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Entrevista: «A dermatologia identifica os alvos para a prevenção do envelhecimento», Ana Rita Travassos, dermatologista

São muitas as dúvidas que rodeiam a dermatologia enquanto ferramenta na prevenção do envelhecimento. Importa esclarecer de modo a se conseguir um processo de envelhecimento maus saudável.

6 Março 2024
Sandra M. Pinto

A dermatologia é a especialidade cuja área de conhecimento se concentra no diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças e afeções relacionadas com a pele, mucosas, cabelo e unhas. «É também especialidade indicada para atuação em procedimentos médicos estéticos, cirúrgicos, oncológicos», como explica em entrevista à Forever Young, Ana Rita Travassos, dermatologista no Hospital CUF Descobertas. 

Mitos e algumas ideias incorretas ainda pairam na cabeça de muita gente ao tentar perceber de que forma a dermatologia pode ajudar a ter um envelhecimento mais tranquilo. De facto, e como explica Ana Rita Travassos, «a dermatologia e os dermatologistas estiveram sempre na linha da frente para o estudo e aplicação de novos tratamentos e uso de dispositivos médicos/aparelhos».

De que forma trabalha a dermatologia com a medicina estética?
A procura da melhoria do aspeto, prevenção e correção dos sinais do envelhecimento, tem uma história longa, sendo a história da beleza tão antiga quanto a própria humanidade – ao longo dos tempos as pessoas têm tentado melhorar a sua atratividade e realçar a sua beleza. Os antigos egípcios já usavam óleos animais, sal, alabastro e leite fermentado para melhorar esteticamente a pele. E embora filósofos como Platão ou Imanuel Kant tenham tentado definir o termo “beleza”, uma definição universalmente válida permanece indefinida.
A dermatologia e os dermatologistas estiveram sempre na linha da frente para o estudo e aplicação de novos tratamentos, uso de dispositivos médicos/aparelhos, especialmente como experts no uso de lasers (cuja experiência é muito ampla, pois vai desde o uso em patologia até ao seu uso para fins estéticos). Também na utilização de peelings foram pioneiros e no uso de injetáveis estiveram na linha da frente, com uso desde o início, da toxina botulínica, ácido hialurónico e outros produtos de preenchimento, assim como na realização de procedimentos estéticos minimamente invasivos (delegando os procedimentos cirúrgicos invasivos para a cirurgia plástica).
O que se passa atualmente é que com a procura crescente do mercado da estética, tem havido uma procura da parte de profissionais de outras áreas na diferenciação nesta área, e daí hoje falar-se tanto na medicina estética. Para breve, a validação da competência destes profissionais será a regra, mas por enquanto assistimos ainda a intrusismo nesta área, com consequências nefastas principalmente para quem recorre a estes serviços.

Podem os medicamentos funcionar como tratamento estético?
Alguns produtos usados em determinados procedimentos estéticos são considerados medicamentos, como é o caso da toxina botulínica, que é usada não só para fins estéticos, mas também para finalidades médicas (como correção de paresias faciais, distonias, tratamento de hiperhidrose). Outros produtos são considerados dispositivos médicos, como o ácido hialurónico injetável. Nesse sentido temos medicamentos que podem funcionar como tratamentos estéticos.

Mas os cremes hidratantes têm o mesmo efeito da toxina botulínica?
Não podemos esperar que os cremes hidratantes tenham o efeito neuromodulador da toxina botulínica. A toxina botulínica promove a redução da força de contração muscular temporariamente, através de um mecanismo que inibe a libertação do neurotransmissor (a acetilcolina) na placa motora. Ou seja, reduz a contração muscular (ou em certos territórios bloqueia quase completamente), reduzindo a formação das chamadas rugas de expressão, geralmente mais nítidas no andar superior da face, ou seja, entre sobrancelhas, à volta dos olhos, e na testa. Este processo retarda também a passagem destas rugas de expressão a rugas permanentes, que estão presentes em repouso. Além disto a toxina botulínica aplicada de acordo com determinadas técnicas, nomeadamente o chamado “mesobotox”, que consiste na aplicação mais superficial e mais diluída da toxina botulínica em toda a face, permite obter uma pele mais lisa e brilhante, pois são também inibidas, além das fibras musculares superficiais, as glândulas sudoríparas e sebáceas. Contudo, os cremes são um complemento de qualquer tratamento estético, mesmo da toxina botulínica.

O que é a massagem modeladora? Funciona?
A massagem modeladora é uma técnica que utiliza movimentos manuais intensos e profundos, com o objetivo de reorganizar as camadas de gordura, promover a drenagem de líquidos e estimular a circulação sanguínea. Pode desta forma auxiliar na redução de medidas, apesar das suas limitações, contribuindo para a melhora da autoestima e da qualidade de vida.
Contudo há que ter a noção de que a massagem não elimina gordura, não se esperando deste procedimento o resultado de uma cirurgia, como é o caso da lipoaspiração ou da lipoescultura. De ressalvar que após procedimentos cirúrgicos de contorno corporal, a massagem tem um papel importante na recuperação, permitindo alcançar melhores resultados e com uma recuperação mais rápida.

Qual o contributo da dermatologia para o bom envelhecimento?
Na minha opinião, a dermatologia abarca o conhecimento sobre a pele, como mais nenhuma especialidade consegue fazer. A dermatologia é a especialidade que se dedica ao estudo da pele, no seu estado normal ou patológico, sendo o dermatologista o especialista que consegue identificar as doenças ou distúrbios da pele, mesmo aqueles mais raros que até podem condicionar um envelhecimento acelerado. O dermatologista identifica as alterações/distúrbios da pele, sendo capaz de relacioná-los com condições sistémicas, potencialmente passíveis de tratamento/correção.
A dermatologia também se tem dedicado ao estudo das alterações fisiológicas associadas ao envelhecimento intrínseco, aquele que não controlamos e que foi pré-determinado geneticamente, e também dos fatores que condicionam o envelhecimento extrínseco e que, portanto, aceleram este processo.
Assim sendo, a dermatologia fornece o conhecimento para identificar os potenciais alvos para prevenção do envelhecimento, e o desenvolvimento dos meios para garantir que este ocorre da forma mais saudável, recorrendo a tratamentos tópicos, procedimentos minimamente invasivos, como utilização de aparelhos como lasers, tratamentos com injecáveis (toxina botulínica, ácido hialurónico, bioestimuladores), peelings, entre outros.

É verdade que a pele do rosto começa a envelhecer aos 25 anos?
Eu diria que o processo de envelhecimento, ou seja, maturação da pele se inicia ainda mais precocemente. Sabemos que a concentração de colagénio na pele começa a decrescer 1%/ano a partir dos 18-20 anos e que a concentração de ácido hialurónico na pele inicia a sua rampa descendente ainda mais cedo. Todas as alterações da pele, não só destes elementos fundamentais da matriz, como o processo de remodeling dos tecidos, acontecem muito lentamente e progressivamente. Pode parecer um pouco polémico, mas no fundo a maturação dos tecidos, que culmina no aspeto do jovem adulto, vai continua e lentamente passar para um processo de senescência/envelhecimento em que a renovação celular não é tão eficaz, perde-se gordura na face, espessura, firmeza, elasticidade e resistência da pele, acompanhado do processo de reabsorção e redução da própria massa óssea.

Mas é o uso de produtos antienvelhecimento irrelevante em idades mais jovens?
Eu diria que há um produto envelhecimento que se pode recomendar desde cedo, que é o protetor solar. Ao criarmos este bom hábito nos jovens, mesmo antes da idade adulta, estamos a prevenir não só o envelhecimento como o cancro de pele. Os jovens estão muito tempo ao ar livre durante todo o ano, muitos têm atividades desportivas outdoor, nem sempre nos horários mais recomendados, e deveríamos trabalhar mais na adesão ao uso de protetor solar.

Assim sendo, a partir de que idade se devem usar?
Eu diria que protetor solar, desde sempre. Outros produtos dermocosméticos considerados preventivos do envelhecimento, como a vitamina C ou outros antioxidantes, como a niacinamida ou a vitamina E, podem ser usados desde os 18 anos. Relativamente a outros produtos, como retinoides, ácido glicólico, que são considerados também muito úteis na prevenção do envelhecimento, nomeadamente por promoverem a produção de colagénio, poderão ser usados relativamente cedo, no caso de acne ou outras condições cutâneas.
Mas a escolha dos produtos deverá ser criteriosa, nem todas as pessoas podem aplicar retinoides ou alfa-hidroxiacidos, e a escolha da combinação certa de produtos para cada indivíduo deverá ser realizada com apoio do dermatologista.

Há quem diga que os cremes anti idade somente podem ser usados após os 30 anos…
Como disse, até podem ser usados mais cedo. Contudo há que saber quais os produtos mais adequados a cada pele, pois há várias variáveis que podem condicionar o sucesso da escolha. Há peles que são sensíveis e não podem usar produtos mais irritativos, como retinoides, alfa hidroxiacidos e até algumas formulações de vitamina C. Quando as peles são mais jovens têm tendência para “oleosidade” e alguns produtos mal escolhidos podem provocar acne. Pelo que, idealmente, a escolha da combinação de produtos deve ser realizada com o acompanhamento do seu dermatologista.

Que cuidados devem as mulheres ter depois dos 50 anos?
Após os 50 anos, geralmente estamos a falar de um período peri-menopausa, em que todo o organismo, e a pele não é exceção, sofrem alterações mais abruptas. Há uma aceleração da queda do colagénio, a pele tem tendência para ficar rapidamente mais flácida, com menos elasticidade e tónus. A instalação das rugas acelera. Por isso, nesta faixa etária, há que redobrar cuidados. Nos cuidados dermocosméticos, além de não descurar a proteção solar, o uso de antioxidantes de manhã e também podem ser associados à rotina, se forem tolerados, como retinoides, alfa-hidroxiacidos, péptidos, e reforçar o uso produtos com galénicas mais ricas e com maior capacidade de hidratação.
Além disso, poderá optar por associar aos cuidados da pele procedimentos estéticos, mais ou menos invasivos, de acordo com a sua preferência.

E os homens?
Os homens também devem ter estes cuidados, apesar de não terem esta aceleração do envelhecimento tão evidente nesta fase. A queda do colagénio começa mais tarde e não é tão abrupta, geralmente têm peles mais oleosas, com manutenção da espessura e firmeza até mais tarde. Geralmente toleram melhor certos produtos, como os retinoides e alfahidroxiacidos, e precisam de produtos com galénicas mais leves (como séruns).

O protetor solar deve ser usado todos os dias?
Sem dúvida. Essa é uma das recomendações que os dermatologistas dão aos seus pacientes desde cedo, pois tem duas finalidades: a prevenção do cancro de pele e do fotoenvelhecimento. Sabemos que o principal fator que acelera o processo de envelhecimento extrínseco é a agressão da radiação ultravioleta, pelo que o uso do protetor solar torna-o fundamental se pretende retardar este processo.

Noites bem dormidas ajudam a ter uma pele mais bonita?
Uma boa higiene de sono é saudável para o nosso organismo num todo, e a pele não é exceção. A curto prazo, sabemos que a privação de sono se reflete no aspecto da pele. Vários estudos realizados demostraram que a privação aguda de sono se reflete numa pele mais seca, menos elástica, poros mais evidentes, descamação, textura mais irregular, menor luminosidade, olheiras e rugas finas mais evidentes. Estas alterações parecem estar associadas a menor hidratação, evidente numa pele seca, descamativa e com rugas finas, estagnação do fluxo sanguíneo (olheiras) e aumento da inflamação.

Por outro lado, a longo prazo, sabe-se que a regulação intacta do sono e do ritmo circadiário tem efeitos protetores contra a inflamação sistémica, stress oxidativo, desregulação hormonal, danificação do DNA e outras variáveis que contribuem para o envelhecimento.

A alimentação interfere na saúde da pele?
Sim. Uma alimentação equilibrada é fundamental para garantir o aporte necessário de nutrientes, nomeadamente proteínas, vitaminas, minerais, que são fundamentais para a renovação celular, produção de colagénio, entre outros processos fundamentais para a regeneração da pele.

Quanto mais esfoliar a pele ela fica melhor?
Não concordo. A esfoliação é o processo de remoção de células mortas da camada externa da pele. Embora algumas pessoas acreditem que isso melhora a aparência da pele, não é para todos. Se não for feito corretamente, poderá ser mais prejudicial que benéfica, podendo irritar a pele, promovendo vermelhidão ou mesmo agravamento de certas condições da pele, como a acne.
Se decidir esfoliar, é importante fazê-lo com segurança, para que não danifique a pele ou irrite a pele. Não só o tipo de esfoliante deve ser escolhido em função da sensibilidade da pele, como a frequência com que faz a esfoliação.

Os cremes antienvelhecimento mais caros têm mais efeitos que os outros?
Esse é outro mito. Muitos dos produtos de gamas “antiaging” de valor comercial mais elevado, são produtos que vendem não só o conteúdo, como a embalagem e a imagem de luxo que o marketing associa à sua utilização. Geralmente são produtos vendidos em perfumaria.
Mas para que os produtos utilizados sejam realmente eficazes é necessário que sejam ajustados à necessidade da pele de cada indivíduo, pelo que a escolha correta, que inclua produtos de qualidade, geralmente vendidos em farmácia, com preços mais acessíveis, pode ser superior ao das gamas mais dispendiosas. Para realizar a escolha certas dos produtos e evitar efeitos adversos de escolhas inadequadas, deve pedir aconselhamento ao seu dermatologista.

 

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