O verão, as férias e os tempos livres aumentam as ocasiões em que os jovens, e adultos, se reúnem em ambientes festivos e de lazer em que, cada vez mais, são utilizados dispositivos como cigarros eletrónicos, vaping e cachimbos de água, que estão a disparar os alarmes nos serviços de Pneumologia dos hospitais do grupo Ribera, incluindo o Hospital de Cascais, devido aos problemas de saúde associados.
“A pneumonia lipóide devido ao consumo de cigarros eletrónicos, foi descrita como uma nova doença conhecida como Evali (E-cigarette or Vaping product use-Associated Lung Injury – doença pulmonar associada ao uso de produtos de cigarro electrónico ou vaping), diretamente relacionada com os vapers, e a bronquiolite obliterante, relacionada com aromatizantes como o diacetil”, explica a chefe do Serviço de Pneumologia do Hospital Universitário de Torrejón (Madrid), Soledad Alonso.
Ivis Suárez Lorenzo, chefe da Unidade de Cessação do Tabaco do Hospital Universitário de Vinalopó (Alicante), explica as semelhanças e diferenças entre o cigarro eletrónico/vaper/e-líquido e o cachimbo de água: “O cigarro eletrónico é composto por um cartucho que contém o e-líquido e um vaporizador que, após aquecimento acionado com aspiração através do bocal, liberta o aerossol ou vapor; enquanto que o funcionamento do cachimbo de água é semelhante ao de uma máquina de aquecer tabaco que, ao ser aspirado através de um tubo ou mangueira, faz com que um pedaço de carvão incandescente colocado em cima aqueça o tabaco, misturado com melaço e aromatizantes, gerando o aerossol que é inalado”. Como destaca a Dr.ª Suárez, “este dispositivo contém níveis muito elevados de monóxido de carbono, proveniente da combustão de carvão, centenas de toxinas conhecidas e dezenas de carcinógenos humanos, como a nicotina”.
Preocupação partilhada pelo médico pneumologista e Diretor Serviço Pneumologia do Hospital de Cascais Vítor Fonseca: “A falta de regulamentação não permite desvendar a verdadeira composição dos diversos líquidos destes dispositivos, o que se revela uma preocupação. Desta composição, sabe-se que os cigarros eletrónicos possuem substâncias como propileno glicol, glicerina e nicotina. Já foram detetados carcinógenos, como aldeídos, carbonatos e metais pesados. É fundamental os mecanismos governamentais equipararem o tabaco aquecido ao tabaco convencional no que diz respeito a odores, sabores e advertências de saúde e proibir a venda de produtos de tabaco aquecido que tenham aromatizantes nos seus componentes devido ao ser risco inflamatório para os brônquios e pulmão”, refere o Dr. Fonseca, concluindo que “é também fundamental instituir políticas de prevenção da saúde respiratória e redução da utilização de qualquer dispositivo com componentes lesivos para o pulmão.”
Em ambos os tipos de dispositivos, a Dr.ª Alonso destaca o carácter nocivo do seu consumo, uma vez que “é inalado um aerossol de pequenas partículas, onde não só encontramos as mesmas substâncias do tabaco convencional, mas também aromas, propileno glicol e glicerina, que “aumentam a irritação” e o “trato pulmonar e respiratório” e que já foi demonstrado ser a causa de pneumonia, bronquiolite e outras doenças respiratórias.
“A quantidade de produtos químicos encontrados nesses dispositivos é incontável, muitos deles iguais aos do tabaco convencional, mas outros novos e igualmente prejudiciais”, afirma. É também muito crítica relativamente à utilização de aromatizantes nestes dispositivos porque “são mais atrativos para a população jovem e não se tem em conta, por exemplo, que a maior parte destes aromatizantes contém diacetil, que tem sido associado à bronquiolite obliterante”. Tudo isto, acrescenta, sem contar outros sintomas mais leves como náuseas, vómitos, diarreia e cansaço.
Especificamente em relação aos cigarros eletrónicos, a Dr.ª Suárez alerta para problemas de curto prazo, como tosse e irritação local, mas lembra que a nova lesão pulmonar associada ao uso desses dispositivos, a Evali, está relacionada com acetato de vitamina E. Além disso, é de salientar que o e-líquido do cartucho “pode conter nicotina, extraída do tabaco com diferentes graus de pureza, propilenoglicol, glicerina vegetal e centenas de aromatizantes, com sabor adocicado, mentol e frutas, que “são os que mais alteram o DNA, assim como outras substâncias, geralmente em baixas concentrações”. “Entre as substâncias que chegam ao trato respiratório estão os acetaldeídos, formaldeídos, acroleína, carbonilas ou mesmo benzenos, já reconhecidos como cancerígenos humanos”, acrescenta.
Sobre os cachimbos de água, a responsável pela Unidade de Cessação Tabágica de Vinalopó alerta que “a dependência da nicotina administrada através do cachimbo de água pode ser muito intensa” e aponta como efeitos agudos do consumo o aumento da frequência respiratória, a redução do fluxo distal em espirometria e do pico de fluxo, ou dispneia, medida na escala de Borg. “Os efeitos a longo prazo ainda não estão claramente estabelecidos, pois é um fenómeno emergente, mas já foi comprovada uma associação com a policitemia, que é uma doença sanguínea rara e grave que faz com que a medula óssea produza demasiadas células sanguíneas a circular na corrente sanguínea, cancro de pulmão ou doença pulmonar obstrutiva crónica”, explica.
A Dr.ª Alonso lembra, por sua vez, que “o uso do cachimbo de água é um sistema de vaping, onde não só entram em linha de conta as substâncias que se consomem, mas também a importância da limpeza dos sistemas e dos bocais que se utilizam.”
Os três especialistas alertam ainda sobre a dependência gerada por estes dispositivos, contendo ou não nicotina. “Ao torná-los mais atrativos para os jovens, podem gerar dependência psicológica e gestual, bem como incentivar o consumo de outras substâncias inaladas, como a cannabis. É uma forma de iniciar o consumo de substâncias psicoativas ilícitas”, afirmam, e reiteram a necessidade de “instituir políticas de prevenção da saúde respiratória e redução da utilização de qualquer dispositivo com componentes lesivos para o pulmão.”