O júri foi constituído por Ana Gabriela Macedo, Carlos Vaz Marques, Isabel Lucas, Isabel Pires de Lima e José Mário Silva.
“O romance destaca o lado mais sombrio da natureza humana, numa comunidade dominada pela violência mais extrema e pela luta entre cartéis de droga. Com uma escrita torrencial marcada pela coloquialidade, a escritora dá corpo a uma narrativa polifónica que exacerba a existência de personagens, elas próprias restos na periferia da periferia. Tudo isto conduz o leitor a uma experiência de vertigem, isenta de qualquer tentação moralista”, escreveu o júri.
O prémio, agora de 25 mil euros, vai ser entregue no sábado, a par dos demais galardões do evento que hoje começou em pleno na Póvoa de Varzim.
“Temporada de furacões”, publicado em Portugal em janeiro do ano passado, é um romance original e violento, que aborda temas como machismo, abusos sexuais e superstição no México.
Este terceiro livro de Fernanda Melchor, atualmente um dos nomes mais aclamados da literatura latino-americana, foi lançado no México em 2017, tendo conhecido de imediato, e principalmente após começar a ser traduzido para língua inglesa, enorme sucesso junto da crítica e do público, arrecadando importantes prémios como o International Literature Award, PEN México Award for Literary and Journalistic Excellence e Anna-Seghers.
“Temporada de furacões” figurou ainda na lista de finalistas ao National Book Award, ao Dublin Book Award e ao Prémio Booker Internacional, um dos mais importantes para obras de ficção traduzida para inglês, a que voltou a ser candidata em 2022, com o seu último romance, “Paradaise”, publicado este mês em Portugal, também pela Elsinore.
A voz de Fernanda Melchor junta-se à de outras autoras latino-americanas que se têm destacado por uma escrita poderosa e incómoda, que abordam temas como a violência, o abuso sexual, a pobreza, a corrupção e a superstição, aliando, neste caso, o conteúdo a um estilo narrativo original, caracterizado por blocos de texto corrido sem parágrafos, com avanços e recuos temporais e mistura de discursos direto e indireto.
A história passa-se em La Matosa, aldeia pobre do interior do México frequentemente assolada por furacões, e começa com um grupo de crianças que encontra um corpo mutilado a flutuar num canal de irrigação.
Este cadáver é a Bruxa, uma espécie de curandeira, que herdou da mãe “o negócio das curas e dos malefícios”, de quem ninguém conhece o nome, pois era tratada por “menina” pela mãe, e passou a ser Bruxa (como também a mãe era conhecida) quando ficou sozinha.
Temida e respeitada, a Bruxa era procurada por todos os que precisavam de ajuda para resolver problemas, desde abortos a feitiços para atrair ou afastar a pessoa amada.
Na busca do assassino, a história vai sendo narrada, na terceira pessoa, sob o ponto de vista de diferentes personagens ligadas direta ou indiretamente à Bruxa.
É através das histórias dessas pessoas, que se vai desvendando a violência daquela sociedade, com relatos de misoginia, homofobia, racismo, erotismo perverso, violação, pedofilia, corrupção, sempre envoltos numa aura de superstição que parece tudo querer justificar.
A inspiração para esta história de ficção partiu de um acontecimento real, de que Fernanda Melchor teve conhecimento através de uma notícia de jornal.
Uma mulher foi assassinada e o seu corpo encontrado num canal perto de Veracruz, cidade onde a escritora nasceu há 41 anos, tendo o assassino confessado que cometeu o crime porque a mulher o tentara enfeitiçar, um episódio revelador da dimensão que a crença no sobrenatural ocupa naquela região.
O romance de Fernanda Melchor também não deixou indiferentes as escritoras argentinas Mariana Enriquez e Samanta Schweblin, outros aclamados nomes da nova literatura latino-americana.
A primeira, autora de “A nossa parte da noite” e “As coisas que perdemos no fogo”, descreveu esta obra como “uma experiência literária intensa e hipnótica, na qual a violência física e a hostilidade da paisagem se aliam para formar um microcosmo de desespero”.
“Fernanda Melchor é detentora de uma voz poderosa, e por poderosa entendo implacável, devastadora, a voz de alguém que escreve com raiva e que tem o talento para a exprimir”, considera, por sua vez, Samanta Schweblin, autora de “Pássaros na boca” e “Distância de segurança”.
Nascida em 1982, Fernanda Melchor é escritora e tradutora, sendo formada em jornalismo com um mestrado em Estética e Arte.
Colabora com vários jornais e publicou, além dos dois romances já editados em Portugal, um volume de contos, “Aquí no es Miami” (2013), e o romance “Falsa libere” (2013).
O seu mais recente romance, “Paradaise”, é também uma exploração da violência e fragilidade da sociedade mexicana, das suas tendências racistas, classistas e hiperviolentas, centrada num adolescente pobre e desajustado que sonha em fugir da sua aldeia miserável.
Trabalhando como jardineiro num condomínio de luxo, de nome “Paradaise” e situado na margem oposta do rio que divide a localidade mexicana de Progreso, onde vive, o jovem Polo vê-se obrigado a servir os ricos e a ser explorado pelo patrão.
Nesse condomínio, conhece o obeso e solitário Franco, filho de um advogado influente, com quem estabelece uma relação momentânea, regada a álcool, cigarros, baboseiras e fantasias.
Viciado em pornografia, Franco desenvolve uma obsessão por uma vizinha atraente e casada, ao ponto de engendrar com Polo, durante os seus encontros secretos junto ao cais, um plano macabro para obterem aquilo que julgam merecer.
Lusa