Com uma carreira construída na área de gestão em grandes empresas como a Oni e a Unisys, Pedro Norton de Matos resolveu mudar de vida há cerca de 12 anos. Hoje dá formação em coaching, trabalha na área do empreendedorismo e aposta na sustentabilidade, com a organização do Greenfest e de outros eventos.
Vive desde há alguns anos num meio rural. O que o levou a mudar de vida e a optar pela vida longe dos centros urbanos? Eu sinto que sou um privilegiado porque consegui o melhor dos dois mundos. Estou perto e, ao mesmo tempo, longe da cidade. Estou perto de Braga e do Porto, com tudo o que os centros urbanos têm de bom, mas, por outro lado, vivo num ambiente rural,com uma enorme biodiversidade. Sou um amante da Natureza e sempre tive um fascínio muito grande, que certamente é inato, mas que foi reforçado pela experiência. Os meus primeiros anos de vida foram passados num contexto rural, entre Portugal e Moçambique, e isso tem vindo a acompanhar-me ao longo da vida. Em suma, eu sou alguém que se habituou à cidade, mas sinto- -me um homem do campo. Para mim, a Natureza é uma fonte de inspiração.
Hoje em dia, estar num meio rural não significa estar isolado do Mundo. No meio onde vivo tenho tecnologia à disposição, fibra ótica e possibilidade de ter um escritório virtual.
Teve um problema de saúde – um enfarte – nessa altura. Esse momento foi decisivo para mudar de vida?
Não foi por causa disso que resolvi mudar de vida, até porque o enfarte não teve sequelas. Mas a melhor forma do ser humano mudar é através de um estímulo forte, uma epifania, pelo que pode ter tido alguma influência.
Uma das áreas em que trabalha é o coaching. Por que é que esta área é tão importante hoje em dia?
Para concretizar as mudanças que consideramos desejáveis ou viáveis, muitas vezes encontramos um fosso entre o que sabemos que devemos fazer e aquilo que realmente fazemos. É esse fosso que eu trabalho profissionalmente através do coaching, com lideranças e equipas de alto desempenho. Mas trabalho também as áreas da sustentabilidade e do empreendedorismo.
No fundo, os meus interesses formam um triângulo com os lados todos iguais e que estão interligados. No campo da sustentabilidade, organizo o Greenfest e outros eventos ligados a este tema; no que diz respeito ao empreendedorismo, estou ligado a uma incubadora de empresas, a Fábrica de Startups, e dou aulas de uma cadeira internacional de empreendedorismo há cinco anos, no Mestrado de Gestão da Universidade Católica. Acompanho ainda o tema do empreendedorismo aplicado às áreas sociais – inovação e empreendedorismo social.
Um terceiro lado do “triângulo” é o das soft skills, que constituem uma outra área na qual trabalho bastante. Eu fiz carreira na área da gestão e, do balanço que faço, a área mais importante em termos de futuro é a das soft skills. Eu diria que, no limite, as hard skills são algo que se pode obter – pode-se formar, treinar e subcontratar. Já as soft skills, embora não sejam inatas, são adquiridas de maneira diferente, nomeadamente a empatia. As relações entre as pessoas são fruto de uma aprendizagem social com os outros. Com a aceleração vertiginosa que as últimas décadas têm trazido, a maior parte da formação de hard skills tende a tornar-se obsoleta, enquanto isso não acontece com as soft skills. Pelo contrário, elas podem servir de ajuda num ambiente de muitas mudanças e interrogações, porque exigem a capacidade de estar atento ao outro.
Que exemplos de soft skills são importantes nas empresas de hoje?
Uma das mais importantes é saber ouvir. Parece uma coisa básica, mas nenhum de nós aprendeu isso na escola. É uma soft skill fundamental, porque não se trata apenas de ouvir, mas de escutar. Ouvir refere- -se à audição de sons, enquanto escutar já implica uma interpretação.
Saber ouvir é fundamental na cidadania, mas também na gestão e na liderança. Escutar implica estar atento ao que o outro tem para dizer, e muitas vezes estamos a ouvir, mas a pensar no que vamos dizer a seguir, mais do que propriamente interpretar.
O feedback é uma outra soft skill importante. É um mecanismo muito utilizado nos dispositivos médicos, nomeadamente em ecocardiogramas, por exemplo. Na vertente humana, o feedback pode ser um elogio ou uma crítica construtiva. Este é um mecanismo que culturalmente não está em muitas das sociedades e é visto com alguma desconfiança, porque a crítica construtiva é frequentemente confundida com criticar o caráter de uma pessoa. O feedback diminui os mal-entendidos e conflitos, que normalmente resultam de conversas inacabadas.
Com uma carreira de muitos anos dedicada à gestão de empresas, como acha que podem evoluir as lideranças no futuro? Eu estudei Economia no século XX, com base em autores do século XIX, frutos da Revolução Industrial, e vivo no século XXI. Algumas verdades absolutas deixaram, pura e simplesmente, de o ser. É importante corrigir esta obsolescência.
Nós temos hoje muitas pessoas nas empresas que estão desaproveitadas, desalinhadas ou desmotivadas. E isto acontece não só nas empresas, mas também na sociedade. As lideranças do futuro têm de ter muita atenção a esta componente. Por outro lado, é importante perceber que as organizações mais bem- -sucedidas durante um maior espaço de tempo são aquelas que olham para a interdependência de três fatores: ambiental, social e económico. Esta é uma tendência, e os líderes do futuro terão esta genuína preocupação. Os consumidores também exercem pressão neste sentido, nomeadamente as novas gerações, que já estão educadas num mundo em que se começa a perceber que os recursos são escassos e que as práticas do costume não nos levam às metas que os países estão a assumir para 2030, 2050 e por aí adiante.
O nosso modelo de prosperidade pode passar por repensar e redesenhar. Cada um de nós deve ser um arquiteto de uma nova comunidade e de novas empresas em que estas preocupações estejam coletivamente presentes.
Uma ideia interessante é que as lideranças do futuro olhem para o exemplo que a Natureza nos dá de economia circular. Nada se perde, tudo se transforma, há desperdício zero. No passado, os seres humanos já tiveram experiências de economia circular, com menos meios e recursos. Então, por que que entrámos numa cultura de desperdício?
O que nós podemos aprender com a Natureza?
Nós temos uma visão do mundo antropocêntrica. Eu não acredito no Homem como senhor do Universo e está por provar que seja o animal mais inteligente. É uma prepotência autodenominar-nos senhores do Universo e classificarmos todos os outros seres como inferiores. É profundamente arbitrário e arrogante da nossa parte.
O Homem faz parte do ecossistema e tem uma posição privilegiada, mas o que isso nos dá é uma responsabilidade acrescida. A consciência, a arte, a filosofia e a espiritualidade dão-nos essa maior responsabilidade, mas não deve servir para que nos autoproclamemos como masters of the universe, até porque isso pode levar-nos à autodestruição. Se nos considerarmos parte do ecossistema, temos uma atitude mais humilde e percebemos que podemos desequilibrar o ecossistema com o nosso modelo de desenvolvimento.
Se olharmos para a Natureza, vemos que podemos importar alguns dos seus mecanismos. A Natureza está cheia de exemplos de tecnologia que nos é útil. Há inúmeras plantas com componentes hidrofóbicos, por exemplo. A pele do tubarão repele parasitas. O atum tem um sistema de aquecimento do cérebro para poder caçar em grandes profundidades. Há inúmeros exemplos.
O que é que ainda podemos fazer pelo meio ambiente?
O mundo ocidental é uma sociedade de desperdício. Se nós desperdiçarmos menos, crescemos. Se tomarmos como exemplo a água, verificamos que desperdiçamos cerca de um terço da água potável. Esta é uma água que é tratada, e por isso é escassa e cara, além de ter pegada ambiental. No nosso paradigma, não fazemos distinção das águas e lavamos estradas, jardins e automóveis com água potável, o que é um enorme contrassenso, num país que não é assim tão rico. Se nós tivermos uma cultura de poupança e passarmos a recorrer a águas cinzentas para este tipo de utilização, já estamos a fazer alguma coisa. Mas isto implica uma mudança de muitas coisas, que vão da construção das casas até à própria legislação.
A mesma cultura de desperdício pode ser encontrada na produção de alimentos na agricultura. Desde a semente até ao que comemos, o que fica pelo caminho é brutal. Também nesse domínio é necessária uma gestão mais eficiente. E não esqueçamos que nós, como cidadãos, também temos a responsabilidade de nas nossas casas evitar o desperdício, nomeadamente no que diz respeito a deixar passar o prazo de validade dos alimentos.
Outra área onde existe muito desperdício é a energia dos edifícios, das casas, das cidades. Isto está relacionado com a baixa eficiência energética dos edifícios, porque na época de maior desenvolvimento perderam-se técnicas e conhecimentos que vinham dos antigos sobre como aquecer as casas. Em suma, somos um manual de práticas ineficientes que se propagam e se perpetuam.
Como está a ser preparada a edição deste ano do Greenfest?
Estou muito entusiasmado com esta edição do Greenfest. Este festival tem 12 anos, sendo que hoje em dia são realizadas duas edições por ano, uma em Braga e a outra no Estoril.
Em Braga será de 6 a 9 de junho, no Mosteiro de São Martinho de Tibães. Muitos portugueses não conhecem este monumento, e esta é uma boa oportunidade para visitar uma verdadeira jóia da nossa cultura e do nosso património. O mosteiro está rodeado por 40 hectares de bosque com muita biodiversidade e tem uma história interessante. Os monges beneditinos, que eram da Ordem de São Bento, tinham um conhecimento de vanguarda. São Martinho de Tibães era a casa mãe de todos os mosteiros beneditinos de Portugal e do Brasil.
Ora, os monges beneditinos eram fortes adeptos da economia circular, de que já falámos nesta entrevista. Eram mestres no ordenamento territorial, florestal, árvores de fruto, hortícolas, minas de água, etc. Tudo era aproveitável.
É interessante ver a planta dos mosteiros, com os canais de passagem de água, que, depois de utilizada, circulava para dar de beber aos animais. O que eventualmente pudesse sobrar deste sistema de economia circular servia de composto orgânico para as hortas.
Fazer o Greenfest num sítio como este é emblemático e faz todo o sentido, além de ser um monumento lindo para visitar. Na edição sul, o Greenfest será este ano no novo campus da Universidade Nova, em Carcavelos. Este é um local que apela ao trabalho colaborativo e tem muitos espaços informais, além de que tem a proximidade da praia.
A preparação das duas edições já vai avançada, com muitos eventos dentro do evento, e com a preocupação de apresentar conteúdos para empresas, sociedades civil, municípios, ONG e escolas. Mas também queremos garantir que, durante o fim de semana, existem conteúdos para toda a família, transversal a quatro gerações.
Passar pelo Greenfest é uma oportunidade fantástica de ver o que de melhor se faz em diferentes domínios: ambiental, social, cultural e económico. Para mim, a fundação deste festival, há 12 anos, coincidiu com a mudança de vida de que falámos no princípio desta entrevista.