Um estudo pioneiro que envolveu mais de 150 profissionais de saúde sobre os desafios da gestão de doentes com insuficiência cardíaca apontou lacunas na organização destes cuidados, sobretudo no trabalho em rede entre cuidados de saúde primários e hospitais, avança a Lusa.
As conclusões, a que a Lusa teve acesso, referem a necessidade de redes de referenciação bem definidas para estes doentes, integrando centros de saúde, hospitais regionais e hospitais centrais, assim como de disponibilizar exames essenciais ao diagnóstico nos cuidados de saúde primários, onde não estão disponíveis de forma comparticipada.
Isto permitiria um diagnóstico mais atempado e iria “otimizar a referenciação de doentes a consultas hospitalares especializadas”.
Os dados foram divulgados a poucos dias do Dia Mundial do Coração, que se assinala na sexta-feira (dia 29).
“Falta articulação entre vários tipos de cuidados. Claro que na base está uma dificuldade da perceção do impacto que a insuficiência cardíaca tem na população”, explicou à Lusa Jonathan Santos, médico de Medicina Geral e Familiar (MGF) que faz parte da comissão científica deste estudo.
As estimativas indicam que existem mais de 400 mil pessoas com insuficiência cardíaca em Portugal, mas muitos doentes não estarão diagnosticados e, por isso, podem estar subtratados. Com o envelhecimento da população, o número de doentes com este problema deverá crescer, aumentando a exigência sobre os cuidados de saúde, com mais internamentos – a Insuficiência Cardíaca (IC) é a principal causa de internamento em doentes com mais de 65 anos – e a necessidade de mais consultas, refletindo-se também na taxa de mortalidade.
“Há 20 anos a população tinha uma faixa etária que agora não tem. Além disso, também se deve a uma maior sobrevivência a uma série de eventos cardiovasculares, como enfartes e AVC [acidentes vasculares cerebrais]“, afirmou Jonathan Santos, lembrando a existência, atualmente, de “terapêuticas inovadoras que têm vindo a controlar outras doenças crónicas, como a diabetes e a hipertensão”.
O trabalho reuniu, pela primeira vez, especialistas do Grupo de Estudo de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, o Núcleo de Estudos de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e o Grupo de Estudos de Doenças Cardiovasculares da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.
Para perceber os desafios na gestão destes doentes, foi elaborado um questionário com 16 ‘statements’ dirigido a profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) que se dedicam diariamente a esta síndrome.
O questionário, envolvendo áreas como a educação (literacia), o diagnóstico, as opções terapêuticas e a organização de cuidados foi dirigido a 152 enfermeiros e médicos de Medicina Geral e Familiar, Cardiologia e Medicina Interna.
Numa primeira fase – explica Jonathan Santos – “é muito difícil fazer um diagnostico” porque as pessoas “têm sintomas e sinais que se podem assemelhar ao envelhecimento natural (…) e desvalorizam”. “Quando recorrem aos serviços de saúde vão ao serviço de urgência (…), já numa fase avançada da doença””.
Lembra ainda a necessidade de proatividade dos clínicos, questionando os doentes, sobretudo os que têm fatores de risco de desenvolver a doença. Havendo suspeitas, devem fazer-se exames como eletrocardiograma, ecocardiograma e, por exemplo, “uma análise [NT-pro-BNP/BNP] que poderia servir no rastreio nos casos mais dúbios, numa fase inicial, mas que neste momento só é comparticipada pela ADSE”.
Sublinha ainda que “a literacia deveria estar na base dos cuidados de saúde”: “A população deveria saber o que é a IC, como se pode manifestar, quando devem recorrer aos cuidados de saúde e o tipo de acompanhamento que lhes pode ser oferecido”.
“O que acontece é que as pessoas, mesmo as que têm insuficiência cardíaca, dizem que têm um problema do coração. Ora uma pessoa que tem diabetes não diz que tem um problema de açúcar”, concluiu.