A fotógrafa Catarina Araújo Ribeiro inaugura na sexta-feira em Lisboa uma exposição sobre a realidade das crianças que vivem com as mães no Estabelecimento Prisional de Tires e que “pode ajudar” a refletir sobre a sociedade e sobre a infância.
“Vale a pena conhecer esta história porque não é uma realidade muito conhecida. Mesmo na área da Justiça nem toda a gente tem contacto direto com a realidade destes miúdos que vivem com as mães dentro das prisões”, disse à Lusa Catarina Araújo.
A fotógrafa conviveu durante três meses com as mães reclusas com filhos, sob autorização da direção dos Serviços Prisionais, para fazer um trabalho de profundidade sobre as mulheres e as crianças tendo tido acesso “às celas que inclusivamente os advogados desconhecem”.
A exposição fotográfica “Punctum – ser criança atrás das grades” pode ser vista na Fábrica do Braço de Prata (sala Wolf) a partir da próxima sexta-feira.
A ala do Estabelecimento Prisional de Tires tem atualmente 17 crianças e cada mãe vive numa cela individual com casa de banho.
“Encontrei mães que, apesar do contexto, do local onde vivem e de serem teoricamente um perigo para a sociedade e, por isso, estão presas, são mães cuidadoras, cuidam das celas como se fossem ‘quartinhos’, decorados com fotografias, com o nome dos miúdos, com bonecos. Elas tornam o ambiente acolhedor e cuidado” disse a fotógrafa.
Um dos retratos mostra uma mãe aparentemente muito jovem que fixa o olhar na objetiva da câmara com o filho recém-nascido nos braços.
Outra imagem, a contraluz, mostra uma outra mãe com o filho a caminhar de costas por um corredor sendo que os detalhes estão nas sombras e na luminosidade, ao fundo, para onde os dois se dirigem.
Catarina Araújo sublinhou que não quis saber as penas a que as mães fotografadas foram condenadas e preservou a identidade e a imagem das crianças, algumas das quais nascidas na prisão.
“Independentemente de serem reclusas são mães que cuidam, que brincam, que amamentam”, descreveu a autora das fotografias.
Legalmente as crianças podem ficar na companhia das mães até aos três anos de idade.
“Muitas destas crianças nasceram na prisão e não sabem que existe outro mundo para lá dos muros da cadeia. Apesar disso tudo desarmam-nos com alegria. São crianças como as crianças são em todo o lado. Aquela é a realidade daquelas crianças que não têm outro suporte familiar a não ser crescer na cadeia”, acrescentou a fotógrafa.
A exposição chama-se “Punctum”, numa referência ao conceito do filósofo e semiólogo francês Roland Barthes (1915-1980) “que falava” dos detalhes das fotografias que tocam o espetador.
“Eu creio que estas fotografias estão cheias de detalhes e quando recebemos o impacto de uma fotografia ela passa a viver dentro de quem a vê e estas fotografias têm alguns ‘punctum’ que nos vão fazer refletir. Essa é a ideia da exposição”, explicou.
Para a fotógrafa a exposição pretende igualmente mostrar o papel que “cada pessoa tem na sociedade sendo que a restrição legal que impede a captação da imagem das caras dos miúdos faz com que os observadores se identifiquem mais com as crianças porque – não vendo a cara – podem ser eles mesmos”.
Catarina Araújo, fotógrafa, é formada em sociologia, com mestrado em Sociologia do Crime e Violência e com uma pós-graduação em Ciências Criminais, fez investigação sobre delinquência juvenil e abuso sexual de crianças e lembrou que na Europa “pelo menos dois milhões de crianças têm um dos dois progenitores presos”.