Entrevista: «Há hoje uma participação mais ativa, responsável e com maior capacitação na saúde», Ana Escoval e Ana Rita Pedro, investigadoras

Em colaboração com Escola Nacional de Saúde Pública, o projeto Saúde Que Conta procura estudar e contribuir para a literacia em saúde no país.

É cada vez mais importante estudar e promover a literacia em saúde na população, referem Ana Escoval, coordenadora da equipa de investigação do “Saúde que Conta”, e Ana Rita Pedro, investigadora da ENSP-NOVA e coordenadora do estudo Saúde Que Conta. Conversámos com as especialistas para perceber de que modo e através de que ações a promoção da literacia em saúde está a ser feita junto dos portugueses. 

Sob o mote “a literacia em saúde promove cidadãos mais ativos e participativos”, nasceu em 2011 o projeto “Saúde que Conta”, enquanto iniciativa de investigação nacional promovida pela ENSP-NOVA, em parceria com a Lilly Portugal.

Quando surgiu e qual a atividade da Escola Nacional de Saúde Pública?
A Escola Nacional de Saúde Púbica foi criada em 1966 e ao longo dos seus mais de 55 anos de existência tem sido um centro de excelência para a inovação em saúde pública em Portugal. Através da sua oferta formativa na área da saúde pública, a Escola tem formado uma massa crítica de

Ana Escoval, coordenadora da equipa de investigação do “Saúde que Conta”

profissionais altamente diferenciados, que se distinguem pelas competências técnicas, científicas, transversais e capacidade para atuar, em diversos setores, nas questões de saúde pública mais complexas, num contexto global em permanente mudança; Desenvolve investigação de qualidade com relevância nacional e internacional, numa cultura orientada pelos desafios atuais e futuros em saúde pública, com enfoque na inovação e no impacto social; Está comprometida com a missão de serviço à comunidade, através da cooperação institucional e de parcerias intersectoriais, para a transferência de conhecimento e desenho, implementação e avaliação de intervenções e políticas em saúde.

Perante a importância desta instituição, qual a sua missão e filosofia?
A missão da Escola é contribuir para o avanço em saúde pública, através da criação de sistemas de saúde mais resilientes, inovadores e eficientes; de uma força de trabalho na saúde com novos modelos de liderança e perfis profissionais e comunidades mais saudáveis e sustentáveis. O exercício da missão da ENSP NOVA não se esgota na promoção da saúde dos portugueses, mas exprime-se também na sua contribuição para a promoção da saúde global. Somos uma Escola orientada para o impacto, defendemos um ambiente de trabalho colaborativo e de cocriação, inclusivo – de todos e para todos – e orientam-nos princípios da sustentabilidade.

Como classificam hoje, o nível de literacia em saúde da população portuguesa?
Aquando da aplicação em Portugal do Questionário Europeu de Literacia em Saúde, realizada em 2016 no âmbito da 3ª fase do Saúde que Conta, verificou-se que cerca de 61% da população inquirida apresentava um nível de literacia geral em saúde problemático ou inadequado. A análise dos resultados revelou ainda que nas quatro subdimensões de literacia em saúde analisadas (capacidade de as pessoas acederem, compreenderem, analisarem e utilizarem a informação de saúde) à medida que a idade aumenta o nível de literacia em saúde diminui. Por outro lado, observou-se tendencialmente o inverso no que diz respeito ao nível de escolaridade – à medida que o nível de escolaridade aumenta os níveis de literacia em saúde tendem a ser superiores.

De que forma tem, a literacia em saúde, evoluído ao longo dos anos?
Dos estudos que temos desenvolvido no âmbito do Saúde que Conta, com foco em diferentes subgrupos/áreas, nota-se uma evolução positiva nos níveis de literacia em alinhamento com o que acontece na população em geral.

Como e quando surgiu o projeto chamado Saúde Que Conta?
Todos os projetos têm uma história e este não é exceção. Em 2008 fomos convidados para integrar o Consórcio que desenvolveu e aplicou o European

Ana Rita Pedro, investigadora da ENSP-NOVA e coordenadora do estudo Saúde Que Conta

Health Literacy Survey, não tendo sido possível integrar sobretudo por razões financeiras. Ficou, entretanto, a vontade de desenvolvermos um projeto neste âmbito e tal foi possível a partir de 2011, com base numa parceria com a Lilly Portugal que permanece até ao presente.

Em que consiste e quais os seus principais objetivos?
Sob o mote “a literacia em saúde promove cidadãos mais ativos e participativos”, nasceu em 2011 o projeto “Saúde que Conta”, enquanto iniciativa de investigação nacional promovida pela ENSP-NOVA, em parceria com a Lilly Portugal, como referido anteriormente e, que se encontra atualmente na sua 9.ª Fase.
O Saúde que Conta assenta na análise e promoção da literacia em saúde a nível nacional, pretendendo investigar a literacia em saúde com o intuito de criar estratégias para que o cidadão possa adquirir as competências e conhecimentos adequados para tomar decisões inteligentes para si e para a comunidade. Tem como principais objetivos contribuir para o debate público e sensibilizar a comunidade para a importância da literacia em saúde e avaliar os níveis de Literacia em Saúde e implementar estratégias que possam contribuir para uma efetiva capacitação do cidadão.

De que forma se desenvolve o projeto?
Desde 2011, o projeto já completou oito fases, cada uma delas com objetivos e públicos-alvo específicos, como é possível observar na imagem seguinte:

Falam em Capacitação do Cidadão em Saúde: não devia ela começar em casa e depois na escola?
A capacitação do cidadão acompanha todo o ciclo de vida, e deve acontecer na família, na escola, no ambiente social, na profissão, etc.

Para que quem nos lê entenda um pouco melhor dê, por favor, um exemplo de experiências de capacitação do cidadão em saúde em Portugal?
A Biblioteca de Literacia em Saúde (https://biblioteca.sns.gov.pt/) que é um repositório que pretende promover o acesso à informação sobre saúde e tornar as pessoas mais autónomas em relação à sua saúde.

Na sua opinião quais são os aspetos mais relevantes relativamente à capacitação em saúde dos portugueses?
Por exemplo, o uso responsável dos serviços de saúde e a utilização controlada de antibióticos.

Da vossa experiência neste tema, diria que são muitas ou poucas as iniciativas, públicas e privadas, com vista a implementar esta capacitação em saúde dos portugueses?
Cada vez mais têm sido criadas iniciativas de promoção da literacia em saúde e capacitação da população portuguesa, das quais, a título de exemplo, podemos destacar: · Criação da Biblioteca de Literacia em Saúde (https://biblioteca.sns.gov.pt/) pela DGS, que é um repositório que pretende promover o acesso à informação sobre saúde e tornar as pessoas mais autónomas em relação à sua saúde;
· Criação da Rede Académica de Literacia em Saúde;
· Em 2016, na sua 4ª fase, o Saúde que Conta contribuiu para o desenho de uma Estratégia Nacional de Literacia em Saúde;
· A DGS lançou um curso de promoção da atividade física intitulado “Aconselhamento Breve para a Promoção da Atividade Física por Profissionais de Saúde”, através da Plataforma NAU.

E quanto aos resultados, têm eles sido positivos?
Em nosso entender sim, pese embora estejamos a pensar replicar o estudo para a avaliação dos níveis atuais de literacia em saúde na população portuguesa.

Através de que estratégias e instrumentos concretos se pode melhorar a literacia em saúde dos portugueses?
O Plano Nacional de Literacia em Saúde e Ciências do Comportamento 2023-2030 enumera diversas estratégias que serão postas em prática e objeto de avaliação em 2025, 2028 e 2031, das quais podemos destacar:
· A produção de conteúdos tem por base as melhores práticas em Literacia em Saúde, bem como a melhor evidência científica atual.
· A comunicação, que tem um papel fundamental na promoção da Literacia em saúde e na ativação de comportamentos protetores da saúde.

Estão os mais velhos cientes da importância da boa gestão do seu bem-estar?
Cada vez mais esta faixa etária tem maiores níveis de escolaridade, prevendo-se que apresentem uma maior preocupação para uma participação mais ativa, responsável e com maior capacitação na saúde.

Há, de alguma forma, uma preocupação vossa para com esta faixa etária?
Na sua 8.ª fase, o Saúde que Conta quis perceber qual o nível de literacia em saúde e qualidade de vida dos cuidadores informais; salientamos também que o Plano Nacional de Literacia em Saúde e Ciências do Comportamento 2023-2030 prevê a elaboração de um Guia de Autocuidado para Promoção do Envelhecimento Ativo e Saudável, para aumentar os níveis de literacia em saúde deste grupo etário.

Temos um novo Governo a entrar em funções: que conselhos, dicas ou chamadas de atenção deixaria aos novos responsáveis relativamente a este tema?
Apostar na cabal implementação do Plano Nacional de Literacia em Saúde e Ciências do Comportamento 2023-2030. Mas, principalmente garantir que as fases de monitorização e acompanhamento vão acontecendo nas datas propostas, de forma a garantir uma evolução gradualista dos níveis de literacia e os ajustamentos considerados indispensáveis, em cada uma delas.

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