A aproximação entre pessoas, a visibilidade de causas, a criação de comunidades digitais que nos ajudam a sentir menos sozinhos. Isso é possibilitado pelo admirável mundo digital, mas há uma outra face deste universo — mais silenciosa, mais profunda, e por vezes, mais sombria. E essa face está a afetar de forma direta e preocupante o desenvolvimento dos nossos filhos. Importa perceber que, hoje, em Portugal, adolescentes entre os 12 e os 18 anos passam em média entre 3 a 6 horas por dia nas redes sociais. Em dias não letivos, pasme-se, esse número pode facilmente ultrapassar as 8 horas. Ou seja, cera de 1/3 do dia é vivido nas redes sociais, estamos a falar de um consumo que ocupa uma grande parte do seu tempo útil de vida — tempo esse que poderia estar a ser usado para explorar o mundo, desenvolver competências sociais e emocionais, ao relacionar-se cara a cara, sentir o corpo, sonhar com os olhos fechados. Como pai de três jovens e especialista em saúde mental, a minha maior preocupação não é tanto o tempo gasto no mundo digital. É o impacto emocional e identitário que estas plataformas estão a provocar numa geração ainda em formação.
As redes sociais transformaram a forma como os jovens se veem e se posicionam no mundo. A pressão para parecer feliz, interessante, bem-sucedido está em todo o lado. Os filtros digitais corrigem imperfeições, os likes funcionam como recompensas emocionais e os comentários substituem as conversas reais. Estamos a assistir a um fenómeno perigoso de substituição da auto-observação pela observação social. O jovem deixa de se perguntar: “Como me sinto hoje?” e passa a pensar: “Como é que me vão ver se eu publicar isto?”. Eles estão tão ocupados a partilhar a vida nas redes sociais que se esquecem de vivê-la. O resultado é uma desconexão interna — a perda do contacto com o corpo, com as emoções verdadeiras, com o que está por dentro. Um exemplo, em consultório em contexto de terapia, verificamos com frequência a pressão social dos grupos e o pensamento automático de que “não sou suficiente”. E é este pensamento que se alimenta da comparação constante que as redes sociais alimentam.
Quando um adolescente vê centenas de imagens de sucesso, beleza, viagens e sorrisos, o seu cérebro começa a construir a crença de que está sempre a falhar em alguma coisa. Essa crença, muitas vezes silenciosa, vai corroendo a autoestima, sem que os pais se apercebam. Devido ao excesso de estímulo digital, a mente já não consegue parar. São vários os estudos que chama a atenção para o impacto na saúde mental. Jovens que chegam aos consultórios de médicos e psicólogos com insónias, agitação constante, pesadelos recorrentes, dificuldade em concentrar-se, sensação de vazio. Porquê? Por que a mente deles está saturada de sons, imagens, notificações, e a alma… vazia. Durante sessões com hipnoterapia, mergulhamos muitas vezes em camadas mais profundas da mente, e lá encontramos, quase sempre, um medo central: o medo de não serem suficientes, de não pertencerem, de não serem vistos. E não é que os pais estejam ausentes. Muitos estão presentes fisicamente, mas estão longe emocionalmente. E o adolescente procura fora — nas redes, nos vídeos, nos likes — aquilo que devia encontrar no olhar dos pais, a presença: atenção, validação, segurança. Recordo que numa consulta com uma adolescente que me disse, com uma maturidade desarmante: “Sinto que existo mais no telefone dos outros do que na minha própria vida.” Essa frase ficou-me gravada. Ela não estava apenas viciada em redes sociais. Ela tinha deslocado o centro da sua identidade para o olhar alheio. Quer isto dizer que ela vivia através do reflexo que os outros lhe devolviam, perdendo-se, aos poucos, de si mesma.
A qualidade do sono e a ausência de descanso
Outro aspeto crucial é a higiene do sono. A exposição à luz azul dos ecrãs — especialmente à noite — interfere com a produção de melatonina, comprometendo o sono profundo e reparador. O cérebro permanece em estado de alerta, especialmente quando é exposto a conteúdos emocionalmente intensos: jogos, vídeos violentos, desafios virais, discussões online ou simplesmente a comparação incessante com os outros. E sem sono de qualidade, não há saúde emocional possível. A privação de sono acentua irritabilidade, impulsividade, apatia e desregulação afetiva. Muitos pais queixam-se de filhos “preguiçosos” ou “desligados”, mas esquecem-se de perguntar: “Como está a qualidade do sono do meu filho?” E, mais importante ainda: “O que é que ele está a tentar preencher com este uso contínuo das redes sociais?”
Então… o que podemos fazer? A boa notícia é que não estamos impotentes. Há sempre algo que podemos fazer — como pais, como educadores, como sociedade. Mas é preciso agir com consciência, empatia e, sobretudo, pelo exemplo. Gostaria de deixar algumas dicas que podem fazer a diferença no uso salutar das redes sociais pelos jovens:
1. Estabelecer limites claros e coerentes: a maioria das redes sociais define 13 anos como idade mínima para o uso das plataformas digitais, infelizmente a realidade bem diferente, muitos jovens começam antes dos 9 ou 10. Isso é absolutamente precoce pois as competências emocionais nem sequer estão estáveis. A recomendação de grande parte dos especialistas é:
• Nada de redes antes dos 12 anos
• O primeiro telemóvel apenas depois dos 11, e com acesso controlado (controlo parental)
• Uma supervisão ativa pelos cuidadores, não apenas tecnológica, mas sobretudo emocional
Lembrem-se: o limite só funciona se vier acompanhado de vínculo por parte dos pais, nomeadamente através do exemplo.
2. Promover autorreflexão, não controlo: é tentador querer controlar tudo. Mas mais eficaz é ensinar a pensar e a refletir. Nesse sentido, devem os pais e/ou cuidadores incentivar os filhos a fazer perguntas simples:
• “Porque estou a publicar isto?”
• “O que senti ao ver este vídeo?”
Este tipo de questionamento ajuda-os a desenvolver consciência crítica e emocional. Simultaneamente, dá-lhes autonomia e proteção.
3. Dar o exemplo: nunca é demais referir a frase “se as palavras convencem os exemplos arrastam”. Não há moral maior do que o exemplo, ou seja, educar com exemplo, não com discurso ou moral repressiva. Se os filhos veem os pais viciados no telemóvel, se o pai ou a mãe usam constantemente os telemóveis durante as refeições – momentos ideais de partilha e reforço de laços emocionais, os filhos observam e imitam. Naturalmente, vão normalizar esse comportamento. Um conselho, crie momentos sagrados, como as refeições em família, sem ecrãs: à mesa, antes de dormir, durante conversas importantes. Olhe nos olhos. Ouça com atenção. Esteja verdadeiramente presente. Porque, no fim, os filhos aprendem menos com o que dizemos, e mais com o que fazemos.
Também sou pai de três jovens. E é talvez por isso que ouso deixar uma última provocação: Será que o verdadeiro problema está nas redes sociais… ou na ausência de redes emocionais reais? Talvez o que estejamos a viver não seja a causa, mas apenas o
sintoma. Creio, profundamente, que as redes sociais não são o inimigo. São apenas o reflexo de algo mais profundo. O verdadeiro desafio está em reconstruir os laços humanos – entre pais e filhos, entre irmãos, amigos, professores, entre nós e nós próprios. Porque, por mais avanços digitais que existam, a maior segurança que um jovem pode encontrar, ainda é o amor de quem está verdadeiramente presente. Ousemos estar presentes na vida… dos nossos filhos e na verdade do nosso amor.