Sim, a obesidade é uma doença multifatorial, mas se fizerem dieta…
Sim, a obesidade tem tratamento, mas “eles” não querem mudar de hábitos…
Sim, a cirurgia é eficaz, mas se tiverem força de vontade não precisam de ser operados.
Nos corredores de hospitais e clínicas de todo o mundo estas frases são bem mais comuns do que se possa pensar, assim como nas filas de supermercados ou na praia, e refletem um problema profundo: apesar dos avanços científicos na compreensão da obesidade, o preconceito ainda dita o discurso. A ideia de que basta força de vontade para emagrecer continua a sobrepor-se à realidade biológica da doença.
Vivemos num mundo que encara a obesidade como uma falha individual, e não como um problema médico. O doente ouve repetidamente frases como “coma menos e mexa-se mais”, quando, na verdade, o seu corpo está programado para resistir à perda de peso. O metabolismo desacelera, as hormonas sabotam a saciedade e o cérebro luta para preservar cada grama perdida.
Quando a ciência é ignorada, a culpa recai sobre o indivíduo. Ele tenta, falha e reforça a crença errada de que o problema está na sua falta de esforço, e não no funcionamento do seu organismo.
A obesidade tem sido injustamente reduzida a um problema de falta de autodisciplina. O preconceito contra pessoas com obesidade perpetua a ideia de que a condição se deve a gula, preguiça ou falta de controlo, quando, na realidade, estamos a falar de uma doença crónica com forte influência genética e metabólica. Este estigma é reforçado pela comunicação social, pelas indústrias do entretenimento e da moda e, até mesmo, por profissionais de saúde, criando um ambiente hostil para aqueles que lutam contra o excesso de peso.
Diversos estudos demonstraram que a discriminação baseada no peso pode ser tão prevalente quanto a discriminação baseada na raça e no género e alguns deles, realizados com médicos de todo o mundo, concluíram que estes acreditavam que as principais causas da obesidade eram a inatividade física, a sobrealimentação e características de personalidade. A maioria dos clínicos identificava a falta de motivação como a principal dificuldade no tratamento de doentes com obesidade.
A perceção generalizada de que as pessoas com obesidade são culpadas pela sua condição clínica leva alguns a concluir que a estigmatização do peso é justificável e poderá ajudar à adoção de comportamentos mais saudáveis. Mas os estudos científicos concluem que o estigma não motiva ninguém. Pelo contrário, afasta as pessoas do tratamento e piora a saúde física e mental dos doentes.
O tratamento da obesidade ainda não é visto como uma prioridade pelos sistemas de saúde pública, que, muitas vezes, subestimam a gravidade da condição e as suas consequências, a longo prazo. Apesar das evidências sobre o custo-eficácia da cirurgia metabólica, o seu financiamento continua a ser questionado com argumentos de que a obesidade é um problema “autoinfligido”. Mas a ciência já provou que ninguém escolhe ser obeso. Tratar a obesidade de forma eficaz, não é apenas uma questão de saúde individual, mas um investimento em saúde pública.
Reconhecer que a obesidade é uma doença real, com múltiplas causas e sem soluções simplistas, é o primeiro passo para quebrar o ciclo do “sim, mas”. O tratamento existe, funciona e pode salvar vidas. Mas para que isso aconteça é essencial um acompanhamento multidisciplinar, sem julgamentos e sem estigmas.
Talvez seja a hora de parar com os “mas” e começar a agir. Sim, é agora!