Numa apresentação perante a Assembleia-Geral da ONU das suas prioridades para 2024, Guterres afirmou que o Conselho de Segurança das Nações Unidas – a principal plataforma para questões de paz global – está num impasse devido a “fissuras geopolíticas”.
Apesar de admitir que não se trata da primeira vez que o Conselho se encontra dividido, frisou que é a “pior”, a “mais profunda e perigosa”, num momento em que o “mundo entrou numa era de caos”.
“Durante a Guerra Fria, mecanismos bem estabelecidos ajudaram a gerir as relações entre as superpotências. No mundo multipolar de hoje, faltam tais mecanismos. O nosso mundo entrou numa era de caos. Estamos a ver os resultados: um vale-tudo perigoso e imprevisível, com total impunidade”, advogou.
O líder da ONU observou que os Governos estão a “ignorar e a minar” os próprios princípios do multilateralismo – “sem qualquer responsabilização”.
Após décadas de desarmamento nuclear, sublinhou, os Estados competem agora para tornar os seus arsenais nucleares mais rápidos, mais furtivos e mais precisos, criando novas formas para a “humanidade se aniquilar”.
“Precisamos de reforçar e renovar os quadros globais de paz e segurança para lidar com as complexidades do mundo multipolar de hoje”, defendeu.
Nesse sentido, António Guterres reiterou os apelos que vem fazendo nos últimos anos em prol de uma reforma do Conselho de Segurança, para que seja capaz de tomar decisões e implementá-las, além de se tornar mais representativo.
“É totalmente inaceitável que o continente africano ainda esteja à espera de um assento permanente”, realçou.
Frequentemente considerado obsoleto, o Conselho de Segurança já é alvo de pedidos de reforma e expansão há décadas, com países emergentes como a Índia, África do Sul e Brasil a pretenderem juntar-se aos cinco membros permanentes – Rússia, China, Estados Unidos, França e Reino Unido.
Em geral, quase todos os países da ONU consideram necessário reformar o Conselho de Segurança, mas não há acordo sobre como fazê-lo, com diferentes propostas na mesa há anos.
Ao longo dos anos, o poder de veto – detido exclusivamente pelos cinco membros permanentes – tem sido uma das questões mais polémicas e alvo de vários pedidos de modificação.
Esse tem sido, aliás, o mecanismo usado pela Rússia para impedir que o Conselho de Segurança atue contra si face à Guerra na Ucrânia.
De acordo com Guterres, os métodos de trabalho do Conselho também devem ser atualizados para que possa fazer progressos, “mesmo quando os membros estão fortemente divididos”.
Além de uma reforma do Conselho de Segurança, o secretário-geral apelou também a uma reforma da arquitetura financeira internacional, a qual considera “desatualizada, disfuncional e injusta”, uma vez que “favorece os países ricos que a conceberam há quase 80 anos” e “não cumpre a função básica de proporcionar uma rede de segurança financeira para todos os países em desenvolvimento”.
Perante o corpo diplomático presente na Assembleia-Geral da ONU, Guterres aproveitou ainda para defender a necessidade de um envolvimento significativo dos jovens na tomada de decisões, um Pacto Digital Global para maximizar os benefícios das novas tecnologias e minimizar os riscos, assim como uma plataforma de emergência para melhorar a resposta internacional a choques globais complexos.
Lusa