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A COVID-19 pode afetar o desempenho sexual masculino

Os homens podem ter até seis vezes mais probabilidades de desenvolver disfunção erétil breve ou de longo prazo após contraírem o vírus. A vacina pode prevenir estes efeitos.

28 Setembro 2021
Sandra M. Pinto

Ranjith Ramasamy, urologista no sul da Flórida, observou uma tendência perturbadora entre os seus pacientes à medida que a COVID-19 se propagava pelos EUA em 2020: cada vez mais e mais homens queixavam-se do seu desempenho sexual, refere o nationalgeographic.com.

Ao início, Ranjith e os seus colegas na clínica de urologia do Hospital da Universidade de Miami pensavam que os relatos crescentes de disfunção sexual representavam um problema psicológico, resultado do stress pandémico. Mas muitos pacientes diziam que não se sentiam ansiosos ou deprimidos e, para alguns, o problema prolongou-se durante seis meses ou mais. A equipa começou depois a suspeitar de outra causa subjacente: o vírus SARS-CoV-2, que provoca a doença COVID-19.

Apesar de a COVID-19 poder afetar os pulmões, é uma doença sistémica que também pode afetar o coração, rins, cérebro e outros órgãos, e estes efeitos podem manifestar-se muito tempo depois de uma pessoa recuperar. Muitas pessoas vivem agora num submundo de “COVID de longa duração”, ao qual os especialistas nos EUA atribuem o próximo desastre nacional de saúde. De acordo com um artigo publicado em agosto na New England Journal of Medicine, entre 10 a 30 por cento das pessoas infetadas com o vírus – pelo menos 42 milhões de casos nos EUA e 229 milhões em todo o mundo – ficam com sintomas debilitantes que podem provocar uma “deficiência significativa”.

Entre a lista de problemas, há evidências crescentes que sugerem que a COVID-19 pode afetar a saúde sexual masculina. “Descobrimos que homens que não tinham estes problemas anteriormente desenvolveram disfunção erétil bastante severa após a infeção por COVID-19”, diz Ranjith.

Os homens podem ter até seis vezes mais probabilidades de desenvolver disfunção erétil breve ou de longo prazo após contraírem o vírus, de acordo com uma investigação publicada em março. Outros estudos documentaram uma série de problemas de saúde pós-infeção que afetam o sexo – incapacidade de ter ou manter uma ereção, danos nos testículos, inchaço ou dor testicular, incapacidade de atingir o orgasmo, baixos níveis de testosterona e problemas de saúde mental.

A ciência contrasta fortemente com a desinformação anti-vacinas que se espalha online – incluindo um tweet agora infame da rapper Nicki Minaj – alegando que as vacinas COVID-19 provocam inchaço nos testículos e impotência. Até agora, não há estudos que suportem essa afirmação.

“É importante que as pessoas percebam que a vacinação contra a COVID não afeta a função erétil”, diz Ranjith. “O vírus pode ter efeitos adversos significativos a longo prazo, e a vacina é segura.”

Rastrear o vírus nos tecidos
Os homens com maior risco de casos graves de COVID-19 – homens mais velhos ou com hipertensão, obesidade, diabetes e doenças cardíacas – já correm um elevado risco de disfunção sexual. Estas condições afetam as hormonas, músculos, vasos sanguíneos e muito mais. No entanto, há casos de homens muito mais jovens que também relataram problemas de saúde sexual. Quando se trata de descobrir os efeitos colaterais de curto prazo e crónicos deste novo vírus, “ainda estamos na fase de rastreio e tendências”, diz Ryan Berglund, urologista da Cleveland Clinic, em Ohio, e isso inclui a compreensão dos seus efeitos sobre a saúde sexual e reprodutora dos homens.

Para descobrir se o vírus estava realmente a invadir os órgãos reprodutores masculinos, Ranjith Ramasamy e a sua equipa realizaram biopsias em seis homens com idades entre os 20 e os 87 anos que faleceram de COVID-19. Quando examinaram as amostras de tecido com um microscópio eletrónico, descobriram partículas de vírus nos testículos de um dos homens. Metade dos homens também apresentava esperma de baixa qualidade, suportando os dados de outros pequenos estudos post mortem e levantando questões sobre o impacto da doença na fertilidade.

Se havia vírus nos testículos, Ranjith interrogou-se se também estaria no pénis. A equipa estudou dois homens que ficaram impotentes depois de terem o vírus. Um apresentou apenas sintomas ligeiros; o outro tinha sido hospitalizado. Convencidos de que nunca mais teriam uma ereção natural, ambos procuraram a clínica para ver se podiam ser candidatos a uma cirurgia de implante peniano.

O vírus estava de facto presente no tecido do pénis, e isso foi chocante, diz Ranjith, dado o período de tempo. Já tinham passado oito meses desde que os homens tinham sido infetados pela primeira vez. Os médicos também encontraram danos no revestimento dos minúsculos vasos sanguíneos do órgão.

Sangue e osso
Um dos impactos conhecidos do coronavírus, os danos nas células endoteliais que revestem os vasos sanguíneos, é o culpado mais provável pelo baixo desempenho sexual. Embora alguns mamíferos tenham um osso no pénis, as ereções nos humanos dependem do fluxo sanguíneo. As artérias precisam de abrir e as veias têm de contrair, quase como num sistema de bloqueio de canal. Os vasos sanguíneos estreitos e danificados não permitem ao tecido esponjoso inflar com sangue ou fazer a sua retenção para manter uma ereção.

Sem sangue suficiente, as células ficam privadas de oxigénio, os tecidos ficam inflamados e os vasos perdem a sua elasticidade, diz Emmanuele A. Jannini, professor de endocrinologia e sexologia médica na Universidade de Roma Tor Vergata, em Itália. “Sem oxigénio, não há sexo.”

Emmanuele sublinha que a COVID-19 também parece reduzir as quantidades de uma enzima – o óxido nítrico sintase endotelial – que ajuda a dilatar os vasos sanguíneos e a aumentar o pénis. Para as pessoas que sofrem de “COVID longa”, os danos nos pulmões ou no coração podem agravar o problema, alterando a circulação sanguínea e os níveis de oxigénio no sangue e nos tecidos.

No início da pandemia, a equipa de Emmanuele fez uma sondagem online que reuniu informações sobre homens italianos sexualmente ativos que tinham contraído o vírus. Foi este estudo que revelou o risco seis vezes mais elevado de disfunção erétil pós-infeção por COVID-19. “Não se sabe quanto tempo duram os sintomas”, diz Emmanuele.

“Como o pénis é um dos órgãos mais vasculares do corpo, não ficámos surpreendidos por a disfunção erétil ser mais comum nos homens com COVID longa”, diz Ranjith.

Em julho, a organização Patient-Led Research Collaborative, um grupo de investigadores que sofreram eles próprios de COVID longa, publicou as informações mais completas até à data. Os investigadores documentaram 203 sintomas em 10 sistemas de órgãos – informações recolhidas a partir de uma sondagem online com cerca de 6.500 pessoas de países de todo o mundo. Os resultados incluem problemas de saúde sexual.

Cerca de 18% dos homens relataram casos de disfunção sexual; 13% sentiram dores nos testículos; 8% observaram outros problemas nos órgãos sexuais; e cerca de 4% dos homens tiveram uma redução no tamanho do pénis ou testículos.

Esconderijo viral
Os testículos são um esconderijo perfeito para os vírus. Tal como os olhos e o sistema nervoso central, os testículos são locais imunitários privilegiados. Nestes locais, vírus como o ébola, papeira e Zika podem permanecer nos tecidos, evitando o sistema imunitário mesmo depois de o invasor ter sido eliminado de outras partes do corpo.

Um dos estudos chega a especular que os testículos podem, portanto, servir como um reservatório para o vírus que provoca a COVID-19. Isso poderia explicar por que razão 11% dos homens hospitalizados com COVID-19 sofreram de dores testiculares. A infeção das células de Leydig do órgão, que produzem testosterona, também pode explicar os níveis reduzidos da hormona sexual masculina nos casos de COVID longa. Só isso poderia provocar lentidão na libido e no desejo. Emmanuele destaca outro ciclo de feedback: a produção de testosterona desce quando os homens não estão a ter relações sexuais.

“O estado de espírito também desempenha um papel na intimidade”, diz Ryan Berglund, “e isso depende parcialmente do nosso estado psicológico”. A pandemia teve um impacto enorme na saúde mental geral dos pacientes com COVID longa. Muitos sofrem de TSPT, ansiedade ou depressão. Os efeitos psicológicos da COVID-19 na saúde sexual serão, em última análise, os mais difíceis de determinar, diz Ryan.

“Basta estar doente para perder o desejo. Se estivermos com dificuldades em respirar ou com uma doença crónica, provavelmente estamos menos interessados em sexo”, diz Ryan. E isso pode ser agravado pela fadiga, um dos sintomas mais comuns, e a perda de olfato, uma vez que o cheiro desperta a excitação.

Sexo e a vacina
São necessários mais estudos para compreender os efeitos reais do vírus sobre a saúde reprodutora dos homens. Os investigadores estão a tentar descortinar os mecanismos de uma doença que ainda é relativamente nova. A equipa de Ranjith Ramasamy está a investigar como é que este vírus ilude o sistema imunitário e se aloja nas células, incluindo nos testículos e no pénis. “Se o vírus estiver dormente, será que vai ser novamente reativado? E será que isso continua a causar danos? Ou será um evento único?”

O Congresso norte-americano concedeu 1.15 mil milhões de dólares ao Instituto Nacional de Saúde dos EUA para o seu programa RECOVER, que nos próximos quatro anos vai estudar a constelação de sintomas da chamada COVID longa. Muitos esperam que este programa forneça as respostas necessárias – e tratamentos para os que continuam a sofrer.

E apesar da desinformação que se propaga nas redes sociais, as investigações continuam a contrariar a noção de que as vacinas afetam a fertilidade. Um estudo feito em junho, por exemplo, não encontrou qualquer ligação entre as vacinas mRNA e uma contagem reduzida de espermatozoides.

“A relação plausível entre a COVID-19 e a disfunção erétil é mais um motivo para os que ainda não foram vacinados levarem a vacina”, alerta Emmanuele. “Se quiserem ter relações sexuais, é melhor tomar a vacina.”

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