Por: Vera de Melo, Psicóloga Clínica
Setembro é um mês de recomeços e de regressos. É altura de regressar à rotina, para uns o trabalho, para outros a escola.
No entanto, este ano, este regresso é pautado por incerteza e ansiedade, a causa, a covid-19.
A vida seguia o seu percurso natural. Mas, de repente, tudo mudou. Novas rotinas instalaram-se. Sem escolas, creches, sem contactos com os colegas, sem passeios, instituíram-se muitas mudanças e adaptações. As crianças, os heróis deste novo mundo, também não lhe ficaram indiferentes. Num curto espaço de tempo, adaptaram-se a uma nova realidade, a uma nova escola, a novos professores, os pais, a pais a trabalharem em casa, à ausência dos avós, a uma constante alteração de rotinas. Viram verdadeiros milagres, pão a ser feito em casa, salas transformadas em escritórios, as suas rotinas diárias alteraram radicalmente.
A saudade do mundo de antes, do contato físico acompanhado de beijos e abraços passou a fazer parte das suas vidas. A vontade de estar com os amigos, de brincar essa foi aumentando de dia para dia.
Agora com a possibilidade de regresso, são muitos os sentimentos e emoções que pequenos e graúdos experienciam. Para que este regresso seja um verdadeiro recomeço e seja vivido com tranquilidade deixo-lhe a receita de sucesso, que sugiro que ajuste a gosto, conforme a sua realidade.
500g de tranquilidade– As crianças têm necessidade de compreender o que se está a passar à sua volta e a forma mais fácil de perceber é estar atentas, como “verdadeiras antenas parabólicas”, à “frequência pais”. Se a “frequência” evidenciar tranquilidade, tudo decorrerá de forma calma e tranquila e rapidamente as crianças de adaptarão à realidade. Não seja um empecilho ao desenvolvimento da criança. Não hipervalorize as situações e não crie cenários catastróficos. Com calma e tranquilidade avalie a realidade. Lembre-se podemos prevenir, antecipar, mas é impossível controlar a realidade.
450 g de autonomia– Não caia na armadilha da superproteção. Promova a autonomia e aceite que é inevitável, com segurança a criança retomar as suas rotinas. Haverá por certo, maior medo, da sua parte, do que propriamente das crianças. Pense nisso!
400 g de comunicação– Com calma e tranquilidade e numa linguagem adequada a cada faixa etária explique os cuidados a ter e as regras a adotar. Não crie uma lista de cuidados, pois será difícil as crianças cumprirem tudo na sua totalidade, pelo que o mais acertado é explicar a dimensão do problema e deixar que por si elas encontrem estratégias para com ele lidar. Lembre-se não vai estar sempre lá.
350g de empatia-Todas as mudanças são geradoras de ansiedade. Ainda que a criança vá para o mesmo ambiente escolar este ano é totalmente diferente. A melhor forma de lidar com esta ansiedade é conversando, ouvindo os seus medos e receios. Não os considere “tolos ou sem razão de ser”, dado que para ela têm muita importância. Tente em conjunto com a criança analisá-los e encontrar possíveis soluções. Seja empático, coloque-se no lugar da criança e ajude-a a encontrar formas de lidar com a ansiedade.
300g de disponibilidade– Seja disponível, pois o que as crianças necessitam primeiramente é de ter os pais na sua vida, de forma presente e disponível, dado que precisam da segurança que os pais transmitem, bem como do seu amor, afeto e interesse de forma contínua. As crianças manifestam através do brincar os seus medos e ansiedades. Esteja atento às emoções, será mais fácil ajudá-los a enfrentar a realidade deste novo mundo. Estimule a sua criatividade, autonomia e responsabilidade.
250 g de rotinas– Os últimos meses foram pautados por rotinas diferentes pelo que é importante, que em família seja feita uma “pré-época” de retorno a algumas rotinas e que marque de forma suave o fim deste tempo. Combinem-nas de forma clara e objetiva definindo consequências para o seu não cumprimento. Tenha especial atenção os horários de acordar e adormecer, bem como os das refeições. Nos últimos tempos, a hora de adormecer e acordar ficaram, em regra, adiados para horários mais tardios e tendo em conta que esta “reprogramação” dos ciclos de sono não se faz de forma imediata, é conveniente que na semana antes do início das aulas comece a adaptar gradualmente aos novos horários O mesmo é válido para os horários das refeições.
250 g de bom senso- Paira uma nova ansiedade no ar. Instalou-se a estranheza com o “novo normal”, as preocupações com contágio, limpeza e prevenção. Não faça disso o seu lema de vida. Não faça verdadeiras corridas para comprar máscaras e desinfetantes, pois vão passar uma ideia de descontrolo e gerar ainda mais ansiedade. Paralelamente ainda não está claro os materiais que fruto desta nova realidade as crianças vão necessitar pelo que pode ser precipitado ir a correr comprar. Espere de forma serena as indicações da escola. Não queira planear tudo, pois se há algo que a pandemia nos ensinou é que não adianta fazer muitos planos, pois como dizia Heráclito, nada é permanente salvo a mudança.
250 g de memórias positivas– Nos últimos dias e para evitar alguma ansiedade converse de forma informal sobre coisas engraçadas e positivas que tenham acontecido na escola. Valorize as aprendizagens da criança e reforce que no próximo ano aprenderá ainda mais coisas que provavelmente gostará e que acontecerão provavelmente situações únicas e mágicas.
250 g de diversão- Sem dúvida que o regresso dos mais pequenos às aulas é um marco para toda a família pelos inúmeros desafios que naturalmente acarreta. A situação de que estamos a viver é uma situação nova, única, para a qual nenhum de nós estava preparado. Pelo que logo de antemão nenhum de nós, em si mesmo, sabe como com ela há-de lidar e como a gerir. O importante é não dramatizar e o foco ser na solução e não nos problemas. Não há danos irreparáveis e na vida não há nada que seja para sempre. Encare com entusiamo este regresso e descomplique… lembre-se o entusiasmo contagia! Prepare este momento a cada minuto, de uma forma divertida e única. Envolva a criança atribuindo-lhe responsabilidades e privilégios e divirtam-se. Registem os momentos com fotos, para mais tarde recordarem.
Por fim misture tudo, bata suavemente e junte uma pitada de confiança, fará a diferença, para si e para a criança. A confiança em si, pois aceita que que não sabe tudo, não tem todas as respostas, vai ter dúvidas, mas dará sempre o seu melhor. Confiança na criança pois acredita que terá os recursos para, à “sua maneira” enfrentar mais um desafio.
Juntos, farão a diferença!