“A peça para dois atores”, de Tennessee Williams, estreia-se na quinta-feira no Teatro da Trindade, em Lisboa, numa encenação de Diogo Infante, que também trabalha pela primeira vez com os protagonistas, os atores Luísa Cruz e Miguel Guilherme, avança a Lusa.
“A peça para dois atores”, que o autor norte-americano definia como a sua “melhor e mais autobiográfica obra”, depois de “Um elétrico chamado desejo”, assinala ainda a estreia de Miguel Guilherme no universo do dramaturgo norte-americano.
Há mais de 20 anos que Diogo Infante queria pôr esta peça em cena. Ela fala do teatro, mas tem também “uma espécie de fatalismo”. Dois atores “já em final de carreira e de vida”, abandonados pela companhia a que pertencem, sem terem para onde ir, persistem no seu percurso e “fazem de sua casa onde houver um teatro”.
Diogo Infante deixara-se atrair pela persistência “heroica e trágica” dos atores nesta obra, longe “de sonhar vir a interpretar ou dirigir” Tennessee Williams. Mas o mundo do autor de “A noite da iguana” e “Subitamente no verão passado” tem o seu peso, “pelo que lhe é mais particular”, “a sua própria vida como fonte de inspiração”, numa “mistura de códigos” que “tocaram muito” Diogo Infante.
Assim, apesar de ter “ficado muitos anos na gaveta”, proporcionou-se agora a oportunidade de encenar “A peça para dois atores” no Teatro da Trindade.
É uma peça “exigente, que exige um bom público”, frisou Diogo Infante, uma peça que reflete as fragilidades sociais, a crise e a precariedade dos artistas que a pandemia pôs “a nu”.
É também uma “espécie de um alerta e de uma denúncia” de um mundo que às vezes as pessoas romantizam, como afirma, e que não corresponde à verdade.
“Quando o Miguel [Guilherme] me procurou e disse que gostava muito de trabalhar comigo, lembrei-me desta peça e disse ‘se calhar tenho aqui a peça para ti’”, recordou Digo Infante, acrescentando ter sido, depois, o ator a apontar o nome de Luísa Cruz como a “intérprete ideal”.
“Ouro sobre azul”, afirma Diogo Infante. Williams permite aos três trabalharem pela primeira vez em conjunto, num processo “muito feliz e muito desafiante”.
Claire e Felice, dois irmãos atores que andam em digressão há muito e são abandonados pela companhia, confrontam-se com uma plateia que aguarda o espetáculo.
À medida que a peça se vai desenrolando, a fronteira entre realidade e ilusão torna-se menos percetível, obrigando as personagens a confrontar-se com os seus fantasmas e paranoias, num trágico-cómico que Luísa Cruz define como “um ‘mise en abyme’ infinito, infinito”.
O texto é “complexo na sua densidade humana e poética”, dando “ao mesmo tempo a oportunidade de atores virtuosos e muito talentosos como eles [Luísa Cruz e Miguel Guilherme], de encherem um palco e de nos agarrarem e nos arrebatarem”, disse Diogo Infante.
Mostrando-se “ainda inebriado com o processo” de pôr em cena esta obra, o encenador e diretor artístico do Teatro da Trindade, define-o como um objeto teatral “sobretudo para aquele público que adora e não tem medo do teatro”.
Num texto clássico onde está patente a crítica a uma sociedade norte-americana sulista, preconceituosa e conservadora, Tennessee Williams mistura também os seu dramas, os medos, a saúde mental – a sua irmã Rose, de quem era próximo, fora diagnosticada com esquizofrenia -, perpassando a ideia de os seres humanos estarem a ficar loucos sem se aperceberem, cedendo cada vez mais ao medo de saírem e se exporem.
Claire e Felice espelham a fronteira entre realidade e imaginação, num espetáculo que vai além do ‘teatro dentro do teatro’. É um texto “um pouco claustrofóbico”, que Diogo Infante põe em palco com o objetivo de ”tocar o público e transformá-lo”.
“È isso de que eu mais gosto no teatro”, afirma o encenador, “a sensação de que algo aconteceu esta noite e saio daqui diferente do que entrei”.
Para Miguel Guilherme, o texto é “um bocado esotérico, maravilhoso, mas muito misterioso ao mesmo tempo”.
“Para mim”, prossegue o ator, “no que ao teatro respeita, a leitura é a total incapacidade que às vezes nós temos de separar o que é real do que é imaginário”. E “isso não acontece apenas com os atores, acontece na sociedade”, por isso “é uma peça psicológica”, concluiu.
Luísa Cruz, por seu lado, sublinhou a dificuldade de por de pé o texto sobre o qual “muitas vezes os três não conseguem perceber bem quando é que os atores são personagens e quando saem delas”.
“A peça para dois atores” tem tradução e encenação de Diogo Infante, e é uma produção do Teatro da Trindade/Inatel.
A cenografia é de Marta Carreiras, o desenho de luz de Miguel Seabra, a sonoplastia de Rui Rebelo e a assistência de encenação de Flávio Gil.
Em cena na Sala Carmen Dolores até 25 de junho, a peça terá récitas de quarta-feira a sábado, às 21:00, e, ao domingo, às 16:30.
Hoje haverá ensaio solidário com a receita de bilheteira a reverter a favor da Associação Cais.
No dia 14 de maio, no final do espetáculo, haverá conversa com o público.