Entrevista: «A idade não é um entrave para aprender e o Projeto 55+ é disso exemplo», defende Elena Durán

Estudos internacionais revelam que a pandemia conduziu ao aumento do desemprego em todas as faixas etárias, mas a queda de postos de trabalho foi mais incidente em pessoas com mais de 55 anos.

Dois anos após o seu lançamento, o Projeto 55+ viu a importância da sua missão crescer, pelo que agora os seus objetivos surgem de uma forma ainda mais impactante. Numa conversa com Elena Durán, fundadora do projeto, percebemos a sua evolução em tempos de Covid-19 e analisámos, não só os resultados alcançados, como as metas para o futuro. 

Por Sandra M. Pinto

O Projeto 55+ é um projeto de economia social que visa «colmatar uma falha existente na sociedade para com a população com mais de 55 anos», afirma Elena Durán. Assumindo um papel de empoderamento e incentivo, o 55+ pretende que «as pessoas pensem de forma positiva nos novos caminhos que se podem abrir depois dessa idade».

Quando e como nasceu o Projeto 55+?
Quando o meu pai se reformou aos 60 anos, e após 30 anos como diretor de uma escola primária, eu e o meu irmão apercebemo-nos de que seria um grande desafio garantir que o nosso pai mantivesse uma vida ativa de forma a continuar saudável e integrado na comunidade em que vive. Foi então que comecei a pensar sobre uma solução que fosse ao encontro desta necessidade. A reforma não é sinónima de paragem, existem muitas pessoas esquecidas que querem e podem tirar partido das suas competências e valências de forma a contribuir para a comunidade. Foi assim que depois de muita pesquisa, deparei-me que existem em Portugal três milhões e meio de pessoas com mais de 55 anos, dos quais dois milhões e meio estão inativas. O “envelhecimento da população”, o problema da inatividade e solidão das pessoas de mais idade é uma realidade muito presente na nossa sociedade e existem poucos projetos que, de uma forma inovadora e adequada, oferecem uma solução para este novo paradigma.
Foi assim que, em 2018, depois do nascimento do primeiro filho, larguei o meu emprego estável em Gestão, Marketing, Vendas e Estratégia na Unilever e decidi fundar e dedicar-me a um projeto de economia social, o Projeto 55+, que foi sem dúvida um marco importante na minha vida.

A que necessidades veio ele dar resposta?
O projeto surgiu da necessidade de colmatar uma falha existente na sociedade para com a população com mais de 55 anos. A missão da 55+ é mesmo essa, a de dar uma oportunidade a todas as pessoas que se encontram desempregadas ou reformadas com mais de 55 anos, para que continuem ativas, saudáveis, a fazer algo que gostam, com outro ritmo, mas de forma integrada e sendo valorizadas pela sociedade.

Hoje qual é a filosofia do projeto? Mantem-se a mesma do início?
Hoje mais do que nunca, conseguimos perceber que de facto essa necessidade existe e tal como no primeiro dia a filosofia, missão e valores da organização 55+ mantêm-se os mesmos –querer ativar, valorizar e integrar pessoas 55+ na sociedade para prevenir ou evitar a solidão melhorando o seu bem-estar, com a única diferença de estarmos cada vez mais próximos desta geração e, por isso, aperfeiçoarmos as nossas condições
a todos eles e a quem se destinam os serviços.

A quem se destinam os vossos serviços? Em que iniciativas se desenvolve a plataforma e que serviços oferece?
Criámos uma plataforma que apesar de ser online, é também humana, onde qualquer pessoa pode adquirir serviços úteis para o dia-a-dia, como comida ao domicílio, babysitting, reparações, petsitting, jardinagem, aulas de música ou de línguas, companhia a pessoas seniores, entre outros. Como tal qualquer pessoa que precise desses serviços pode contactar a 55+. Os nossos serviços passam por uma fase de teste onde são avaliados para garantirmos a máxima qualidade, todos eles prestados por pessoas com mais de 55 anos que se juntaram à 55+ para melhorarem a sua qualidade
de vida dentro da sociedade e ainda receberem um rendimento extra pela prestação desses mesmos serviços.

De que forma a vossa atividade foi impactada pela pandemia?
Não há dúvida de que sentimos os impactos da pandemia. Os serviços ficaram parados durante alguns meses e alguns desses ainda não retornaram ao seu funcionamento normal, nomeadamente os que estão dirigidos aos turistas. No entanto, mesmo apesar de todos os obstáculos, em 2020 crescemos 15% em relação ao ano anterior, no volume de serviços prestados, o que nos deixou cheios de força para continuar em frente no
nosso caminho e superarmos este período conturbado.

Estudos feitos internacionalmente provam que a atual pandemia conduziu ao aumento do desemprego por todo o mundo, em todas as faixas etárias, mas a queda de postos de trabalho foi mais incidente em pessoas com mais de 55 anos. De que forma podem os profissionais lidar com esta realidade?
A pandemia foi um desafio para muitas pessoas. O nosso papel é empoderar as pessoas, incentivá-las para que pensem de forma positiva nos novos caminhos que se podem abrir, assim como reforçar que a idade não é um entrave para aprender, ganhar novas competências e desenvolver novas atividades ou trabalhos.
Se por um lado a pandemia aumentou a desigualdade em relação às limitações de quem possa ter pouca literacia digital, por outro lado a forma como o digital passou a estar presente nas nossas vidas incentiva a que sejam desenvolvidas novas competências que podem ser aplicadas para realizar outro tipo de trabalhos. Outra alternativa é adaptar algumas das competências que já têm e usá-las de outras formas, foi o que fizemos na 55+ com as formações online onde alguns dos nossos colegas 55+ têm dado formações nas áreas que dominam.

Que importância perceberam ter neste contexto tão atípico?
Se já antes da pandemia víamos como a 55+ mudou a vida destes profissionais com mais de 55 anos para melhor e como contribuiu bastante para a sua integração na sociedade, agora, em contexto de pandemia, o nosso papel é ainda mais relevante.
Acreditamos na mais-valia das relações intra e inter geracionais, na partilha de conhecimentos entre as pessoas da comunidade e, durante este período atípico, essas relações ficaram mais comprometidas, aumentando o isolamento social e o desemprego. Como tal, é nossa prioridade crescer e chegar a mais pessoas com mais de 55 anos, mantendo os nossos serviços com a segurança devida e evitando o isolamento dos profissionais.

Que objetivos se propõem atingir agora?
Propomos levar a nossa missão a todos os que precisem em Portugal! Queremos continuar a ativar, valorizar e integrar pessoas 55+ na sociedade para prevenir ou evitar a solidão e melhorar o seu bem-estar, queremos maximizar o nosso impacto social.
Como tal é preciso evoluir o conceito para um modelo que permita chegar a mais pessoas. Começamos por expandir a área de atuação, estamos já a fazer serviços na região Norte (municípios do Porto, Matosinhos, Maia, Paredes e Valongo) e na região de Aveiro.
A 55+ não pretende apenas a valorização via trabalho e remuneração, mas também garantir a componente humana e de criação de uma rede de suporte informal, consolidando o apoio a pessoas com mais de 55 anos. 2021 está a ser um ano em que estamos a redefinir esta componente, dado que o modelo de workshops, convívios e formações se mostrou muito eficaz presencialmente, estamos a adaptá-los pela via online a uma realidade em que grandes ajuntamentos não são convenientes.

Quantas pessoas reintegraram desde o início da vossa atividade?
Desde o início da nossa atividade já foram registadas mais de 1.900 pessoas com mais de 55 anos na plataforma em todo o Portugal, o que para nós é um número que verifica a necessidade transversal para a solução que propomos.

Por outro lado, já foram realizados mais de 2.800 pedidos de diferentes tipologias de serviço quer para particulares quer para empresas que precisaram do conhecimento, tempo e experiência dos nossos profissionais com mais de 55 anos.

Em euros estamos a falar de remunerações na ordem dos…
Desde que começamos com o projeto, foram mais de 67.000 € euros no total.

Cobrem todo o território nacional?
Atualmente, o projeto já abrange as zonas da grande Lisboa e mais recentemente do grande Porto e a região de Aveiro.

De que forma podem os profissionais entrar em contacto convosco?
Os profissionais com mais de 55 anos podem entrar em contacto com o Projeto através do nosso site (www.55mais.pt) onde podem proceder à sua inscrição, aguardar o agendamento e validação dos seus serviços.

Como olham para o futuro pós-pandemia no que diz respeito a este tema?
As sucessivas restrições e medidas de segurança têm intensificado o isolamento e a solidão de muitas pessoas 55+, têm aumentado a queda de postos de trabalho em pessoas com mais de 55 anos e como tal a inatividade ou a falta de oportunidades para as pessoas desta faixa etária. Agora e no pós-pandemia, é ainda mais necessário combater esta tendência e portanto, a nossa missão ganha ainda mais relevância.
O nosso posicionamento são trabalhos esporádicos e não é a solução ideal para quem procura um trabalho a tempo inteiro, no entanto, conseguimos dar algumas atividades remuneradas às pessoas, o que ajuda a promover a interação com a comunidade e empodera-as, dando-lhe mais autoestima e confiança. Para além disso é um complemento financeiro para estas pessoas e uma possível alavanca para outras oportunidades de emprego.

Está a sociedade alertada para a importância de ter profissionais experientes apesar de mais velhos?
Por acharmos que existe uma lacuna na sociedade, relativamente à importância de ter profissionais experientes, apesar de mais velhos, é que a nossa missão também passa pela mudança de mentalidade, com o reforço da imagem positiva dos seniores pela sociedade em geral. Quando uma pessoa chega até nós e nos diz que “já vali” e “já não me sinto valorizada”, algo tem que ser urgentemente mudado na sociedade. Não queremos que Portugal seja um país de “já-valis” e, por isso, é fundamental reconhecer e valorizar a experiência de vida desta geração e a sua capacidade de superação, o que tendencialmente promoverá a quebra do estigma/preconceito/idealismo associado a esta faixa etária. O desafio final da 55+ é assim ser uma associação para todos, criando espaços às relações de proximidade, promovendo um efeito multiplicador na sua rede e gerando mais impacto na sociedade.

Notam alguma mudança nas mentalidades das empresas e das organizações relativamente a este tema?
Muitos dos clientes que utilizam os serviços da 55+ são empresas e organizações e temos conseguido estabelecer muitas parcerias com estas entidades para dinamizar e expandir a missão da 55+.

Temos tido um ótimo feedback de representantes de diferentes empresas e organizações sobre a importância de levantarmos este tema e estarmos a tentar alterar o paradigma sobre o contributo das pessoas com mais de 55 anos. Tudo isto dá-nos boas indicações desta mudança e esperamos que efetivamente se concretize de uma forma alargada.
No entanto, conseguir que o tema seja falado, refletido, considerado e já tenha impacto em algumas pessoas, e mude a vida delas, já é um bom e feliz passo para esta mudança.

Que tendências, até a nível internacional, identificam nesta temática?
Existe uma consciência e preocupação crescente sobre o envelhecimento da população de uma forma global. Todos os agentes envolvidos nesta temática reconhecem que estamos perante uma geração com necessidades diferentes, e portanto, pessoas que precisam de soluções novas e diferentes.
Neste sentido, há cada vez mais inovação para a população 55+, até foi lançada pelas Nações Unidas a Década do Envelhecimento Ativo (https://www.who.int/news/item/14-12-2020-decade-of-healthy-ageing-a-new-un-wide-initiative). Existem respostas diversificadas que vão desde soluções que combinam a área da saúde e da tecnologia de forma a darem soluções para que esta população possa continuar a ser autónoma, a sentir-se valorizada e desafiada no seu dia a dia, e para que assim tenha mais qualidade de vida.

 

Depoimentos
Cheila Delgado – Cliente de Chef em Casa

«A equipa de apoio aos especialistas é incrível e transmite a segurança de um serviço de proximidade e muito humano. A diversidade de serviços permite que os clientes usufruam de vários serviços sempre através da mesma plataforma. É fantástico saber que estamos a ter um serviço de qualidade apoiando uma causa social».

 

 

Rui Viterbo, Especialista 55+

Tem 70 anos e residente no Porto. Este especialista juntou-se à 55+ para se sentir mais ocupado, pois sempre teve uma vida muito ativa. O Rui trabalhou na área da construção civil e agora que está reformado não quis deixar de se sentir útil na área que lhe é tão familiar.
«É uma experiência mesmo agradável, estou a sentir-me mais ativo e tem sido uma divertida experiência. Além de tudo isto, estar a receber um complemento monetário é algo sempre muito recompensador».

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