O emblemático realizador do Mali Souleymane Cissé, “um artista imenso” e um dos pais do cinema no continente africano, morreu ontem subitamente em Bamaco, aos 84 anos, tendo de manhã participado numa conferência de imprensa, anunciou fonte familiar.
Segundo Mariam Cissé, filha do realizador, Souleymane Cissé tinha previsto estar presente na próxima edição do Fespaco.
“O papá morreu hoje em Bamaco. Estamos em choque. Dedicou toda a sua vida ao seu país, ao cinema e à arte”, disse Mariam Cissé à AFP.
O célebre realizador, que faria 85 anos em abril próximo, morreu numa clínica da capital do Mali, Bamaco.
O realizador iria presidir ao júri de longas-metragens de ficção da 29.ª edição do Festival Pan-Africano de Cinema e Televisão de Ouagadougou (Fespaco), que se realiza a partir de 22 de fevereiro na capital do Burkina Faso.
“Soube da terrível notícia pela família. Era um artista imenso; o mundo da arte está de luto”, disse à AFP Oumar Duallo, académico maliano e amigo próximo de Souleymane Cissé.
O realizador tinha previsto viajar quinta-feira para o Fespaco em Ouagadougou, acrescentou Oumar Diallo.
Num comunicado divulgado hoje à noite, o ministro da Cultura do Mali, Mamou Daffé, manifestou a sua “tristeza” pela morte do que classificou como “monumento do cinema africano”, elogiando-o como um “cineasta admirado e respeitado”.
Na conferência de imprensa desta manhã, Soleymane Cissé disse que gostaria que as autoridades “ajudassem a popularizar as obras cinematográficas. Que compreendam que é o cinema que faz brilhar a Nigéria ou o Gana. E isso é possível no Mali”, apelou Cissé.
“Temos jovens cineastas profissionais que são perfeitamente capazes. Não basta fazer filmes, é preciso que as obras sejam vistas (…) Que as autoridades nos ajudem, construindo salas de cinema. É este o apelo que lhes faço antes de morrer, se Deus quiser”, declarou.
O realizador ganhou o Prémio do Júri no Festival de Cannes em 1987 por uma das suas obras-primas, “Yeelen” (A Luz), que conta a história da longa viagem de iniciação de um jovem de uma ilustre família bambara.
Este filme estreou em Portugal em 1989.
Em 2023, ganhou outro prémio em Cannes, recebendo um Carrosse d’Or, um prémio especial atribuído durante a Quinzena dos Realizadores.
“Gostaria de agradecer aos meus colegas por me terem escolhido. Este prémio encoraja-me a fazer novos filmes, a reinventar-me e a mudar a minha visão”, comentou o realizador na altura, numa entrevista à AFP durante a sua visita a Cannes, em 2023.
O prémio foi roubado da sua casa em 2024, mas viria a ser recuperado.
Souleymane Cissé é autor de uma obra pioneira no cinema africano, bem como de filmes políticos, humanistas e sociais que marcaram a sétima arte.
“Den Musso” (A Jovem – 1975), a primeira longa-metragem de ficção do Mali em língua bambara, conta a história de uma mulher muda que engravida após ser violada, tragédia que a leva a ser rejeitada pela família.
O filme “Baara” (O Porteiro – 1978) conta a história de uma revolta de trabalhadores malianos, enquanto “Finyé” (O Vento – 1982) narra a história do amor frustrado de dois jovens malianos, tendo como pano de fundo uma revolta estudantil.
“Waati” (Le Temps – 1995) acompanha a viagem de uma criança negra que deixa a África do Sul para atravessar o continente, da Costa do Marfim ao Mali e à Namíbia.
Na entrevista à AFP em Cannes, em 2023, o realizador maliano criticou a “censura” e o “desprezo” que, na sua opinião, impedem a exibição de filmes africanos em todo o mundo.
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