O editor discográfico Emílio Mateus, 101 anos, fundador da etiqueta Estúdio, na qual gravou nomes como Alfredo Marceneiro, Fernando Maurício e Beatriz da Conceição, morreu hoje, em Lisboa, disse à agência Lusa um dos seus filhos.
Empresário na área do turismo, Emílio Mateus iniciou-se na aventura discográfica em 1966, por desafio da etiqueta norte-americana Monitor, que pretendia editar álbuns de música portuguesa.
“Eu não percebia nada de gravar discos”, disse o editor em entrevista à agência Lusa sobre a história do fado e o papel da sua editora na internacionalização deste género musical.
A Estúdio firmou-se como uma das editoras líder do mercado nacional nas décadas de 1960 e 1970, tendo gravado os mais díspares artistas portugueses, do rock à música ligeira, passando por cantautores, tendo sido o fado e o folclore segmentos fortes do seu repertório.
Da lista de artistas que gravou, constam alguns dos principais nomes da cena musical portuguesa, do fado, da revista ou da música ligeira, como Maria da Fé, Ada de Castro, Tony de Matos, Manuel Fernandes, Maria José da Guia, Celeste Rodrigues, Lina Maria Alves, Rui de Mascarenhas e Carlos Ramos.
Editou igualmente a angolana Lilly Tchiumba, que trouxe testemunho da música do seu país (“Lilly Tchiumba canta Angola”) e de “Mornas e Coladeras” de Cabo Verde, num gesto pioneiro, e abriu portas aos chamados baladeiros, no final da década de 1960, como Daniel, que em 1970 gravou “Se eu tivesse um chicote”, entre outros êxitos, uma letra plena de ironia e crítica à repressão da ditadura.
Io Appolloni e estrangeiros como Hazel Scott e o Tony Jackson Group também gravaram para a Estúdio.
Os dez exemplares restantes do disco “Se eu tivesse um chicote”, uma composição de Daniel sobre poema de Fernando Miguel Bernardes, acabaram por ser apreendidos pela PIDE, a polícia política da ditadura Estado Novo, exatamente na véspera do 25 de Abril de 1974, como o editor contou à Lusa. O disco seria reeditado mais tarde, após a Revolução, com outra canção do músico, “Para os meninos da guerra”, também banida pela censura.
Daniel, autor do “Hino a Joan Baez”, que foi colaborador da secção juvenil do antigo Diário de Lisboa (mais tarde viria a revelar-se na literatura infantil sob o seu nome, Daniel Marques Ferreira, com títulos como “O diário de Abel” e “A semente mágica”), era também artista gráfico, tendo assinado diversas capas dos discos editados pela Estúdio.
“Tony de Matos era o artista da Estúdio que mais vendia e conseguiu um Disco de Ouro com a canção ‘O Destino Marca Hora’”, recordou o editor à Lusa.
Emílio Mateus afirmou que “um dos trunfos para o sucesso” da discográfica foi ter um estúdio de gravação próprio, os estúdios Polysom, em Lisboa, deixando assim de depender de outros espaços, como a ex-Emissora Nacional e o Teatro Taborda, na Costa do Castelo, em Lisboa. O estúdio chegou a ser dirigido pelo poeta José Luís Gordo.
Natural de Portimão, Emílio Mateus foi casado com a fadista Saudade dos Santos (1939-2015).
As exéquias do editor discográfico Emílio Mateus realizam-se na próxima terça-feira na Basílica da Estrela, em Lisboa, saindo o funeral, às 13:00, para o cemitério do Alto de São João, onde se realiza a cerimónia de cremação.
NL // MAG
Lusa/Fim