O que aconteceu nessas duas maiores colónias portuguesas que impulsionou a sua saída? Que promessas fizeram os decisores militares e políticos do pós-25 de Abril e quais ficaram por cumprir? Que diplomas de expropriação e cerceamento de direitos vigentes foram criados? Que retrato socioeconómico de Angola traçou o então ministro da Economia, Vasco Vieira de Almeida? O que foi feito para que pudessem salvar parte das poupanças? Como se processou a fuga até aos pontos de embarque? Como se vivia no campo de refugiados de Nova Lisboa, equiparado a um campo nazi por um capitão do MFA? Como foi a epopeia dos aportados a Portugal em traineiras e dos que se acolheram na África do Sul? O que fizeram as autoridades pelos portugueses que estavam nas prisões dos Movimentos armados? E se não houve uma guerra civil em Moçambique antes da independência, por que partiram quase todos os portugueses?
O que foi negociado nas reuniões secretas entre Melo Antunes e a delegação da Frelimo na capital da Tanzânia, antes do Acordo de Lusaca? O que aconteceu em Lourenço Marques no dia 7 de Setembro de 1974 e no massacre de brancos em 21 de Outubro? Que legislação emitiu o Governo de Transição e o Alto-Comissário, Vítor Crespo? E o que se passava nos campos de reeducação da Frelimo, para onde tantos portugueses foram levados?
Distanciado da versão oficial – de ter sido uma descolonização exemplar, politicamente bem‑intencionada e historicamente inevitável – o livro está, por isso, mais próximo da visão crítica de conceituados autores ocidentais que a descrevem como caótica, desordenada e de prolongada violência, constituindo um momento traumático para quem estava em retirada. A descolonização gerou transições turbulentas, guerras civis sangrentas e a instauração de regimes totalitários nas duas ex‑colonias portuguesas, que motivaram o êxodo das populações, radicadas e autóctones. Talvez por isso, em 1984, a opinião pública nacional tinha já uma ideia desencantada e até mesmo negativa do processo, alegando que as independências africanas tinham sido concedidas sem se defender os direitos dos portugueses lá radicados. Esta ideia foi tida por errónea, esperando-se que se apagasse da memória colectiva. O que não aconteceu. Porque não foi um processo desejado, pacífico e bem-sucedido para quem deixou Angola e Moçambique à pressa, fugindo ao ódio e ao revanchismo. A violência física e psicológica (sofrida ou observada) e o colapso dos sistemas (de saúde, ensino, justiça, segurança e administrativo) ditaram a partida, não obstante as perdas materiais e emocionais que implicava. Perderam lugares de pertença, o estatuto socioeconómico e o património adquirido e sofreram danos (morais e/ou físicos) antes e durante o êxodo. Foram (como disse Costa Pinto) «os grandes perdedores» da descolonização e, por isso, a sua voz não foi ouvida.
Alexandra Marques (1968) foi jornalista de política nacional e europeia de 1991 a 2014. É doutorada em História Contemporânea pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e autora da obra Segredos da Descolonização de Angola, editada pela Dom Quixote em 2013.