Caixotes de lixo, capacetes, vários tipos de mangueiras e tubos, para-choques, separadores de estrada, pneus e redes de pesca. Lixo que dá forma a um panda, de pernas para o ar, de 6,5 metros de altura, erguido pelo artista português Bordalo II na histórica fábrica de panchões Iec Long, avança a Lusa.
A mensagem do autor deste panda gigante é conhecida. Também a ideia desta “primeira peça” em Macau da série “Big Trash Animals” – em que são produzidos animais com resíduos – é “utilizar a poluição, a contaminação ou o próprio lixo, plástico na maioria, para fazer imagens das vítimas”, disse o artista num encontro com jornalistas.
“Quando fazemos a representação dos animais com aquilo que os destrói, com aquilo que destrói a natureza, acho que vai além de ser uma preocupação ambiental, deve ser também uma preocupação com nós mesmos, porque somos animais também, portanto, provavelmente aquilo que destrói a natureza, animais e seus habitats, vai-nos destruir também”, completou.
E o animal de plástico “encaixa perfeitamente” no espaço selecionado. “É muito importante que uma estrutura como esta tenha espaço para respirar, e neste sítio tem”, disse, ao falar sobre as antigas ruínas da fábrica Iec Long, recuperadas recentemente e com “árvores loucas” centenárias.
Além disso, estar ao ar livre também tem um lado positivo, porque o espaço público é “o sitio onde se consegue comunicar arte com mais pessoas”.
Questionado por uma artista presente sobre como sobrevive uma obra destas a condições meteorológicas adversas – ainda mais numa cidade afetada por tempestades tropicais – Bordalo II notou que este trabalho teve a intervenção e os cálculos de um engenheiro, ou seja, “não se mexe, não se vai estragar e não é uma coisa perigosa”.
Bordalo II, nome artístico de Artur Bordalo, foi um dos artistas convidados para a exposição anual do “Encontro em Macau – Festival de Artes e Cultura entre a China e os Países de Língua Portuguesa”, na quinta edição.
Além do panda gigante, estão expostas quatro outras obras que seguem o mesmo conceito: três quadros – um panda, um lince e um pangolim – na galeria de exposições das Casas da Taipa, e um mural com dois colhereiros-de-cara-preta, nos antigos estaleiros navais de Lai Chi Vun, estrutura também recuperada recentemente.
Aos jornalistas, o artista sublinhou a dificuldade em encontrar localmente matéria para completar o panda gigante, pelo que apenas parte do lixo utilizado na obra foi recolhido pela equipa em Macau. Cerca de 30% da escultura veio preparada de Portugal.
“Não entendi exatamente como funciona o sistema de reciclagem cá, ou se é tudo queimado, ou se existe ou não. Percebermos só que era difícil. Geralmente quando é difícil é porque a organização não é boa, porque quando é boa, é fácil ir a um sítio e saber onde é que estão as coisas”, declarou.
E o acesso aos materiais não foi o único imprevisto, já que era suposto que o panda estivesse de patas assentes no chão: “A produção aqui no local tornou-se tão difícil, com uma série de problemas, que foi a forma que encontrámos para ser mais fácil reconstruir a peça”.
Sendo o jovem artista também conhecido pelo ativismo social e político, Bordalo II referiu que não houve “tempo suficiente para pensar numa coisa pertinente do momento para fazer um ‘provoc'” em Macau.
“Aproveito o facto de ter peças que são aceites e mais facilmente aceites pelas pessoas, para ter outras séries de trabalho mais corrosivas, mais críticas, mais provocadoras”, disse ainda sobre o trabalho que desenvolve.
“Há outras questões que se estão a passar no mundo que são muito fortes neste momento e temos estado a preparar peças para falar sobre isso – Gaza, obviamente”, explicou.
Recentemente, o artista pintou a bandeira da Palestina numa escadaria de uma estação de comboios de Lisboa, num trabalho batizado de “Guilty steps”.
“Já fizemos mais duas [peças] entretanto e temos três em produção agora para a época natalícia, em que toda a gente está feliz e em harmonia, mas as coisas não são assim tão simples”, rematou.