Nos últimos 20 anos a saúde intestinal tem vindo a ocupar um lugar de destaque na esfera científica e médica. Em particular o microbiota intestinal como um órgão metabólico, endócrino e neuroendócrino importante na manutenção da saúde metabólica e imunológica.
Temos mais genes e células de origem microbiana do que de origem humana. Os genes humanos não mudam ao longo da vida, já os genes de origem microbiana mudam ao longo da nossa vida. A espécie humana evoluiu o que estes microorganismos nos permitiram evoluir como espécie.
A evolução deste conhecimento científico e médico, com aplicação clínica, vem colocar de parte a visão de patogenicidade associada às bactérias (noção de que todo o ‘bicho’ é mau).
O microbiota em 3 esferas: é responsável pela síntese de vitaminas, como vitamina K, folato, vitamina D, entre outras; exerce funções digestivas, resultando uma sintonia entre as funções das enzimas digestivas que são produzidas pelas células do aparelho digestivo, humanas, e as enzimas que são de origem bacteriana. Aqui fica já muito claro que alterações na composição deste ecossistema microbiano provavelmente terá impacto no processo digestivo, com falhas, o que pode levar a processos. E ainda exerce funções de regulação da expressão de genes, como por exemplo estimulam que células do intestino produzam GLP1 ou mesmo genes relacionados com a permeabilidade intestinal e ainda função do sistema imunitário. A imunotolerância que deve ser desenvolvida nos primeiros anos de vida desenvolve-se muito à custa de um microbiota intestinal competente: sistema imunológico, para a nossa defesa, deve saber reconhecer o que ‘é do próprio’, o que ‘não é do próprio’, e deste, o que é uma ameaça, e o que não é uma ameaça. Aliás, se há compromisso do desenvolvimento desta imunotolerância, podemos ter aqui uma relação com asma, dermatite atópica ou mesmo doenças autoimunes da vida adulta.
É particularmente fascinante o papel do microbiota intestinal na regulação do peso. Seja ao nível do controlo do apetite, atingir ou não a saciedade, como também se deve ao microbiota intestinal muitas das ‘decisões’ de prioridade metabólica, ou seja, se teremos mais ou menos estimulada a acumulação de gordura.
Desde o nosso nascimento, até à fase em que começamos a fazer diversificação alimentar, o microbiota vai passando por transições, muito dependentes da idade gestacional da nossa mãe, do tipo de parto (cesariana ou vaginal) e se alimentados com leite materno ou de fórmula. Nesta fase as diferenças interindividuais são grandes, mas aos 2-3 anos de vida, o microbiota atinge a sua composição de base, e as diferenças são
menores. Ainda na infância, a vida urbana ou rural, com ou sem animais domésticos, com ou sem exposição a antibióticos e o tipo de alimentação praticada, têm impacto na forma como o microbiota é moldado. Outros fatores que se fazem sentir ao longo da vida, como o exercício físico (ou a falta dele), a alimentação, o stresse e alguma da medicação que tomamos, também têm impacto no nosso microbiota. Todo este conhecimento sublinha a importância do papel modulador que a dieta, e em particular os prebióticos (ingredientes ou alimentos que estimulam o crescimento e atividade das bactérias boas) e os probióticos (microrganismos que auxiliam na digestão e protegem o organismo contra as bactérias nocivas) podem exercer de benéfico neste contexto.
A disbiose é um desequilíbrio do microbiota intestinal em que existe alteração na quantidade e na distribuição de bactérias no intestino, que por sua vez pode provocar doenças como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares ou autismo.
Em suma, alterando a comunidade do nosso microbiota intestinal, através de prebióticos, probióticos, antibióticos ou, mesmo, o transplante de microbiota fecal, poderá vir a ser uma esperança no tratamento de diversas doenças.
Importa, assim, fazer o diagnóstico correto. Tudo se relaciona e nos faz refletir como muitas vezes o microbiota intestinal é negligenciado. Relacionar o microbioma com os mecanismos das doenças, numa visão mais holística, poderá ajudar na prevenção ou tratamento das principais causas de morte da atualidade.