Os cientistas conseguiram mostrar de que forma a informação visual chega ao córtex auditivo, região do cérebro que em pessoas com audição normal (normo-ouvintes) processa informação auditiva, mas que em indivíduos com surdez congénita processa informação visual.
Esta nova descoberta pode servir como potencial ajuda à criação e desenvolvimento de implantes cocleares (dispositivos eletrónicos usados por pessoas com surdez, que estimulam o nervo auditivo) e outros dispositivos médicos que possam traduzir-se num aumento da qualidade de vida de pessoas com privação auditiva.
Ao longo dos anos, estudos científicos têm mostrado que o cérebro humano possui uma enorme capacidade de se adaptar a situações de privação sensorial – como a cegueira ou a surdez –, característica conhecida como neuroplasticidade. Neste estudo, são reveladas alterações neuroplásticas nas redes auditivas e visuais causadas pela surdez, sublinhando a natureza dinâmica dos sistemas sensoriais em resposta à surdez congénita.
O estudo envolveu 31 pessoas, divididas em dois grupos (15 surdos congénitos e 16 normo-ouvintes), que foram sujeitas a diferentes estímulos visuais durante a realização de uma ressonância magnética. “Sabemos que a organização e a estrutura do cérebro sofrem alterações em pessoas privadas de um sentido, e que áreas do cérebro onde não chega informação assumem outras funções, o que não se verifica em indivíduos com as mesmas áreas sensoriais a trabalhar em pleno. Também sabemos que, em surdos congénitos, o córtex auditivo é ativado após receber estímulos visuais. O nosso objetivo foi perceber como é que a informação visual chegava ao córtex auditivo dos indivíduos surdos congénitos”, contextualiza a investigadora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC), Zohar Tal.
A equipa de cientistas concluiu que, nos surdos congénitos, a informação visual que é processada no córtex auditivo advém de estruturas subcorticais como o núcleo geniculado lateral, o tálamo ou o pulvinar, “estruturas tipicamente dedicadas ao processamento visual que transmitem informação, em normo-ouvintes, para o córtex visual”, explica o docente e investigador da FPCEUC, Jorge Almeida. “Estas estruturas processam aspetos sensoriais e visuais mais simples e são parte integrante do processamento visual inicial”, acrescenta o também líder do estudo.
O artigo científico Neuroplastic changes in functional wiring in sensory cortices of the congenitally deaf: A network analysis, que contou também com a participação de cientistas de universidades da Alemanha, China e Estados Unidos da América, foi publicado na revista Human Brain Mapping, estando disponível em https://doi.org/10.1002/hbm.26530.