O CNS | Campus Neurológico realizou no passado dia 13 de abril, o 6ª Congresso CNS. Dedicado ao tema “Saúde e Envelhecimento: Desafios da próxima década”, o eventos contou com a presença de profissionais de saúde e investigadores na área das neurociências, promovendo uma discussão aberta sobre os atuais temas de interesse. No âmbito do congresso estivemos à conversa com Joaquim Ferreira, neurologista e Diretor Clínico do CNS – Campus Neurológico.
Especialistas na área da saúde, economia, sociologia e política, balizaram dois grandes temas: o que se prevê para Portugal em 2030-40 e como impedir ou atrasar o aparecimento de doenças associadas ao envelhecimento.
A partir de que idade podemos considerar que somos “velhos”?
Uma das mensagens chave deste Congresso foi o reconhecimento da inadequação de uma definição de idade que marque o início da “velhice”. A definição de “velho” é subjetiva e varia culturalmente, além de ter mudado ao longo do tempo. Apesar desta limitação foi reconhecido que terá sempre
de haver um valor que, por exemplo, regule os benefícios sociais associados ao momento da reforma. E este valor varia entre os 60 e os 70 anos em países do mundo.
Que fatores levam ao envelhecimento do ser humano?
O envelhecimento humano é um processo complexo influenciado por uma combinação de fatores genéticos, ambientais e comportamentais. É assim um processo biológico dependente de fatores inalteráveis e outros que podemos influenciar com o nosso comportamento.
De que forma devemos encarar esse processo chamado envelhecer?
Idealmente deveríamos encarar numa perspetiva positiva de procura de manter uma vida saudável em todas as fases da vida. Contudo, sabemos não ser fácil adotar esta atitude positiva e “saudável”.
O envelhecimento está obrigatoriamente relacionado com o aparecimento de doenças?
Infelizmente não é possível, ainda, prevenir ou atrasar o aparecimento de doenças para as quais o fator de risco principal seja a idade.
Quais as doenças mais associadas ao envelhecimento?
O envelhecimento está associado a um aumento da prevalência de várias doenças, nomeadamente, doenças cardiovasculares, doenças osteoarticulares, doenças neurodegenerativas (doença de Alzheimer, doença de Parkinson), diabetes tipo 2, doenças oncológicas, entre outras.
Podem essas doenças tender a aparecer em “pacote”?
De facto, a coexistência de algumas destas doenças, designado por comorbilidades, é um problema que tem ganho enorme relevância. Tem sido possível reconhecer que alguns problemas de saúde podem também ser um fator de risco para o aparecimento de outras doenças. Uma das associações que tem ganho maior relevância é o reconhecimento de que os fatores de risco vasculares são um risco adicional para o aparecimento ou agravamento de doenças neurodegenerativas.
Pode parecer que sim, mas será que estas doenças aparecem repentinamente?
Algumas das doenças associadas ao envelhecimento aparecem de forma aguda. São disso exemplo os acidentes vasculares cerebrais e o enfarte do miocárdio. Contudo, nestes casos, o envelhecimento não é a causa direta da sua ocorrência, mas apenas um fator que condiciona o aparecimento ou agravamento de outras doenças que depois constituem fatores de risco para estes eventos, nomeadamente a hipertensão e a diabetes.
Podemos dizer que prevenção das doenças é uma componente fundamental do envelhecimento saudável?
Sim, definitivamente. Existem aspetos que podem ser modificáveis e contribuírem para reduzir o risco de desenvolver várias doenças associadas ao envelhecimento.
Que fatores devem ser levados em linha de conta por parte das pessoas de modo a evitar ou retardar o aparecimento dessas enfermidades?
Há problemas de saúde importantes que devem ser tratados ou controlados, nomeadamente a diminuição auditiva, a obesidade, a hipertensão, a diabetes e a depressão.
Que medidas, políticas e práticas contribuem para um envelhecimento saudável?
É hoje consensual que entre os fatores que contribuem para uma vida saudável incluem-se uma alimentação saudável, a prática de atividade física regular, o controlo do peso, o evitar o tabaco e o consumo excessivo de álcool, a socialização e o manter uma boa qualidade do sono.
A satisfação pessoal é importante para um envelhecimento saudável?
A satisfação pessoal será pelo menos um fator importante para a melhoria do humor e do bem-estar e consequentemente para a implementação e manutenção de hábitos de vida saudáveis.
E a solidão, pode ela agravar?
A solidão, pelo menos como um sinal de menor interação social, é um reconhecido fator de risco para o agravamento dos problemas associados ao envelhecimento, nomeadamente o declínio cognitivo. É assim importante que sejam cultivadas as relações pessoais e sociais significativas, os relacionamentos com amigos e familiares, a participação em atividades sociais e comunitárias e todas as situações que funcionem como um estímulo cognitivo variado.
As estratégias pré-clínicas e clínicas têm demonstrado atrasar o envelhecimento? Se sim quais?
São vários os estudos, em modelos pré-clínicos, que demonstram ser possível rejuvenescer células e tecidos. A dificuldade está em transpor essas potenciais intervenções (ex. restrição calórica, atividade física, antidiabéticos) para os humanos saudáveis e com doenças.
Qual o papel dos fármacos nesse retardar?
No momento presente, os medicamentos têm apenas um papel no tratamento de doenças associadas ao envelhecimento como sejam a diabetes, a hipertensão e outros fatores de risco vasculares.
Na sua opinião, os atuais cuidados de saúde são sustentáveis?
Apenas pelo envelhecimento da população é expectável um aumento significativo da prevalência dos problemas de saúde associados à idade. Este aumento vai obrigar a um repensar do modelo de prestação de cuidados, nomeadamente com a passagem de cuidados dos hospitais para os cuidados de saúde primários e comunidade e inclusão de outros profissionais de saúde para além dos médicos e enfermeiros.
De que forma deveria o dinheiro público ser investido no aumento da vida saudável com vista ao abrandamento do envelhecimento?
Durante o Congresso foram sugeridas várias medidas prioritárias, desde a ajuda ao planeamento antecipado da reforma, investimento na literacia em saúde, estímulo a uma melhor partilha inter-geracional e integração das políticas de várias áreas de ação.
Que papel podem desempenhar os médicos, enfermeiro e farmacêutico neste processo?
Uma das conclusões da reflexão tida foi que mais importante do que o papel a ser desempenhado pelos médicos, enfermeiros e farmacêuticos, é a importância do papel a ser desempenhado por todos os outros profissionais de saúde (psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, etc.) e por outras classes profissionais que seguramente devem também ser chamadas a intervir, nomeadamente professores, comunicação, sociólogos, engenheiros biomédicos, etc.