A qualidade das vinhas que abundam em diversas regiões portuguesas fez com que se instalasse uma grande tradição vinícola, mas em Portugal produz-se muito mais do que vinho, no que às bebidas diz respeito. De norte a sul do País, praticamente todos os distritos podem ser associados a uma bebida típica, e nem as ilhas escapam ao espólio alargado de espirituosas que ostentam o disclaimer “made in Portugal”.
Neste artigo, damos a volta a Portugal de copo na mão para conhecer as melhores iguarias líquidas da destilaria nacional. Do Minho ao Algarve, com uma visita à ilha da Madeira, venha daí conhecer as bebidas que fazem a História e as delícias do povo português.
Vinho do Porto
O Vinho do Porto é produzido com uvas da Região Demarcada do Douro, a 100 quilómetros a norte da cidade que lhe dá o nome. Embora também seja armazenado fora da cidade, nomeadamente nas caves de Vila Nova de Gaia, o Vinho do Porto ficou com o nome da cidade porque, a partir da segunda metade do século XVII, era aquele o maior porto de exportação da bebida.
A sua diferença relativamente a outros tipos de vinho está na fermentação incompleta, que o deixa naturalmente doce e forte (com 19 a 22% de teor alcoólico). A fermentação é interrompida numa fase inicial (dois ou três dias após o início), através da adição de uma aguardente vínica neutra (com cerca de 77% de teor alcoólico).
Existem dois tipos de Vinhos do Porto: os Ruby e os Tawny. Os primeiros procuram suster a evolução da sua cor tinta e manter o aroma frutado. Inserem-se, por ordem crescente de qualidade, nas categorias Ruby os Reserva, os Late Bottled Vintage (LBV) e os Vintage. Estes últimos têm a particularidade de envelhecer bem em garrafa.
Já os Tawny são vinhos que, no seu processo de maturação, passam por pipas de 550 litros, que permitem um maior contacto do vinho com a madeira, e daí com o ar. Devido à sua elevada oxidação, os Tawny perdem a cor inicial dos vinhos tintos, ganhando tons mais claros, como o âmbar, e sabores a frutos secos. As categorias existentes são Tawny, Tawny Reserva, Tawny com Indicação de Idade (10, 20, 30 e 40 anos) e Colheita. Este tipo de Vinho do Porto é mais alcoólico quanto maior for a sua idade.
Aguardente de medronho
Ou Medronho, como também é conhecida, é uma bebida tradicional do Algarve. Trata-se uma aguardente de frutos obtida apenas da fermentação alcoólica e da destilação de frutos do medronheiro ou do seu mosto (com ou sem caroço). O genuíno Medronho algarvio tem um aroma e paladar mais frutado, em comparação com os aromas e gostos mais herbáceos presentes nas restantes aguardentes de medronho.
A área geográfica de produção do Medronho, no Algarve, recebeu a distinção de Indicação Geográfica Protegida (IGP). Lá, quando os frutos estão maduros, são, tradicionalmente, colhidos de forma manual, a partir de setembro. Manda a tradição, também, que a destilação do Medronho do Algarve IGP se faça a partir de finais de janeiro ou início de fevereiro.
A destilação dos frutos fermentados em alambiques de cobre é uma técnica executada de forma paciente, rigorosa e atenta, que se expandiu pela bacia mediterrânica a partir do Egito, nos séculos II e III. Posteriormente absorvida pelos gregos foi, mais tarde, difundida pelos árabes no sul da Península Ibérica, por volta dos séculos IX e X. Atualmente, o alambique artesanal ainda é utilizado no Algarve e mantém as características daquele que foi difundido pelos árabes.
O Medronho do Algarve IGP, quando envelhecido, é colocado em pipas de madeira de carvalho ou de castanheiro.
Licor Beirão
A produção deste licor teve início no século XIX, na vila da Lousã, distrito de Coimbra. A sua base consiste em diversas plantas, entre elas o eucalipto, a canela, o alecrim e a alfazema, bem como sementes aromáticas submetidas a um processo de dupla destilação.
O Licor Beirão apresenta uma cor âmbar, um característico sabor doce herbáceo e é, normalmente, consumido como digestivo, simples ou com gelo. É também utilizado em cocktails e na confeção de alguns doces.
A história desta bebida começa no final do século XIX, quando um caixeiro-viajante de Vinhos do Porto, de passagem pela Lousã, se apaixonou pela filha de um farmacêutico e a pediu em casamento. Na farmácia, além dos medicamentos habituais, eram comercializados “licores naturais”, segundo fórmulas antigas mantidas em segredo.
Entretanto, entrou em vigor uma lei que proibiu a atribuição de propriedades medicinais às bebidas alcoólicas. Aproveitando a oportunidade, o jovem, vindo do norte, levou a cabo a autonomização da produção dos néctares, pelos mesmos processos artesanais, numa pequena fabriqueta.
Anos mais tarde, em 1940, devido às dificuldades impostas pela II Guerra Mundial, a fábrica e a receita secreta foram adquiridas por José Carranca Redondo, natural da Lousã. O investimento das suas economias e do seu tempo viriam a dar frutos e o negócio familiar pertence, até hoje, ao filho e aos dois netos do fundador da marca, que continuam a produzir o Licor Beirão na Quinta do Meiral, na Lousã.
Parte das plantas e sementes aromáticas utilizadas no seu fabrico é produzida nos mais de 12 hectares do terreno, para garantir um maior controlo da qualidade. Os restantes ingredientes são importados de locais como a Índia, Sri Lanka, Brasil e Turquia, entre outros. Desta forma, obtém-se a fórmula secreta original, que passa por uma dupla destilação de 13 sementes aromáticas, plantas e especiarias.
Ginjinha
Ginjinha ou, simplesmente, Ginja, similar à cereja, é um licor obtido a partir da maceração do fruto com esse nome. Obtém-se da mistura da ginja com açúcar e pau de canela e é uma bebida muito popular em Portugal, nomeadamente em Óbidos e Alcobaça.
Mas é em Lisboa que se encontram os locais mais afamados de venda de Ginjinha. São pelo menos quatro os espaços históricos na capital portuguesa conhecidos como próprios para o consumo desta bebida: a Ginjinha Espinheira, fundada em 1840 pelo galego Francisco Espinheira; a Ginjinha Sem Rival, fundada no século XIX; a Ginjinha Rubi, fundada em 1931; e a Ginjinha do Carmo, fundada no século XXI, situada na Calçada do Carmo, na baixa da capital.
Uma das tradições típicas nos passeios pela baixa lisboeta e imortalizada num fado de Amália é beber uma Ginjinha, que pode ser servida com ou sem a ginja no copo. O licor de ginja é produzido na cidade de Alcobaça desde 1930, segundo um processo artesanal, com ginjas frescas, colhidas na região, que já fazem parte, desde 2016, da lista de produtos com Indicação Geográfica Protegida (IGP) e com Denominação de Origem Protegida (DOP). Com uma cor rubi e um sabor intenso a ginja, a Ginjinha pode ser consumida quando se quiser, embora seja “oficialmente” considerada um digestivo.
Vinho da Madeira
Reza a lenda que a fama e o prestígio do Vinho da Madeira tiveram origem em grandes momentos da História, entre os quais a celebração da independência dos Estados Unidos, em 1776, com um brinde de vinho do arquipélago português.
As primeiras castas foram introduzidas na ilha da Madeira sob ordens do Infante D. Henrique, e só mais tarde apareceram as variedades de castas mais utilizadas, atualmente, na produção de Vinho da Madeira, como a Boal, a Malvasia, a Sercial, a Tinta Negra e a Verdelho. As vindimas insulares realizam-se entre meados de agosto e outubro, com o ponto mais alto – a Festa do Vinho – em setembro.
O solo de origem vulcânica e a proximidade ao mar, associados às condições climatéricas – verões quentes e húmidos e invernos amenos –, conferem ao vinho madeirense características únicas. O mosto resultante nas adegas é sujeito a fermentação interrompida por adição de álcool vínico no momento em que atinge o nível de doçura pretendido.
O Vinho da Madeira ou, simplesmente, Vinho Madeira, é para quase todas as ocasiões, mas mais indicado para festas e convívios, não sendo dos melhores para beber às refeições. Porém, encontra nos estatutos de aperitivo e digestivo uma vocação singular, até porque, além de um sabor mais doce, tem, também, um elevado teor alcoólico.
Deve ser bebido numa taça mais aberta junto ao pé, tornando-se mais fechada no topo. Assim, o vinho pode ser melhor apreciado, pois concentra os seus aromas mais complexos e ricos na abertura do copo, que deve estar cheio até um terço.
Moscatel de Setúbal
Conhecida pelos vinhos generosos produzidos de casta moscatel, a Península de Setúbal tem no Moscatel o seu ex-líbris e é uma região com Denominação de Origem Controlada.
A Região Demarcada do Moscatel de Setúbal, que goza de um clima misto, subtropical e mediterrânico, influenciado pela proximidade do mar e dos rios Tejo e Sado, foi demarcada em 1907. Apesar de tardiamente reconhecida, a história da produção desta bebida licorosa na região está documentada desde o século XIII. Várias cortes na Europa consumiam com regularidade este Moscatel, com forte caráter cítrico e doce.
Já em 1381 o rei Ricardo II de Inglaterra referia a importação do Moscatel de Setúbal, e no século XVII, o próprio “Rei Sol”, Luís XIV, em França, não dispensava esta bebida portuguesa nas festas no Palácio de Versailles. Mais recentemente, o Moscatel de Setúbal tem acumulado vários prémios e distinções em concursos internacionais.
É um vinho fortificado, com uma graduação alcoólica entre 17 e 18 graus. A sua cor varia do topázio claro ao topázio queimado e, quando envelhecido, ganha um inconfundível perfume. Existem dois tipos de Moscatel de Setúbal, o branco e o roxo, este mais raro. As designações tradicionais “Moscatel de Setúbal” e “Roxo” estão reservadas para os vinhos DOC Setúbal elaborados com, pelo menos, 67% de mosto proveniente destas castas.
No final do século XX, a casta Moscatel Roxo de Setúbal estava reduzida a um hectare. Condenada a desaparecer, apesar de muito apreciada pelos especialistas portugueses e estrangeiros, foi alvo de uma replantação no início de século, em particular na última década. A atual área de vinha apta à produção de Moscatel de Setúbal é de 540 hectares e de 42 hectares para o Moscatel Roxo de Setúbal.