Por Paulo Mendonça
Notabilizou-se na sua carreira em marketing e gestão. O que a atraiu para estas áreas?
Por incrível que pareça, foi o acaso. Aos 10 anos queria ser piloto de aviões. Mais tarde, aos 14 anos, tive uma professora de Geografia que me entusiasmou para aquela área e decidi que queria ser vulcanóloga. No entanto, acabei o liceu em 1975, numa altura em que todo o sistema de ensino em Portugal estava bastante caótico. Para seguir vulcanologia teria de começar pela licenciatura em Geografia, que existia na Faculdade de Letras, mas esta era uma das faculdades mais destruídas naquela altura. Por isso acabei por ir para a Universidade Católica, que era uma das poucas que ainda funcionavam. Fui para Economia, porque uma amiga minha também ia, e rapidamente percebi que aquela não era a minha “praia”. No entanto, era impensável para mim, naquela altura, não acabar o curso, e por isso terminei e segui para um MBA. Na altura não existia Marketing nas universidades, mas tive a cadeira no primeiro semestre do MBA e um professor que me fez apaixonar por aquele tema. A partir daí comecei a trabalhar numa empresa, no departamento de marketing, e percebi que essa era a minha área de eleição.
Neste momento está envolvida num projeto de Interim Management, a Experienced Management. Como surgiu esta oportunidade e como está a correr a experiência?
O projeto surgiu através da conjugação de dois fatores. Por um lado, aperceber-me de que tinha muitas pessoas próximas que estavam válidas e sem emprego, um fenómeno que me impressionou. Eu própria, em 2009, passei por essa experiência, com 51 anos. Consegui resolver a situação, mas percebi o “buraco” que se abre no chão quando uma pessoa está para entrar num emprego, sabe que o mercado está em crise (isto aconteceu no pico da crise internacional), e fica sem nada. E via à minha volta colegas, pessoas completamente válidas e que eram postas de lado porque tinham uma determinada data no cartão do cidadão. É um desperdício de talento e uma injustiça, porque as pessoas não merecem passar por isso e o mercado precisa delas. É deitar fora a história das empresas e a memória dos processos, deixando toda uma nova geração sem bases.
Por outro lado, eu trabalhei durante toda a minha vida em grandes empresas nacionais e internacionais, mas tive um período em que estive ligada a PME. Foi nesse período que percebi o quão difícil é a vida fora das grandes empresas. Quem lá está não tem a noção do que é chegar ao dia 15 e ter de ver se há ou não dinheiro para pagar salários no fim do mês. Ou ter uma situação em que se não entrarem mais encomendas até uma determinada data, uma fábrica ter de parar. São problemas que nas grandes empresas não existem. E, com esta ligação às PME, percebi como a experiência das pessoas mais “rodadas” em termos profissionais poderia contribuir para ajudar. O “been there, done that” é poderosíssimo. O facto de termos lá estado, de termos vivido as situações e de termos ou não resolvido é de um valor incomensurável.
Portanto, eu tinha estas duas premissas na cabeça: as empresas precisam; as pessoas estão disponíveis. Mas nunca as tinha encaixado. Até ao dia em que me foi lançado um desafio por uma pessoa que é presidente de uma empresa e tinha de ausentar-se para fazer um MBA. Essa pessoa precisava de alguém que ficasse no seu lugar apenas durante aquela ausência temporária. E, de repente, todas as ideias que eu já tinha se encaixaram. Se as empresas precisam e as pessoas existem, então tem de haver alguém que faça a ponte. Foi assim que começou a Experienced Management. Depois, foi pensar no processo de como entregar às empresas pessoas que resolvam os problemas sem criarem vínculos. A ideia não é conquistar um lugar dentro da empresa, mas sim mantê-la viva ou assegurar uma determinada missão apenas enquanto for necessário. A partir daí foi perceber se havia algo deste tipo em Portugal – não havia –, quem é que podia alinhar comigo e encontrar um parceiro que percebesse do negócio.
Qual é a reação das empresas acerca deste conceito?
Este é um conceito desconhecido e, como qualquer novidade, tem de ser explicado. Além de explicado, tem de ser demonstrada às empresas a forma como isto as pode ajudar. A recetividade à ideia tem sido fantástica. A dificuldade é colocar esta questão do Interim Management na “caixinha de ferramentas” das empresas e lembrar que existe em Portugal uma empresa que faz isso. A luta não é as empresas perceberem o conceito, é saberem onde usar e memorizarem que nós existimos.
Apesar deste conceito ser novidade em Portugal, já existe noutros países…
Sim. Todo o mundo anglo-saxónico é muito utilizador de Interim Management. Há mais de 100 mil interim managers registados em todo o mundo, ativos em dois terços do seu tempo. E sabemos que as empresas que experimentam, voltam. Estima-se que dois terços dos mandatos decorrem ou de recomendação, ou de repetição. É um conceito amplamente utilizado. Mas, até agora, pouco conhecido no mercado latino.
Tem a expetativa de que este conceito se torne recorrente em Portugal dentro de poucos anos?
Não só tenho a expetativa como acho que todos os trabalhos em áreas de gestão vão ser assim daqui a alguns anos, sendo que um projeto de Interim Management pode ser de duas semanas ou de dois anos. Quem é bom para reestruturar uma empresa não é a mesma pessoa que será boa para mantê-la a funcionar no dia a dia. Quem cria uma startup, à partida, não é um bom gestor para o trabalho diário. São pessoas que gostam de desafios, que querem coisas novas, querem criar. Uma pessoa que tem a capacidade de olhar para uma empresa, reconhecer quem tem de dispensar, friamente “decepar” partes da empresa, não é certamente a mesma pessoa que, de seguida, vai conseguir reestabelecer a moral e tratar bem as pessoas. Não é o mesmo perfil.
É por isso que, à partida, grande parte das tarefas relacionadas com gestão são de Interim Management. Cada um é para o que é e as empresas não precisam constantemente das mesmas coisas. Nos mercados anglo-saxónicos, tradicionalmente mais liberais, a longevidade das pessoas neste tipo de cargos é mais curta. A legislação e a cultura facilitam a rotatividade e, por isso, as pessoas vão rodando para onde são precisas. Portanto, eu não só acredito que o Interim Management é extraordinário para as empresas, como acho que quando formos capazes de libertar-nos de alguns complexos, barreiras e hábitos, em termos de gestão, vamos funcionar muito mais em Interim Management. É claro que isto não se aplica a todas as profissões, nomeadamente médicos, por exemplo, que são especialistas numa área que é sempre igual e onde o necessário é a atualização de conhecimentos e não a rotatividade.
Se tivesse de escolher um projeto profissional que a tenha realizado de forma especial ao longo do seu percurso, qual seria e porquê?
Eu sempre trabalhei por paixão e por isso é muito difícil destacar um só projeto. Por exemplo, eu adoro dar aulas, mas não é melhor do que criar uma campanha publicitária, ou gerir uma revista sem nunca ter trabalhado em jornalismo, ou ter revitalizado uma marca, ou ter ido para Macau desenvolver para a PT o mercado asiático… Todos foram projetos tão diferentes, que é difícil destacar um como o projeto da minha vida.
Como foi a experiência em Macau?
Estive em Macau de 2005 a 2007. Arranquei de Lisboa com duas filhas, uma com 15 anos e a outra com 18, para ir para uma geografia que, embora tenha raízes portuguesas, é completamente diferente da nossa. Eu tenho um único vício que é viajar, já conheci muito do Mundo e conheço a Ásia, mas uma coisa é passar pelos sítios e outra é viver lá. Em Macau, no primeiro mês, emagreci cinco quilos com os nervos. É verdade que a PT fez tudo para que as coisas corressem bem, mas a partir do momento em que eu meti os pés em Macau e comecei a ver o que havia para fazer acabei por me desleixar de outras coisas, como de encontrar uma casa, por exemplo, que só aluguei mais tarde. O contexto profissional também era algo complicado. E Macau, para quem não está habituado, é um choque.
No entanto, com o tempo, começa- se a perceber que a vida em Macau é muito fácil. Tudo é perto, as pessoas conhecem-se relativamente bem, há muitos sítios para ir arejar e refrescar as ideias, tive a sorte de encontrar uma ótima casa, não passei pelo drama das saudades, porque ia e vinha muitas vezes. Macau ensinou- -me muitas coisas, sendo uma delas o respeitar a face. Em público nunca devemos repreender ninguém. Aprendi também que, em Macau, a estrangeira sou eu, e por isso eu é que tenho de adaptar-me a eles e não eles a mim.
Além de tudo, tive o desafio de fazer coisas que nunca tinha feito, como reuniões com tradutor, por exemplo. Os sabores, os cheiros, são espetaculares. Do ponto de vista familiar foi igualmente muito bom, porque as minhas filhas e eu criámos uma ligação ainda mais forte. Foi um misto de muitas coisas, mas foi acima de tudo muito marcante, e assumo que tenho saudades de Macau. Já estive em muitos países e todos são diferentes, mas nenhum é tão diferente como aquele.
Além da gestão, também dá aulas na Universidade Católica já há mais de 42 anos. O ensino é, para si, uma paixão?
Sim. Comecei a dar aulas de Fortran IV em 1987 e acredito que é algo que está no meu ADN, até porque o meu pai era professor e as minhas irmãs Teresa e Clara também. Acho que os professores não ensinam nada a ninguém; ajudam as pessoas a aprender, o que é completamente diferente. As pessoas podem ir às aulas e sair de lá sabendo o mesmo que sabiam quando entraram. Por isso, o papel do professor é ajudar os alunos a aprender. E quanto mais tentarmos chegar aos alunos, melhor desempenhamos esse papel.
Ensinar tem momentos frustrantes, mas, no geral, é extraordinário, como quando fazemos uma pergunta e a turma inteira responde, ou quando no fim do ano letivo um aluno escreve no exame: “Obrigado!” Estas coisas são muito boas. Em termos profissionais, também temos que ter em conta que não existe público mais exigente do que uma plateia de alunos. Podemos falar com os CEO, com presidentes, seja com quem for, que o grau de exigência dos alunos é sempre maior, porque eles criticam e julgam permanentemente. Além disso, ser professor é ter de estar sempre atualizado, não só em termos de conhecimento, mas até no que diz respeito à linguagem e à relação com os alunos. Tenho ainda a vantagem de dar aulas numa universidade internacional, sendo que neste semestre tive 22 alunos de 17 nacionalidades. A riqueza do que acontece naquelas salas de aulas é brutal.
Tem duas filhas já adultas. Alguma delas resolveu seguir a sua carreira?
Eu tenho duas filhas que são a prova provada de que fomos bons pais. São as duas completamente diferentes, mas são ambas extraordinárias. Uma é gestora, seguiu a minha profissão, e a outra é hospedeira de bordo, o que deve ser fantástico, porque eu adoro aeroportos.
Sente nostalgia nesta fase da vida?
Já perdi pessoas que me são muito queridas, e por isso sinto muita saudade. É algo que me acompanha permanentemente. Perdi o meu pai há mais de 30 anos e lembro-me dele todos os dias, por exemplo. Mas isso não é uma nostalgia, é uma saudade. Nostalgia sinto a nível profissional, porque toda a vida tive uma carreira com contornos internacionais. E nunca me dei conta, porque quando temos as coisas, elas não nos fazem falta. De repente vejo-me sem um bilhete de avião para ir a algum sítio.
Tenho também alguma nostalgia sobre o tempo em que estive em Macau; tenho saudades de quando as minhas filhas eram pequenas, naquela idade entre os 8 anos e os 12, em que já vão connosco para toda a parte. Tenho saudades de todas estas coisas, mas não posso dizer que sinta uma nostalgia profunda, ou que quisesse voltar atrás por algum motivo. Se voltasse atrás, talvez fosse menos exigente e intransigente comigo e com os outros. Mas nada mais. Tive uma vida fantástica!
Se não fosse gestora, o que teria sido?
Diplomata. Acredito que a carreira de diplomata seria aquela que me encaixaria na perfeição. Agora que me conheço bem, era isso que deveria ter sido.