A comunidade científica está a repensar a forma como a obesidade é diagnosticada. Uma comissão de peritos propôs recentemente um novo critério clínico, publicado em janeiro de 2025 na revista The Lancet Diabetes & Endocrinology, com o título “Definition and diagnostic criteria of clinical obesity”. O objetivo é claro: definir com mais precisão a obesidade clínica e melhorar a capacidade de identificar quem está realmente em risco de desenvolver doenças associadas.
Durante décadas, o Índice de Massa Corporal (IMC) foi a principal ferramenta para o diagnóstico da obesidade. No entanto, o IMC tem limitações bem conhecidas: não distingue entre massa gorda e massa magra, nem avalia a distribuição da gordura corporal, considerado um fator chave no risco metabólico.
A nova proposta, baseada numa revisão sistemática da literatura, introduz um conjunto de critérios mais abrangente. Além das medições habituais, incorpora indicadores como a composição corporal, a distribuição da adiposidade, a função metabólica e a presença de comorbilidades. A classificação passa a dividir a obesidade em diferentes graus de gravidade e risco, permitindo personalizar a abordagem clínica e terapêutica e, ao mesmo tempo, combater o estigma social associado ao diagnóstico.
Nem tudo é simples na prática
Apesar de cientificamente mais robusto, o novo modelo levanta alguns desafios. A avaliação completa exige equipamentos específicos, como a absorciometria de dupla energia (DeXA) ou a bioimpedância multifrequência. Estes recursos nem sempre estão disponíveis, especialmente nos cuidados de saúde primários, onde muitas vezes é feito o primeiro contacto com pessoas com obesidade.
Além disso, há um outro dado relevante: embora o IMC seja uma métrica imperfeita, continua a ser útil na prática populacional. Estudos norte-americanos demonstram que a maioria dos indivíduos com IMC elevado confirmam, de facto, níveis elevados de adiposidade. No inquérito NHANES III, por exemplo, apenas 10% das pessoas classificadas como obesas pelo IMC não apresentavam qualquer componente da síndrome metabólica.
A nova distinção entre obesidade pré-clínica e clínica ainda não tem uma correlação clara com o risco real de desenvolver doenças como diabetes tipo 2 ou doenças cardiovasculares. É possível que ambas as categorias incluam subgrupos com necessidades muito diferentes, o que pode levar tanto ao subdiagnóstico como ao sobrediagnóstico.
Próximos passos: adaptar à realidade e investigar mais
Outro aspeto que requer atenção é a validação dos critérios em diferentes populações, tendo em conta fatores como idade e etnia. A aplicação generalizada do novo modelo exige um trabalho rigoroso de adaptação.
Apesar das limitações, a proposta representa um avanço significativo no debate sobre o diagnóstico da obesidade. Para Marta P. Silvestre, Professora Auxiliar na NOVA Medical School e nutricionista especializada em medicina dos estilos de vida, o novo modelo pode trazer benefícios importantes para a prática clínica. “O objetivo é melhorar a precisão do diagnóstico, otimizar as estratégias de prevenção e tratamento, e promover a saúde e o bem-estar das pessoas com obesidade”, defende.
Enquanto isso, será essencial que os profissionais de saúde — médicos, nutricionistas e outros — saibam interpretar estes novos critérios com bom senso clínico, ajustando-os ao contexto real e às necessidades individuais de cada paciente.