Por: Vera de Melo, Psicóloga Clínica
Escritórios esvaziaram-se… Em casa, salas transformaram-se em ambientes de trabalho improvisados, diluíram-se as fronteiras entre o pessoal e o profissional, o teletrabalho antes temido, foi a salvação. A cultura de liderança transformou-se, o controlo deu lugar à liberdade, a desconfiança à confiança.
A força de trabalho deixou de ser estática e passou a ser diversificada e móvel, com colaboradores a trabalhar em vários locais e a partir de vários dispositivos. O trabalho em equipa assumiu uma importância extrema.
E agora, setembro aproxima-se, e com ele o regresso ao trabalho, afinal não nos podemos render ao medo de voltar a trabalhar.
Mas, associado a este regresso são várias as emoções e sentimentos que pautam os nossos dias, como a nostalgia, melancolia ou até mesmo ansiedade. Tudo aparentemente muito natural, dado que vivemos um período único, pautado por mudanças, alterações de rotinas e de ausência de controlo sobre a realidade.
Para que encare o regresso com entusiasmo e otimismo deixo-lhe o Kit de sobrevivência que deve levar consigo no primeiro dia de trabalho. Ajuste-a à sua realidade e verá que o regresso será vivido de forma natural e serena.
Tranquilidade– não se volta ao passado, a normalidade como a conhecemos outrora, já não existe, iremos construir um novo normal. Pouco a pouco iremos conseguir, por isso não tenha pressa. Viva o próprio dia. Não passe o tempo a antecipar situações que só lhe causam stress e ansiedade. Viva um dia de cada vez e seja feliz todos os dias.
Realidade– Se é verdade que o futuro ainda não está escrito, podemos escrever o presente e diante da incerteza, foco é a melhor arma. Foque-se. Não perca tempo a ser saudosista e a recordar o passado, o que foi já lá vai, e o que será está nas suas mãos.
Naturalidade- O reajustamento a uma nova realidade dificilmente é imediato. É necessário um período de (re)adaptação. O seu corpo e mente vão precisar de se sincronizarem novamente com a nova realidade. Este “choque” inicial é algo esperado e natural. Sintomas como dificuldades em adormecer e acordar, baixa concentração e défice de produtividade inicial são marcos da readaptação ao novo contexto. Não os hipervalorize e dê-lhe apenas a importância que têm. Lembre-se de medir a temperatura das suas emoções e tomar o remédio da tranquilidade.
Bom senso-Não seja rígido e inflexível consigo, minimize. A provável ânsia de tentar colocar tudo em ordem, responder as todas as solicitações pendentes e sentir-se 100 % operacional é tentadora. Não queira ser “super-herói” e colocar-se num patamar de expectativas não realizáveis, só vai aumentar a ansiedade e gerar frustração. Lembre-se, não estamos numa corrida de cem metros, mas sim numa maratona. Seja lento. Permita-se ficar distraído, mas não perca o foco.
Coragem– Existem mil e uma formas de demonstrar coragem, desde a mais espetacular à mais discreta. Independentemente da duração e da forma, a coragem é sempre a força que se revela na adversidade. Neste regresso, confie em si mesmo, por mais que a nova vida lhe traga desafios, não esqueça que tem capacidade de realização e transformação. Tenha consciência das suas qualidades e competências e saiba que tem dentro de si todas as faculdades para vencer cada obstáculo. Sem vontade não há coragem. Pense nisso!
Gratidão– O trabalho perfeito não existe de todo, tal como não existem pessoas perfeitas, nem casas perfeitas, nem situações perfeitas, diria que a perfeição é um mito. Existe sim, o trabalho para o momento que a pessoa está a viver. Expressar gratidão pelo que possui, vai ajudar a encarar com entusiamo o regresso. Não almeje perfeição, ela não existe. Pratique a gratidão.
Otimismo– . Em todos os trabalhos há sempre algo que gostamos. Não é verdade que não gostamos de nada, quando achamos isso é só a tendência para a catastrofização a assolar o nosso cérebro. Não vale de nada queixar-se do trabalho, das pessoas, da vida, se continua inerte, sem assumir um papel ativo na mudança. Estar num ciclo de vitimização constantemente em nada promove a felicidade. Ser feliz é uma escolha e tem de querer ser. Não hipervalorize as situações, faça avaliações objetivas da realidade. Encare com otimismo o regresso, foque-se nas soluções e não nos problemas.
Empatia – Aceite o ponto de vista dos outros, não utilize o seu próprio “mapa do mundo”, os seus óculos com que vê a realidade para analisar todas as situações. Cultive a cultura da empatia, colocando-se várias vezes no lugar do outro, vai perceber que tudo será muito mais harmonioso. Lembre-se, ser empático é uma urgência social.
Interação Social- O ser humano é um ser social. Como ser social que é, o ser humano quer viver em grupo e estar integrado numa sociedade. Precisa de ter amigos para conversar, necessita de um ombro amigo, de um sorriso, de um olhar, de conversas amenas para passar o tempo. Precisa de sentir pertença, e isso só é possível através do contato e da interação social. Neste retorno ao seu local trabalho e, consequentemente, à partilha de espaço e de tempo com os seus colegas, não hesite em interagir. Mostre interesse em saber como foram as férias daqueles que o rodeiam, conte um pouco das peripécias que viveu, reforce e reative o espírito de equipa e sentimento de pertença. Com as devidas medidas de segurança, aproveite as pausas e interaja. Lembre-se a socialização nunca pode deixar de existir pois confere ao ser humano sentido de vida.
Por fim tenha em mente, tal como Heráclito dizia nada é permanente exceto a mudança…por isso encare este regresso como mais uma de tantas outras mudanças.
Tenha o sorriso espelhado no rosto, a “esperança “refletida nos olhos e o foco evidenciado nos seus atos.