Não é das nacionalidades com mais restaurantes em Portugal, apesar de alguns honrosos representantes, mas é uma das mais surpreendentes do ponto de vista gastronómico, não apenas pela originalidade, mas também pela enorme variedade e qualidade de ingredientes, presentes também na cozinha portuguesa.
A cozinha russa recorre com frequência a ingredientes frescos como a carne, o peixe e os vegetais, mas também a hidratos de carbono processados como as massas, e mistura de forma harmoniosa o melhor das cozinhas ocidental e oriental. É uma gastronomia simples e despretensiosa, mas muito saborosa e até saudável. Os pratos mais típicos variam de acordo com a pluralidade regional e étnica do país e agregam ainda a gastronomia original das antigas repúblicas soviéticas.
Por ser a gastronomia de um país gelado, a cozinha russa é composta por refeições quentes, para fornecer energia e calor durante os invernos. É por isso que é dado maior relevo aos hidratos de carbono e às gorduras do que à proteína. Os vegetais, por exemplo, são hidratos amplamente utilizados, quase sempre cozinhados.
Descubra alguns dos pratos típicos da Rússia, para saber o que lhe espera se algum dia for a Moscovo ou, simplesmente, a um restaurante russo.
Borscht
O borscht é uma sopa originária da Ucrânia, mas muito consumida na Rússia, confecionada com beterraba como base, o que lhe dá uma forte coloração vermelha. Outros ingredientes frequentemente adicionados a esta sopa são tomate, repolho, cenoura, pepino, batata, cebola, cogumelos e carne. Muitos chefs gostam de temperar o borscht com vinagre ou, em alternativa, limão.
Na Rússia e na Ucrânia esta sopa é sempre servida quente, embora possa ser consumida fria noutros países, como a Lituânia, por exemplo. O toque final, antes de servir, é adicionar-lhe uma porção generosa de natas, o que irá adocicar a sopa e aveludar o caldo.
Blini
Este prato consiste num tipo de panquecas tradicionais russas, feitas com massa lêveda de farinha de trigo branco ou mourisco, aveia, cevada ou centeio, leite, ovos e natas. Este é o prato tradicional que assinala a celebração do fim do inverno na Rússia, a chamada “Maslenitsa”, na última semana de fevereiro. O blini tradicional é servido acompanhado de caviar ou salmão, mas, tal como qualquer crepe, é igualmente agradável com chantilly, compotas, cogumelos, frango ou frutos silvestres.
A tradição desta iguaria na Rússia é de tal forma marcada, que recentemente foram celebrados os mil anos do blini. A sua forma circular é associada ao sol que surge no final dos invernos rigorosos da Rússia e, para os antigos, dar um blini a uma mulher a seguir ao parto é garante de sorte para o recém-nascido. Do mesmo modo, é tradição servir-se blini nos funerais, porque é visto como um alimento que deve acompanhar o indivíduo desde o nascimento até à morte.
Tradicionalmente a preparação dos blinis obedecia a determinados rituais: a massa tinha de ser preparada pela mulher num local longe de casa, na orla da floresta ou perto de um rio ou lago; depois, o blini podia ser cozinhado em casa, mas sempre numa frigideira ou numa placa de ferro fundido sem pegas, que não podia ser utilizada para cozinhar mais nada. Os primeiros blini da História eram colocados nos parapeitos das janelas, para os pobres que não tinham o que comer.
Golubtsi
No que diz respeito à aparência, o golubtsi pode fazer lembrar, por vezes, um prato bem português – salsichas enroladas em couve lombarda. No entanto, há diferenças substanciais neste prato russo, que o empratamento pode esconder. Tradicionalmente, estes rolos que compõem o golubtsi são feitos com repolho, mas é possível substituí-lo por couve (qualquer uma) e até por pimentos, sendo que esta última opção resulta num prato completamente diferente. No interior desta espécie de crepes de repolho encontra-se não salsichas, mas carne de vaca picada. Para diferenciar este prato de um outro, do mesmo tipo, mas de origem árabe, o Malfuf, os mais preciosistas dizem que o golubtsi nunca deve ter arroz misturado na carne moída. Uma recomendação nem sempre respeitada, dado que o arroz ajuda a ligar a carne e fica delicioso no golubtsi. O molho utilizado no prato resulta da mistura do refogado da carne picada com sal, pimenta e caril. Muitas vezes é adicionada uma colherada de natas batidas temperadas com um pouco de vinagre.
Frango à Kiev
Um dos pratos que faz parte da História da Rússia é o frango à Kiev. A receita é típica da Ucrânia, cuja capital é Kiev, remetendo, assim, à Rússia czarista. Trata-se de peito de frango desossado e recheado com manteiga e ervas finas, que depois pode ser apresentado sob a forma de panado, frito ou assado. Um pormenor interessante em torno deste prato é o facto de existir uma corrente de historiadores que afirma que a receita não tem origem russa, mas sim francesa. Segundo esta teoria, a imperatriz Elizabeth Petrovna (1741-1762), da Rússia, era uma aficionada da cozinha francesa, e não só contratava cozinheiros daquele país como enviava os seus a França para aprenderem a culinária típica. Por ser um dos pratos mais famosos da Rússia, o frango à Kiev tem vindo a ser alvo de várias versões, nomeadamente no que diz respeito ao recheio. Além do tradicional – molho de manteiga com ervas finas – existem outros recheios possíveis, como alho picado, queijo, presunto ou salmão.
Pelmeni
Este é um prato russo típico que pode ser encontrado em vários países do leste da Europa. Trata-se de pequenos pastéis esféricos que fazem lembrar raviolis, com cerca de dois a três centímetros de diâmetro, recheados com carne picada, que podem ser servidos na manteiga, com natas frescas ou em sopas. A massa fina é feita com água ou leite, farinha e ovos. Já a carne pode ser de qualquer tipo, sendo comum a mistura de várias. A receita original exige 55% de vaca e 45% de porco. Há ainda quem recorra a carne de cordeiro. São adicionadas especiarias e cebola ao recheio.
Muitas vezes estes pequenos pastéis são congelados para serem preparados na altura de consumir. São cozidos em água a ferver durante cinco minutos, depois de começarem a flutuar. No final, são servidos com manteiga ou natas frescas na versão original, embora haja variantes com mostarda, ketchup ou vinagre. Em alternativa à cozedura, os pelmeni podem ser fritos.
Existem muitas empresas em todo o mundo, com mais incidência em Itália, que produzem pelmeni ultracongelado industrialmente.
Kholodets
Iguaria obrigatória nas festas de fim de ano na Rússia, o kholodets consiste em carne desfiada e salgada, coberta por uma generosa dose de caldo solidificado no frio, com um aspeto semelhante ao de uma gelatina. É um prato que se serve frio e cuja origem é um mistério, embora se saiba que foi por volta do século XIX que os russos começaram a ganhar o gosto por esta espécie de geleia na sua gastronomia.
Por nem sempre ter um aspeto muito apelativo, o kholodets foi, durante muito tempo, um prato que era consumido apenas pelos trabalhadores. Só mais tarde, com o fascínio dos russos pela cozinha francesa e com a curiosidade dos chefs daquele país pelas iguarias russas, o kholodets tornou-se um prato festivo.
Embora varie de região para região, e até de casa para casa, o princípio do kholodets é sempre o mesmo. Pode usar-se carne de porco, de vaca ou de aves. Uma receita muito comum é feita com carne bovina e tempero picante. Perfeita para ser saboreada com um bom shot de vodka!
Salada de arenque
Esta salada, feita com arenque, maionese, cenoura e batata cozida, é uma das tradicionais entradas das refeições russas. É montada em camadas e a sua aparência é a de um bolo colorido. Tal como o kholodets, é uma iguaria muito apreciada nas festividades do ano novo, inventada em 1918 para representar, segunda reza a lenda, um símbolo de amizade entre o proletariado e o campesinato. Conta-se que depois da revolução de 1917, um cozinheiro russo inventou este prato para ajudar o dono de um restaurante a parar com os desacatos entre os clientes. Isto porque os russos iam para os cafés e restaurantes debater o futuro do país, o que, ao fim de alguns copos, terminava em cenas de pancadaria. Assim, a salada foi inventada com o objetivo de unir o povo. O arenque, dado que era um peixe barato e apreciado pelo povo, representava o proletariado. Já a batata, a cenoura e a cebola, que vieram da terra, representavam os camponeses. A beterraba era um símbolo da bandeira vermelha da revolução. Por fim, a salada era generosamente temperada com maionese francesa, em sinal de respeito pela Revolução Francesa. A salada foi servida pela primeira vez na véspera do ano novo de 1919, e desde então é presença assídua à mesa das passagens de ano russas, embora já ninguém recorde o seu significado político.