No «100 erros» de hoje falamos-vos de um erro de sintaxe que, atrevemo-nos a dizer, é generalizado: o uso do verbo «tratar-se» seguido da preposição «de». É verdade. Mesmo aqueles que falam e escrevem bem podem já ter errado nesta construção que (admitimos) pode não ser totalmente evidente.
Esperamos, contudo, que depois deste breve artigo fiquem esclarecidos e orgulhem o linguista mais rigoroso.
Vejamos as seguintes frases:
a) «Trata-se de uma obra de Kandinsky».
b) «Trata-se de obras de Kandinsky».
Se ninguém tem dúvidas quanto à correcção da frase a), em relação à frase b) apostamos que há quem lhe torça (erradamente!) o nariz e pense que a opção correcta seria algo como: «Tratam-se de obras de obras de Kandinsky». Nada mais errado. Sem mais delongas, vamos a explicações.
Tendo em conta que se trata de uma conjugação pronominal, com o significado de «dizer respeito a», «estar a falar-se de», o verbo «tratar-se» deve usar-se apenas e exclusivamente na 3.ª pessoa do singular. Isto porque os sujeitos das frases que apresentámos não são, no caso da frase a) «obra de Kandinsky» ou, no caso da frase b), «obras de Kandinsky». Os sujeitos das frases a) e b) são indeterminados.
Quer isto dizer que na acepção que acima referimos, a única opção de uso do verbo «tratar-se de» é na 3.ª pessoa do singular —independentemente do objecto directo se tratar de uma expressão no singular ou no plural.
Obviamente que, quando usamos o verbo tratar com o sentido de «curar-se», — como é o caso da frase c) — ou «relacionar-se» — frase b) —, aí podemos e devemos fazer concordar o verbo com o sujeito e, claro, usar o plural quando necessário.
Vejamos os exemplos:
c) «Eles tratam-se numa conceituada clínica.»
d) «Elas tratam-se com cordialidade.»
Dúvidas dissolvidas? Esperamos que sim — e que este e muitos outros casos deixem de se tratar de casos bicudos no uso da língua portuguesa.
Elsa Alves
(texto escrito de acordo com a antiga ortografia)
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