A Asma, uma patologia subdiagnosticada e subtratada, afeta cerca de 700 mil portugueses (6,8% da população), estimando-se que 10% destes (70 mil pessoas) sofram da forma mais crítica da doença, a Asma Grave. Trata-se de um tipo de Asma em que os doentes vivem com sintomas persistentes, agudizações frequentes e obstrução constante das vias aéreas, apesar de medicados com doses elevadas de corticóides inalados e um controlador adicional.
Associada, em todo o mundo, a mais de 50% dos custos globais com o tratamento da doença, um dos grandes objetivos para a Asma Grave é alcançar a remissão clínica, ou seja, a estabilização da função respiratória, assim como a eliminação da necessidade de corticoterapia de manutenção e redução do risco de danos pulmonares a longo prazo. Falámos com a presidente da Associação de Asma Grave, Ana Gonçalves, que sublinhou a importância «de investir na capacitação dos doentes, para que estejam mais informados sobre a sua condição e possam assumir um papel ativo na gestão da sua patologia».
Como foi o seu percurso pessoal com a asma grave? Quando recebeu o diagnóstico?
Recebi o diagnóstico em 2020, quando o mundo lidava com uma pandemia. O histórico de infeções respiratórias já tinha alguns anos e na sequência de mais uma, que não foi COVID, a asma ficou para sempre.
Quais os maiores desafios que enfrenta no dia a dia, enquanto doente?
O maior desafio tem sido, certamente, controlar a asma e conseguir atingir um estado de remissão, o que ainda não foi possível.
Que impacto a asma grave teve na sua vida profissional, social e emocional?
Um impacto enorme. Atividades simples como limpezas domésticas tornaram-se impossíveis pelo esforço ou o cheiro dos produtos. Andar de transportes ao pé de pessoas com perfume ou estar em sítios com ar condicionado pode desencadear ataques de tosse, broncoespamos ou dispneia.
O que mais gostaria que as pessoas entendessem sobre o que é viver com asma grave?
A pessoa que vive com asma grave vive com essa condição 24 horas por dia. Será em princípio quem entende o que lhe faz bem ou mal. Tentar convencer a pessoa a não tossir, fechar a janela ou agasalhar-se mais, em vez de ajudar, na maior parte das vezes, aumenta o nível de stress o que agrava a situação. Ter asma grave é muito mais que ter “falta de ar” ou estar constipado e exige uma séria de cuidados.
O que distingue a asma comum da asma grave?
A definição de asma grave é ainda um conceito fluído, mas penso que a principal diferença é a dificuldade de controlar os sintomas e a necessidade de escalar a medicação, nomeadamente criando situações de dependência de corticóides.
Há ainda muitos casos de asma grave não diagnosticados ou mal controlados em Portugal?
São mesmo muitos os casos não diagnosticados e dos que estão diagnosticados muitos são mal controlados. Pelas características da doença, mas também por falta de informação, dificuldade de cumprir tratamentos, preconceito, falta de autoadvocacia.
Quais são os principais sintomas que devem alertar para uma possível asma grave?
A dificuldade em controlar os sintomas com a medicação habitual para a asma prescrita pelo médico. A tosse, peso no peito ou falta de fôlego que não desaparecem após período de tratamento conservador.
Os doentes com asma grave em Portugal têm acesso aos melhores tratamentos disponíveis?
Sem dúvida. Existem medicamentos e tratamentos biológicos de última geração disponíveis em Portugal. A dificuldade está mais no acesso ao diagnóstico certo e respetivos tratamentos, do que na ausência deles.
Existem barreiras burocráticas ou regionais no acesso a cuidados especializados?
As consultas de especialidade têm tempos de espera muito diversos o que pode dificultar o acesso em tempo útil. O encaminhamento para consulta de especialidade depende dos critérios dos médicos de família e a aprovação de tratamentos biológicos, por exemplo, depende da aprovação das comissões de farmácia de cada centro hospitalar, e por sua vez têm critérios diferentes. Tudo isto causa barreiras e atrasos no acesso a um tratamento adequado e a uma melhoria da qualidade de vida.
Qual foi a motivação para criar a Associação?
A defesa dos direitos e melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem com asma grave.
Que tipo de apoio prestam aos doentes e famílias?
A associação foi criada a 17 de janeiro deste ano. O plano de atividades para este primeiro ano de existência passa, sobretudo, pela divulgação da associação, da doença e seus sintomas e angariação de sócios. Vamos trabalhar para ter mais e melhor acesso a tratamentos, uma maior equidade de critérios de diagnóstico, maior comparticipação na medicação da asma grave, a exemplo do que acontece com muitas outras doenças crónicas, uma adequação das condições laborais das pessoas que vivem com asma grave.
Como avalia a resposta do sistema de saúde aos doentes com esta condição?
A asma em si é pouco valorizada pela população em geral mas também pelo próprio sistema de saúde. As pessoas que vivem com asma grave, uma condição crónica para toda a vida, merecem ter direito a uma isenção no que diz respeito ao custo dos medicamentos. Até agora os medicamentos biológicos são de acesso gratuito, mas todos os broncodilatadores (bombas) e restante medicação é paga e é cara. A referenciação dos doentes para as especialidades também continua a ser demorada e difícil.
Que parcerias ou campanhas têm desenvolvido para dar visibilidade à doença?
Desde a primeira hora a associação contou com o incentivo e apoio da Unidade Multidisciplinar de Asma Grave do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte. Na primeira terça feira de maio comemora-se o Dia Mundial da Asma. Este ano calha a dia 6 de maio. Durante a semana de 5 a 9 de maio estaremos no Hospital Pulido Valente numa campanha de aproximação às pessoas que vivem com asma grave. A GSK, mas também a Sanofi e a Astrazeneca têm prestado uma colaboração fundamental à criação da AAG.
Sente que ainda existe muito desconhecimento — até entre profissionais de saúde — sobre a asma grave?
Como já mencionei, a asma grave é uma doença recentemente identificada e apesar do reconhecimento ser geral a sua definição ainda não é consensual. Por esta razão, mas também porque é de difícil identificação e os seus sintomas facilmente desvalorizados, mesmo pelos próprios, acaba por ser ainda muito desconhecida. É nossa missão divulgar a asma grave, para que cada vez mais pessoas consigam identificar os sintomas e assim conseguir melhores e mais rápidos diagnósticos.
Os doentes sentem-se compreendidos ou frequentemente incompreendidos?
Uma pessoa que vive com asma grave sente-se, geralmente, incompreendida. É difícil explicar a sensação de não conseguir respirar a quem o faz por instinto. Falo por experiência própria. A minha irmã vive com Asma Grave há muitos anos, várias pessoas da minha família têm asma. Claro que eu compreendia o que me explicavam, cuidava da saúde dos meus filhos e administrava os tratamentos prescritos. Mas até desenvolver Asma Grave em 2020, eu não podia fazer ideia do que é sentir um peso no peito e falta de fôlego apesar de estar num espaço cheio de ar. Não sabia o que era estar numa reunião de amigos e esforçar-me por não rir das conversas para não desencadear ataques de tosse que nos colocam sob os olhares compassivos ou acusadores de quem não percebe… Nesse sentido sou privilegiada porque conheço os dois lados e tento aproveitar a minha experiência nesta missão.
O que falta fazer em Portugal para garantir maior visibilidade, diagnóstico precoce e apoio?
Divulgação, informação e comunicação.
Que mensagem deixaria a alguém que foi recentemente diagnosticado com asma grave?
Garantir que tem bom apoio médico. Seguir o tratamento prescrito. Exercer autoadvocacia. Ignorar preconceitos. Mas sobretudo seguir o tratamento e nunca suspender. Acontece às vezes que as pessoas com asma grave, fazendo o tratamento estabilizam e sentem-se melhores. E nessa altura consideram que não precisam de usar uma bomba porque não estão com falta de ar, ou não precisam de tomar os comprimidos porque se sentem bem. A asma grave é uma condição em que pequenas coisas levam ao desencadeamento de crises e exacerbações, especialmente quando o tratamento não é cumprido.
E que apelo faria às entidades de saúde e decisores políticos?
Maior atenção às necessidades das pessoas que vivem com asma grave. Algumas medidas simples podem realmente melhorar a nossa qualidade de vida. É o caso da isenção do valor da medicação, a melhoria no acesso aos tratamentos biológicos, alterações na legislação laboral que permitam condições adequadas para que consigamos exercer as nossas capacidades profissionais de modo a não prejudicar a nossa saúde; apoio para adaptação e melhoria da climatização das casas, para que ninguém tenha de passar o inverno em internamentos hospitalares devido a más condições da habitação, por exemplo.