Quase meio milhão de pessoas estão a ser diagnosticadas e tratadas anualmente nos Estados Unidos, onde a doença de Lyme foi diagnosticada pela primeira vez, revela um estudo publicado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).
Uma pesquisa publicada pelo BMJ Global Journal concluiu que mais de 14% da população mundial tem ou teve a doença de Lyme. Homens com 50 anos ou mais que vivem em áreas rurais estão em maior risco. A Europa Central teve a maior taxa de infeção, com 20%.
A investigação, que reuniu dados de 89 estudos anteriores, confirmou que a doença é comum em todo o mundo. A bactéria Borrelia burgdorferi, causadora da infeção, foi encontrada no sangue de 14,5% do total de quase 160 mil participantes.
Desde 1999 que a doença de Lyme é de declaração obrigatória em Portugal. Como o diagnóstico é complicado, fomos ouvir dois especialistas para saber mais sobre esta patologia.
O que é a doença de Lyme
«A doença de Lyme é uma infeção bacteriana causada pela Borrelia burgdorferi, transmitida pela picada de carraças infetadas do género Ixodes», começa por referir Ana Isabel Pedroso, especialista em Medicina Interna e Medicina Intensiva.
Hélder Pinheiro, Infeciologista no H. Cascais e Professor na Nova Medical School, acrescenta que «esta é uma doença negligenciada que pode colocar em risco residentes e viajantes no hemisfério norte, em zonas onde a carraça do género Ixodes é muito frequente». Questionado sobre a sua distribuição geográfica, o especialista adianta que esta «inclui algumas zonas dos Estados Unidos da América, toda a Europa, principalmente a Europa central e na Rússia».
Mas será que a doença surge durante todo o ano ou há épocas especificas? «A altura do ano mais propícia ao contato com as diferentes espécies desta carraça é na primavera-verão, contudo a transmissão da infeção tem aumentado a sua incidência ao longo do ano e com uma distribuição geográfica cada vez mais alargada, muito provavelmente relacionadas com as alterações climáticas», esclarece Hélder Pinheiro.
Como se manifesta a doença de Lyme
A doença de Lyme manifesta-se inicialmente por um eritema migratório – uma lesão cutânea em forma de alvo –, podendo evoluir para sintomas sistémicos, como febre, fadiga, artralgias e, em fases avançadas, atingir o sistema nervoso, articular e cardíaco», refere Ana Isabel Pedroso.
Mas, se não for tratada a doença evolui em 3 fases diferentes que importa saber reconhecer. «A fase inicial da infeção (estádio I) é uma fase de doença localizada, que tem início 7-14 dias após a picada, que se caracteriza pelo surgimento de uma lesão típica na pele e facilmente reconhecida (designada por eritema migrans)», refere Hélder Pinheiro. É uma mancha avermelhada e circular, normalmente quente, mas indolor e que surge ao redor do local da picada da carraça. «Esta mancha ocorre em cerca de 70-80% dos doentes, podendo não estar presente nos restantes», acrescenta.
Outros sintomas, que «apesar de serem menos específicos são muito frequentes, assemelham-se a um síndrome gripal, tais como as dores musculares e articulares, a dor de cabeça, a febre, o cansaço e menos frequentemente as manifestações oculares como a conjuntivite». Nas palavras deste especialista, o reconhecimento desta fase inicial «é extremamente importante uma vez que o tratamento com antibióticos é mais eficaz nesta fase e evita a evolução para as fases mais tardias e mais graves, como a fase disseminada precoce, com atingimento neurológico (ex. paralisia facial, meningite) e cardíaco (ex. miopericadite), ou a fase disseminada tardia, também designada por neuroborreliose, com alterações cognitivas e psiquiátricas, alterações da marcha e artrite crónica».
Diagnóstico e tratamento da doença de Lyme
«O diagnóstico é clínico, apoiado por testes serológicos nos estágios tardios», avança Ana Isabel Pedroso, que acrescenta que «o tratamento com antibióticos, como a doxiciclina ou a amoxicilina, é eficaz quando iniciado precocemente». De fato, como reforça Hélder Pinheiro, em alguns casos, «se o risco ou suspeita de transmissão da infeção for elevado (ex. tempo de exposição à picada ³36 h) pode ser necessário iniciar profilaxia pós-exposição com antibióticos, pelo que nesta situação devem ser procurados cuidados médicos».
Prevenção da doença de Lyme
Para Ana Isabel Pedroso, a «prevenção foca-se no uso de repelentes e na remoção precoce de carraças», opinião corroborada pelo infeciologista, Hélder Pinheiro. «Uma vez que não existem vacinas contra esta infeção, a sua prevenção inclui medidas para evitar a exposição a carraças em zonas de risco, como usar vestuário adequado de cores claras, com mangas compridas e calças, usar repelente para carraças, inspeção de zonas da pele exposta, assim como a remoção imediata da carraça após a picada», especifica.
O especialista alerta ainda que «a remoção atempada da carraça baixa significativamente o risco de infeção já que a transmissão normalmente ocorre quando o tempo de exposição se situa entre as 12 e as 24h». Adicionalmente «é aconselhada a inspeção cuidadosa e vigilância do local da picada para procurar sinais de infeção», conclui.