Entrevista: «Sofrimento psicológico é a expressão que melhor define como vivem os cuidadores informais em Portugal», Teresa Feijão, psicóloga

O papel do cuidador é imprescindível na vida de idosos ativos, de pessoas acamadas ou com mobilidade condicionada. Mas são muitos os desafios que se colocam a estas pessoas que dedicam a sua vida a tratar dos outros.

“Quem cuida do cuidador?”, esta é uma pergunta à qual a sociedade deve ter como responder. O peso psicológico de quem ocupa os seus dias a cuidar dos outros e descura do seu próprio bem estar, é algo a que todos devem estar atentos, uma vez que prestação de cuidados pode ser física e emocionalmente esgotante. Para qualquer cuidador é importante recarregar as baterias, revela em entrevista à Forever Young a psicóloga Teresa Feijão.

Com o passar do tempo, o stress dos prestadores de cuidados pode levar ao esgotamento, uma condição marcada pela irritabilidade, fadiga, problemas de sono, aumento de peso, sentimentos de impotência ou desespero, e isolamento social. «Há atualmente cerca de 1,4 milhões de cuidadores informais em Portugal — e poderá haver mais para lá do registo oficial», afirma Teresa Feijão, acrescentando que «o panorama da realidade dos cuidadores informais é um reflexo da desigualdade de acessos no país, tendo em conta as capacidades económicas».

O que é e que papel desempenha um cuidador?
As pessoas que prestem cuidados permanentes ou regulares a outros (familiares) que se encontram numa situação de dependência (pessoa cuidada) podem ser considerados cuidadores informais. O cuidador acompanha e cuida da pessoa cuidada de forma permanente, vive na mesma casa, mas não recebe qualquer remuneração pelos cuidados que lhe presta. A função do cuidador informal é exigente tanto física como mentalmente. A capacidade de lidar com as emoções permite que o cuidador se envolva de forma mais positiva na relação com o idoso, criando um ambiente acolhedor e seguro e prestando cuidados de uma forma mais eficiente. A importância de manter o bem-estar emocional de quem cuida de idosos não pode ser subestimada. É essencial reconhecer que este tipo de cuidados é uma responsabilidade partilhada, que requer apoio e compreensão, tanto para quem é cuidado, como para quem cuida.

Quais as funções de um cuidador?
O papel do cuidador é imprescindível tanto na vida de idosos ativos, como de pessoas acamadas, de mobilidade condicionada, doentes oncológicos, pessoas com doença mental ou a recuperar de situações incapacitantes como um AVC. O nível de envolvimento do cuidador no dia a dia das pessoas a quem prestam cuidados varia, portanto, com o nível de dependência e com a condição dessa pessoa.
O quotidiano não será, portanto, igual para todos os cuidadores, embora haja tarefas em que previsivelmente vão estar envolvidas:

. Necessidades físicas: tarefas do dia a dia, como levantar e deitar na cama, ir à casa de banho, completar a higiene diária e vestir-se, e organizar a casa, preparar refeições, fazer limpezas e tratar da roupa;

. Necessidades médicas: marcar consultas e acompanhar o paciente, garantir a administração correta dos medicamentos, comunicar à equipa médica que acompanha o paciente eventuais alterações no seu estado físico ou mental e, no caso do paciente ser incapaz de o fazer, tomar decisões sobre o tratamento;

. Necessidades emocionais e psicológicas: garantir que a pessoa que necessita de cuidados se sente acompanhada, protegida e ligada aos seus familiares e amigos próximos. Além disso, é importante estar atento a sinais que indiquem a necessidade de acompanhamento psicológico, notando sinais de tristeza e alterações do humor.

Existe um perfil do cuidador?
Em linhas gerais, um cuidador é responsável por garantir as atividades de vida diárias e por prestar cuidados paliativos. No caso de um cuidador formal/profissional, este deverá reportar a evolução do quadro da pessoa cuidada aos responsáveis através de ferramentas como, por exemplo, um diário do cuidador. Pensar no perfil desejado do cuidador ajuda a definir as atividades que serão executadas, em especial para alguém com tão amplo espectro de atuação. O perfil atual geral de uma pessoa cuidadora é maioritariamente uma mulher com mais de 45 anos que cuida de familiares.

O que distingue os cuidadores formais dos cuidadores informais?
O cuidador formal é o profissional preparado numa instituição de ensino para prestar cuidados no domicílio, segundo as necessidades específicas de quem precisa; o cuidador informal é um membro da família, ou da comunidade, que presta qualquer tipo de cuidado às pessoas dependentes, de acordo com as suas necessidades.

Quem tem direito a ter estatuto de cuidador informal?
As pessoas que prestam cuidados permanentes ou regulares a outras pessoas (familiares) que se encontram numa situação de dependência (pessoa cuidada) podem pedir o reconhecimento do Estatuto de Cuidador Informal (ECI). O Reconhecimento do Estatuto do Cuidador Informal pode ser pedido através da Segurança Social Direta em www.seg-social.pt.

Todos os cuidadores têm direito a subsídio de cuidador?
O cuidador informal tem de reunir as seguintes condições: residir legalmente em território nacional, ter mais de 18 anos e ter capacidades físicas e psicológicas para prestar os cuidados adequados à pessoa cuidada. Mas, para ter direito ao subsídio, o rendimento de referência do agregado familiar do cuidador informal principal não pode ser igual ou superior a 1,3% do valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), ou seja, 662,04 euros, em 2024.

Muitas dessas pessoas transformam-se em cuidadores informais por amor e necessidade. Há um peso nesta decisão?
Claro que sim. Por isso, tomado essa decisão ou havendo obrigatoriamente essa necessidade, há que considerar diversas estratégias de apoio.

De que forma podem os cuidadores informais equilibrar a constante preocupação com o outro e o seu próprio esgotamento?
De muitas formas, desde focar-se nos cuidados que é capaz de prestar: os cuidados prestados são sempre uma consequência das decisões que se conseguem fazer num dado momento, não existindo “o cuidador perfeito”. É importante relativizar os momentos em que o cuidador não realiza algo como idealizou mas também:
– Delinear objetivos realistas: dividir as grandes tarefas em outras mais pequenas torna-as menos assoberbantes. É importante perceber as que são prioritárias e aquelas que são demasiado esgotantes;
– Falar com outros cuidadores: encontrar grupos e associações de cuidadores será bom não só para o apoio em aspetos práticos quotidianos, mas também para partilhar experiências, estratégias e para que o cuidador não se sinta isolado;
– Delinear objetivos de cuidado pessoal: alguns cuidadores têm dificuldade em estabelecer horários e momentos de descanso pessoais, como horas de sono adequadas. É importante manter um ritmo equilibrado, com momentos para exercício físico e uma alimentação adequada;
– Consultar um médico: o apoio de um médico ou psicólogo não deve ser descurado. É importante que o cuidador informe os médicos de que é cuidador de alguém dependente para que a sua própria saúde possa ser vigiada;
– Aceitar o descanso do cuidador: é positivo para o cuidador afastar-se por alguns tempos dos cuidados, para que possa descansar. Quando não existem outros cuidadores que possam assumir esta ocupação por um período pequeno de tempo, há alguns mecanismos da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados que asseguram os cuidados de quem precisa, por alguns dias, aliviando as funções do cuidador.
Múltiplas entidades de solidariedade social e de saúde privadas recebem por períodos mais ou menos longos pessoas dependentes para permitir descanso dos cuidadores.

Dão o seu tempo e muitas vezes aprendem por instinto. A responsabilidade que sentem pode afetar a sua saúde mental?
Os cuidadores enfrentam desafios únicos e, em alguns casos, podem experimentar um nível elevado de stress ou desenvolver problemas de saúde mental. Nestes momentos, é crucial não hesitar em procurar ajuda de profissionais qualificados, nomeadamente psicólogos, psiquiatras ou assistentes sociais especializados em saúde mental. Os profissionais de saúde mental podem fornecer suporte especializado, avaliar a situação do cuidador e oferecer orientação personalizada, estando capacitados para identificar sintomas de esgotamento, depressão, ansiedade e outras condições que possam afetar a saúde mental do cuidador. Além disso, podem auxiliar na implementação de estratégias de manutenção e minimização do stress e fornecer ferramentas eficazes para lidar com estes desafios específicos relacionados ao cuidado.
Procurar ajuda profissional não é um sinal de fraqueza, mas sim um ato de força e cuidado consigo mesmo. Ao colaborar com um profissional experiente, os cuidadores têm a oportunidade de compartilhar as suas preocupações e dificuldades de forma confidencial e segura. Assim, podem receber apoio emocional, aprender estratégias de adaptação saudáveis, aprender a estabelecer limites adequados, encontrar formas de equilibrar as suas responsabilidades e obter informações valiosas sobre os recursos disponíveis na comunidade.

O cuidador passa a adiar, substituir ou cancelar os seus próprios planos de vida, na esfera pessoal e até na profissional. Qual o impacto disto na pessoa?
O trabalho diário do cuidador é física e emocionalmente esgotante e é comum que os cuidadores se sintam exaustos, frustrados e sozinhos. Um cuidador pode experienciar sintomas de depressão e ansiedade, de que fazem parte também os sentimentos permanentes de tristeza, flutuações no peso, dormir muitas horas ou não dormir o suficiente, sentir-se facilmente irritado, perder o interesse naquilo que antes o divertia, abusar de álcool, drogas e medicamentos ou ter frequentes dores de cabeça ou musculares.
Uma das estratégias fundamentais para prevenir o esgotamento e a depressão é estar atento aos sinais de alerta precoces. Isso implica conhecer e reconhecer os sintomas que podem indicar que o cuidador está a aproximar-se de um estado de exaustão emocional e mental. Estes sinais podem incluir:
– Sentimentos persistentes de tristeza;
– Perda de interesse em atividades antes apreciadas;
– Irritabilidade constante;
– Mudanças significativas de apetite ou sono;
– Sentimentos de culpa ou falta de esperança. Ao identificar estes sinais, é fundamental procurar ajuda o mais cedo possível. A intervenção precoce pode fazer uma grande diferença na prevenção de problemas mais graves de saúde mental.
Cuidar de si mesmo é uma parte essencial do processo de cuidar dos outros com amor, dedicação e equilíbrio.

É possível existir no cuidador um sentimento de culpa por não conseguir fazer tudo?
Sim e é frequente. Este sentimento aparece: por ter que tomar decisões difíceis em relação à saúde e ao cuidado da pessoa que necessita do cuidado; por ter expectativas elevadas quanto a melhorias da pessoa de quem cuida; por ter pensamentos pessimistas; por ter que considerar enfrentar uma possível institucionalização no futuro; por dedicar tempo a si mesmo, e pensar que está a tirar tempo à atividade de cuidar.

Por que é que existe o sentimento de culpa?
Por acreditar que tira tempo de cuidar do familiar se dedicar tempo às suas amizades ou atividades de lazer; por desejar, em algum momento, que o familiar faleça (para que ele pare de sofrer ou “se liberte” de uma situação de crise); por ter discussões com outros membros da família que não colaboram no cuidado; por negligenciar outras responsabilidades familiares.

Ajudaria delegar funções, pedir ajuda e equilibrar as novas responsabilidades?
Há tarefas que o cuidador pode pedir a amigos e familiares que completem, como fazer compras, fazer companhia à pessoa que precisa de cuidados por algumas horas ou levá-la a passear. São tarefas em que o cuidador não tem sempre de estar envolvido e que o libertam por algumas horas. Ter uma rede de apoio, manter-se ligado à família e amigos, é também fundamental para o apoio emocional do cuidador.
A pessoa responsável e capaz de prestar cuidados na ausência do cuidador tem de estar identificada para as situações em que o cuidador se terá de ausentar. É, além disso, imprescindível que a pessoa que necessita de cuidados se mantenha ligada ao seu núcleo de amigos e familiares, de forma a não se sentir isolada e sozinha.

Os cuidadores cuidam dos outros, mas ninguém se lembra de cuidar deles: é esta a realidade portuguesa?
Há atualmente cerca de 1,4 milhões de cuidadores informais em Portugal — e poderá haver mais para lá do registo oficial.
O panorama da realidade dos cuidadores informais é um reflexo da desigualdade de acessos no país, tendo em conta as capacidades económicas. É muito diferente cuidar de alguém quando se tem dinheiro para ter ajuda externa permanente e apoio psicológico sem ter de olhar a custos e acesso público; ou estar sozinha nesta luta, a lidar com a sobrecarga e a desorientação consequente, com pouco, ou nenhum, apoio do Estado.

O que podia ser feito para melhorar a vida destas pessoas?
Mais de 80% dos cuidadores informais reconhecem que já estiveram em exaustão emocional e quase 78% sentiram, em algum momento, necessidade de apoio psicológico. Contudo, apenas 42% procuraram esse tipo de ajuda. Esta discrepância é especialmente preocupante se tivermos em conta que quase 80% acreditam que o seu estado de saúde emocional influencia o seu desempenho como cuidadores informais. Mas a maioria dos cuidadores informais não têm suporte psicológico adequado, por parte do Estado e não só.

Sofrimento psicológico é a expressão que melhor define como vivem os cuidadores informais em Portugal, lembrando que muitas destas pessoas estão 24 sobre 24 horas a desempenhar este papel. Há que ouvir este grito, estas pessoas não estão bem e reconhecem que precisam de ajuda. Cuidadores informais fazem-se ouvir: não estão bem e precisam de ajuda. Apesar do Estatuto do Cuidador Informal (ECI) ter sido criado em 2019, o estatuto não vem resolver aquilo que é a realidade diária dos cuidadores informais – cuidar tem um custo e é importante que isto seja assumido, tem um custo físico, financeiro e emocional. Não deve ser uma luta só das instituições, mas também uma luta do Estado.

O ECI prevê, entre outras coisas, que para cada cuidador informal que vê o seu estatuto reconhecido existam dois profissionais de referência, um da saúde e outro da segurança social, e isto porque se considera muito importante garantir o apoio aos cuidadores e garantir o seu equilíbrio biopsicossocial. Mas seria muito importante acrescentar maior acesso a apoio psicológico.

Existe algum apoio psicológico estatal para estas pessoas?
Existe uma iniciativa que predispõe uma linha de apoio psicológico para os cuidadores informais. A iniciativa é da Associação de Doentes Europacolon e pretende dar uma resposta rápida a quem se dedica a cuidar de familiares com doenças incapacitantes. A linha está disponível de segunda a sexta-feira, entre as 10h00 e as 12h00 e das 15h00 às 18h00, através dos números 960 199 759 ou 808 200 199 (custo de chamada local).
O atendimento é assegurado por uma psicóloga. Para além do apoio emocional, da possibilidade de partilharem as suas emoções, questões, dúvidas e dificuldades psicológicas, também são partilhadas informações úteis sobre apoios sociais, nomeadamente sobre o estatuto de cuidador informal.

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