualmente ditos com peso, como uma marca de vergonha de algo errado, mau, passivamente aceite.
São lemas pessoais, que algures alguém com quem nos cruzamos na nossa vida nos disse, e aceitámos.
É importante questionar, desconstruir, entender e transformar estas crenças em verdades mais compreensíveis, humanas, e acima de tudo, possíveis de serem objeto de mudança.
O introvertido, é sempre algo curioso.
Claro que existe timidez e introversão, e como em muitas definições no contexto da psicologia é um continuo. Existe a introversão normativa, um traço de personalidade não patológico. Mas também existe aquilo que traz o “introvertido” a consulta: a ansiedade social.
A introversão normativa constitui um certo retraimento na exposição e interação com terceiros. Pode existir alguma sensação de ansiedade, mas o foco do pensamento é restrito à dificuldade do contacto inicial e à procura da sensação de segurança.
A ansiedade social implica ansiedade clinicamente significativa, podendo até levar a uma crise de pânico. O foco do pensamento é o receio e a crença de que vai existir uma avaliação negativa por parte dos outros na nossa “prestação” social.
É portanto importante a simples pergunta ao auto proclamado “introvertido”: o que é isto de ser introvertido? Quando aparece? O que pensa?
Quando esta “introversão” é depois explicada com episódios de medo ou ansiedade intensa e persistente numa ou mais situações sociais onde há uma possível avaliação ou escrutínio dos outros (encontrar pessoas na rua, sentir-se observado a comer, fazer um discurso), em que teme ter um comportamento ou mostrar sintomas de ansiedade (“vou tremer”, “a voz vai fraquejar”, “estou a transpirar”) que serão avaliados negativamente pelos outros (“vão me achar incompetente”, “vão me julgar”, “sinto-me humilhado”), e portanto esta espiral leva ao evitamento de interações sociais de modo a evitar esta ansiedade e sofrimento, então talvez a “timidez” seja fobia social.
É portanto frequente encontrar alguns destes pontos mascarados pela “introversão”:
1. evitamento de ocupações que envolvam contactos interpessoais, por medo de críticas, desaprovação ou rejeição;
2. pouca determinação no envolvimento com pessoas, a não ser com a certeza de ser apreciado;
3. reserva nas relações íntimas por medo do ridículo ou de ser envergonhado;
4. preocupações em ser criticado ou rejeitado em situações sociais;
5. inibição em novas situações interpessoais devido a sentimentos de inadequação;
6.auto análise como inepto socialmente, sem encanto pessoal ou inferior aos outros;
7. relutância em assumir riscos pessoais ou envolver se em novas actividades porque podem ser embaraçosas
Infelizmente, como é característico dos comportamentos patológicos, a fobia social tem mecanismos que se alimentam a si mesmos. É uma bola-de-neve, uma pescadinha-de-rabo-na-boca.
Isto porque a pessoa com ansiedade social tem um desejo intenso de transmitir aos outros uma impressão favorável de si mesmo, mas é acompanhado de uma grande insegurança acerca da sua capacidade de o conseguir.
A pessoa que manifesta ansiedade social vai inicialmente expor-se a situações sociais, mas vai retirar destas situações interpretações erradas que reforçam crenças negativas sobre si mesma reforçando por sua vez a crença de que as situações sociais são ameaçadoras e perigosas.
Portanto, a pessoa acredita que há o risco de se comportar de uma forma vergonhosa, inaceitável, e esse comportamento vergonhoso vai ter consequências negativas na maneira como os outros os percepcionam. Daqui criam uma espiral destrutiva de crenças de perda de valor pessoal, perda de estatuto social, rejeição social, etc.
Para quem não sofre com ansiedade social, estes pensamentos são “obviamente” errados. É comum estas pessoas em consulta terem amigos que com as melhores das intenções lhes dizem “não penses assim, que disparate”, mas atenção, estamos a falar de crenças e esquemas de pensamento que vieram de uma percepção errada. Na ansiedade social, a pessoa já sofreu (acredita que sim, percepcionou assim) a critica, o julgamento negativo, por ser socialmente “inferior”, por isso acredita que tem motivos e provas para o que teme.
Felizmente, é aqui que conseguimos operar a mudança.
Primeiro, vamos desmistificar e compreender o fenómeno, vamos em conjunto recolher e rever os vários episódios de ansiedade social, com a descrição exaustiva da situação, antes, durante e pós a situação. Vamos também simular uma situação social, fazer um role-play dos comportamentos de segurança e manutenção da fobia. Identificados estes comportamentos, vamos questioná-los. Para que servem?
Ajudam ou afinal nem por isso? Podemos testar outro comportamento diferente e ver o que acontece? Qual é a pior coisa que pode acontecer?
Lentamente, com apoio, empatia e humanidade, vamos entender que durante anos a pessoa usou “provas” enviesadas para criar uma imagem e uma crença sobre si e sobre os outros que criaram uma espiral destrutiva de medo. Com muita coragem e trabalho terapêutico, as pessoas vão mudar a sua ansiedade social e (re)descobrir a tranquilidade e preenchimento que existe na relação com o outro.