Ser mulher no mundo dos negócios e da liderança ainda é um desafio, apesar dos avanços que temos conquistado. Neste mês em que assinalamos o Dia da Mulher, faz sentido refletir sobre onde estamos e para onde queremos ir, não apenas enquanto mulheres e profissionais, mas também enquanto agentes de mudança numa sociedade onde ainda lutamos pela igualdade.
É verdade que nos últimos anos, temos assistido a uma mudança significativa no papel das mulheres na sociedade, ocupando mais espaço no mercado de trabalho, assumindo cargos de liderança e desafiando as desigualdades. Contudo, também é verdade que ainda persistem obstáculos estruturais, como a desigualdade salarial, as oportunidades mais limitadas de progressão na carreira e as expetativas culturais que recaem sobre as mulheres.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2022 a taxa de desemprego era superior em mulheres, em quase todos os grupos etários, sendo que os homens continuam a estar mais representados em cargos de chefia, num valor correspondente a 5,4% dos homens, enquanto que nas mulheres, apenas 3,1% se encontram em cargos de chefia. No que se refere ao o ganho médio mensal, a diferença entre homens e mulheres é marcada, com os homens a auferirem em média 1 389,30€, enquanto as mulheres apenas auferem 1 168,60€, assistindo-se a um gap na ordem dos 15,9%, ou seja, as mulheres ganham em média menos 220,70€ por mês do que os homens.
À medida que tudo isto acontece, aumenta também a pressão quanto à maternidade, bem como os sentimentos de culpa por parecer ser impossível conciliar uma vida profissional de sucesso e uma parentalidade presente. E isto não se prende apenas com políticas de incentivo à natalidade mais robustas, mas sim com as ambivalências que as mulheres atravessam entre quererem ser bem sucedidas no trabalho, continuar a preservar alguma individualidade, ser esposa e filha também, ao mesmo tempo que não se permitem falhar enquanto mães, que precisa e quer estar presente para os filhos. Se por um lado se luta pela igualdade no mercado de trabalho, por outro são também muitas as mulheres que optam por se dedicarem integralmente à maternidade.
Empreender no feminino
Também eu, inconscientemente, mas talvez não ao acaso, vim parar ao mundo dos negócios e do empreendedorismo, numa altura em que este estes conceitos eram pouco
habituais. Formei-me numa altura difícil, quando Portugal atravessava uma grande crise financeira e laboral e onde a empregabilidade nos jovens era um objetivo por vezes difícil. De forma particular na minha área, não se vislumbrava um grande reconhecimento. Falo-vos da Saúde Mental. Sempre me defini como psicóloga e tive consciência de mim como “muito trabalhadora”. De facto trabalhava muitas horas e em tudo o que podia, de modo a garantir que não precisaria emigrar como muitos jovens naquela altura, tendo em conta que não provinha de uma família abastada. Contudo, há um dia que alguém me diz muito muito naturalmente numa qualquer conversa de circunstância que eu era uma empreendedora. Nunca tinha pensado sobre isso e ainda hoje me é estranho.
Atualmente dirijo um negócio pioneiro e exclusivo na área da Saúde Mental, o Centro Catarina Lucas, com dois Centros Clínicos e de portas abertas para o mundo através do digital. O meu percurso enquanto líder e empreendedora na área da saúde mental tem sido marcado por desafios, mas também por uma paixão imensa pelo que faço. Gerir uma empresa numa área tão sensível como esta exige determinação, espírito de sacrifício, estratégia e uma capacidade constante de adaptação. Mas também exige algo que muitas mulheres possuem em abundância: resiliência e sensibilidade.
As mulheres foram, durante demasiado tempo, moldadas pela ideia de que deveriam escolher entre o sucesso profissional e a vida familiar. Felizmente, essa realidade está em transformação. Hoje, as mulheres ocupam lugares de liderança, são empreendedoras e inovadoras e desafiam constantemente os padrões pré-estabelecidos. No entanto, a pressão, muitas vezes autoimposta, para sermos tudo ao mesmo tempo ainda existe e pesa sobre nós.
Ao mesmo tempo que lutamos pela igualdade, é importante que entendamos também que o mais provável é que essa liberdade nos obrigue a fazer escolhas e não a desempenhar todos os papéis de forma exemplar, pois diríamos que é praticamente impossível. O verdadeiro empoderamento feminino está na liberdade de escolha, sem culpas ou imposições. Seja ao decidir investir na carreira, priorizar a família ou equilibrar ambos, é preciso que haja liberdade para o escolher.
Que desafios persistem no mundo profissional?
Apesar do caminho percorrido, a desigualdade de género continua a ser uma realidade. Alguns estudos apontam que as mulheres enfrentam maiores dificuldades em progredir na carreira, muitas vezes pela reserva da empresa em confiar numa pessoa que pode ausentar-se do posto de trabalho para desempenhar o papel de mãe e que pode também por isso ter menos disponibilidade ou faltar mais. Tendencialmente, as empresas ainda olham para o homem como “mais disponível” para assumir determinados cargos. Apesar disso, esta suposta desvantagem
da mulher, é também uma das suas vantagens, pois este é um papel único que mais ninguém experiencia dessa forma. Por vezes, é preciso fazer escolhas conscientes e aceitarmos que nem sempre conseguimos equilibrar de forma idêntica todas as esferas.
Na área da saúde mental, onde me tenho vindo a afirmar, desconstruindo crenças e inovando na forma de prestar estes cuidados de saúde, a presença feminina é forte e as lideranças começam a ser assumidas por muitas mulheres que tiveram a visão e capacidade não apenas de serem líderes, mas de serem líderes numa área que há bem pouco tempo era tão menosprezada.
E este é o caminho que devemos continuar a trilhar, não só na saúde mas em muitas áreas, onde a visão feminina acrescenta valor. Todavia, não nos iludamos. Não basta sermos mulheres para acharmos que estes lugares nos pertencem. Precisamos de trabalhar, ter estratégia e visão, fazer formação contínua e apoiarmo-nos ao invés de criticarmos, algo que também pode ser uma realidade no universo feminino. Por vezes quebrar estigmas junto de outras mulheres pode ser um dos maiores desafios e aqui também há trabalho a fazer.
Que futuro?
Liderar uma equipa de 50 pessoas ao longo de 10 anos tem-me ensinado muito e sou grata por poder crescer e desafiar convenções sociais, junto de uma equipa de elite onde o sexo feminino tem uma presença forte. Jamais conseguiria exercer esta liderança sem o respeito de tantas mulheres que comigo diariamente trabalham e a partilha com homens que diariamente me incentivam. No fundo, não é nem pode ser sobre géneros. É sobre talento, determinação, resiliência e tantas coisas mais que podem existir tanto em homens como em mulheres. Não é sobre ganhar vantagem por ser mulher nem sobre perde-la pelo facto de o ser. Devemos apenas lutar por igualde de oportunidades, respeitando as limitações, decisões e fases de vida de cada pessoa.
Ao longo desta jornada, percebi que sermos pioneiros implica correr riscos, desafiar normas e, muitas vezes, enfrentar resistências. Enveredar por esta área de negócio e decidir liderá-lo enquanto mulher foi um ato de convicção no impacto que queria gerar e na crença de que a Saúde Mental em Portugal tinha que mudar. Abri as minhas clínicas num modelo inovador de portas abertas para a rua, onde os clientes se cruzam numa receção e onde o psicólogo ou o psiquiatra deixam de ser vistos como seres “estranhos”. Temos recebido e formado novas gerações de profissionais numa estreita colaboração com várias instituições de ensino superior e acredito por isso que a mentalidade dos futuros profissionais também está em mudança. Quanto aos clientes, foi muito interessante ver as suas reações ao perceberem que “não eram as únicas”, que “vem aqui tanta gente”, que “é tão natural vir ao psicólogo como ao dentista”.
Hoje, isto já nem se coloca e outras clínicas foram abrindo seguindo este conceito. Fomos bem sucedidos e hoje vejo esse impacto refletido nos pacientes que ajudamos e na equipa que construímos.
Concilio esta vida de empreendedora, com a de escritora, professora, mulher, esposa e umas quantas coisas mais. Se isto me tem obrigado a abdicar de outras coisas? Seguramente que sim. Não é sobre ter tudo, é sobre fazer escolhas. Se já tenho tudo? Não. Tenho o que preciso nesta fase e correrei atrás do que amanhã precisarei.
Quero acreditar que o futuro das mulheres no empreendedorismo será marcado por menos barreiras e mais oportunidades. Para isso, é essencial que continuemos a inspirar e a apoiar outras mulheres. Se há algo que aprendi, é que não precisamos de enfrentar os desafios sozinhas. Criar redes de apoio e partilha é fundamental para que todas possamos crescer. E estas redes e parcerias passam tanto por mulheres como por homens.
Neste mês em que celebramos a Mulher, que possamos celebrar as conquistas, mas sem esquecer que ainda há um caminho a percorrer. E que esse caminho seja trilhado com coragem, determinação e, acima de tudo, com a certeza de que merecemos estar onde queremos estar.