A importância do sono depois dos 50 (e não só!)

Dormir bem é essencial para nos mantermos saudáveis física e psicologicamente. Mas será que as necessidades de sono variam de acordo com a idade?

O sono é essencial para funções vitais do corpo humano, como a conservação de energia, o metabolismo anabólico, o amadurecimento do sistema nervoso central, a consolidação da memória, a secreção de hormonas e o desempenho cognitivo, apenas para citar algumas das mais importantes. No entanto, dormir não deixa de ser um comportamento paradoxal, se pensarmos em termos evolutivos. Para os primeiros seres humanos do planeta, a probabilidade de dormir e não voltar a acordar era grande, dada a maior vulnerabilidade face a predadores, mas nem por isso esta necessidade do corpo humano viria a diminuir ao longo do processo evolutivo. Até à primeira metade do século XX, os cientistas acreditavam que o cérebro se desligava completamente durante o sono, como se o descanso do corpo implicasse uma interrupção das funções cognitivas. Hoje sabemos que não é exatamente isso que acontece.

Teresa Paiva, médica neurologista e especialista em medicina do sono, considera que «o sono é uma viagem do cérebro e do corpo, com várias paragens, destinos e objetivos que no essencial visam duas finalidades nucleares: a homeostase (equilíbrio e reparação de múltiplas funções) e a sobrevivência».

Um dos objetivos deste processo tão importante consiste na economia de energia. Enquanto dormimos, o corpo repara-se a si mesmo e reduz a necessidade de consumo de energia. Se estivéssemos acordados durante 24 horas por dia, seria preciso ingerir muito mais calorias para mantermos os níveis de energia necessários à nossa atividade, o que seria tão inviável para o mundo moderno como para os homens primitivos, que lidavam com escassez de alimento.

Outra função do sono consiste na sua própria reparação e manutenção. A privação do sono causa um enfraquecimento rápido do sistema imunitário, bem como uma degradação do funcionamento dos órgãos. Até há pouco tempo sabíamos que não dormir poderia levar à morte, mas não estava totalmente esclarecido o porquê. Um estudo de 2016, realizado na Universidade de Surrey, no Reino Unido, veio dar mais algumas luzes sobre este assunto. A pesquisa consistiu em manter pessoas acordadas durante 29 horas, após as quais foram feitas análises sanguíneas. Foi então descoberto que quando não dormimos ocorre um aumento generalizado da contagem de glóbulos brancos no sangue, que atinge níveis semelhantes aos de uma pessoa ferida. Sendo os glóbulos brancos um elemento central do sistema imunitário, conclui-se que, se não dormirmos, ele “dispara” sem necessidade, o que teoricamente compromete a capacidade do nosso corpo para combater infeções.

O mesmo estudo concluiu que a privação do sono aumenta a secreção de hormonas como o cortisol (a hormona do stress) e a adrenalina, o que tem efeitos no corpo logo nas primeiras 24 horas sem sono. A pressão sanguínea aumenta, o metabolismo é desregulado e a pessoa sente uma muito maior necessidade de consumir hidratos de carbono. Nos casos mais graves, e mantendo-se a privação do sono, começam a registar-se alucinações.

Mesmo que não se chegue ao extremo de ficar 29 horas sem dormir, como foi testado neste estudo da Universidade de Surrey, a subvalorização de uma rotina de sono saudável tem consequências. «Desvalorizar hábitos de sono saudáveis pode desencadear múltiplas doenças, como hipertensão, diabetes tipo 2, patologias do cérebro e cardiovasculares, Alzheimer, cancro, obesidade, depressão e insónia. Podem ainda registar-se alterações de memória e emocionais», esclarece Teresa Paiva.

Mas o que são hábitos de sono saudáveis? Segundo a especialista, a ideia de que se deve dormir oito horas por dia é errada. «Cada um deve dormir aquilo que precisa, em horários regulares. Para algumas pessoas são oito horas, para outras poderá ser menos ou mais. A necessidade de dormir varia de pessoa para pessoa, mas é importante manter uma consistência na hora de ir dormir e na hora de levantar».

Do mesmo modo, o sono não é igual em todas as idades e varia consoante o nível de atividade de cada um. Com o avançar da idade, «as pessoas precisam de dormir menos, porque existe uma menor atividade e um metabolismo mais lento. Mas os idosos com um estilo de vida ativa não têm uma redução muito significativa face à necessidade de dormir». Isto é particularmente importante se lembrarmos a função de recuperação do corpo exercida pelo sono, referida anteriormente. Quanto maior a atividade, maior a necessidade de recuperação durante o sono, o que significa que a idade, embora tenha influência, é menos relevante do que o nível de atividade de cada pessoa.

A consolidação da memória
Ao contrário do que se pensou durante muito tempo, o cérebro não se desliga enquanto dormimos. Bem pelo contrário. Do ponto de vista neurológico, o sono é um processo intenso, com muitos “altos e baixos” e diferentes etapas que atravessam o consciente, o subconsciente e o inconsciente, até se chegar ao chamado sono profundo, A última etapa do sono, designada por REM ou Movimento Rápido dos Olhos, é aquela em que o sono produz os efeitos mais reparadores, e também aquela em que sonhamos.

É também na fase REM que consolidamos as nossas memórias. Muitas vezes sonhamos com acontecimentos recentes do mesmo dia em que estamos a dormir, que surgem nos sonhos de uma forma distorcida ou exagerada. Um estudo conduzido pelo psicólogo britânico Mark Blagrove concluiu que acontecimentos da nossa experiência surgem nos sonhos pelo menos três vezes: na primeira, na quinta e na sétima noite de sono. O motivo pelo qual esta informação nos parece nova é o facto de não nos lembrarmos da maioria dos nossos sonhos.

Esta repetição serve para consolidar a memória. Mas o sono é também responsável pelo processo contrário. Uma das teorias que existem em torno desta matéria é a hipótese da homeostase sináptica, desenvolvida na Universidade de Wisconsin, segundo a qual o cérebro corta algumas ligações entre neurónios durante o sono, destruindo memórias. O objetivo desta destruição é libertar “espaço” para o armazenamento de novas memórias – essencial à aprendizagem de coisas novas.

Para selecionar as memórias menos importantes, o cérebro compara as novas ligações entre neurónios com informação de memória já consolidada. Quando conhecemos alguém, a relação desse evento com informação existente no cérebro poderá determinar se essa memória será ou não apagada pelo cérebro a curto prazo. A existência de afinidades, amigos em comum, experiências traumáticas partilhadas ou mesmo atração sexual tornarão a memória do novo conhecido mais provável de ser consolidada; a simples casualidade, desinteresse ou ausência de pontos em comum tornará a memória mais provável de ser destruída pelo cérebro.

Uma hipótese defendida por alguns cientistas é a de que esta destruição de memórias ocorra na terceira fase do sono, imediatamente antes de começarmos a sonhar. Isto significa que quando o sonho começa, o nosso cérebro ainda está sob a influência deste processo, havendo fragmentos de memória incoerentes que podem explicar o teor fantasioso dos sonhos. No entanto, tal como muitos aspetos relacionados com o sono e o sonho, esta relação não é comprovada.

Insónias
Neste ponto do nosso artigo já estará bem estabelecida a importância que o sono tem para o nosso corpo, pelo que quaisquer fatores que o perturbem devem ser cuidadosamente monitorizados. A insónia, muitas vezes desvalorizada, pode surgir em três formas, segundo Teresa Paiva: «Insónia não é apenas não conseguir dormir. É também dormir pouco ou ter um sono não reparador. Para a ocorrência de insónias contribuem múltiplas causas orgânicas, existenciais e psicológicas.» Nas pessoas com mais de 50 anos é também um dos distúrbios do sono mais frequentes, a par com «apneias e movimentos periódicos do sono».

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 27% das pessoas que recorrem aos cuidados de saúde primários não dormem bem e uma em cada quatro pessoas já teve pelo menos um episódio de insónia ao longo da vida. Embora a insónia não seja uma doença, ela pode ser um sintoma de outros problemas orgânicos ou psicológicos. Tratar insónias com medicamentos pode ser um erro, porque estamos a tentar tratar um sintoma sem conhecermos a sua causa. No caso de insónias recorrentes, torna-se por isso necessário identificar quando e em que circunstâncias começaram os episódios.

Em jeito de conclusão, Teresa Paiva recorda que «o sono é e sempre foi essencial para a saúde, para o equilíbrio físico e emocional e para o desempenho cognitivo». O que nos tira o sono? «Os hábitos simultaneamente matutinos e noctívagos, o stress e o excesso de trabalho ou afazeres.» É por isso que as recomendações habituais para uma vida saudável também valem na hora de dormir bem. Alimentação equilibrada, prática de exercício físico, evitar o stress, não fumar e moderar o consumo de álcool e café são um excelente começo para boas noites de sono.

Mas há mais. O sono é coordenado por uma hormona chamada melatonina, produzida pela glândula pineal, no cérebro, que funciona como elemento-chave para o “relógio interno” que nos faz dormir e acordar em ciclos de 24 horas. A melatonina adapta os seres vivos (animais e plantas) ao ritmo do Sol, sendo produzida em maior quantidade quando escurece, levando-nos a adormecer. Com o nascer do Sol, a produção desta hormona reduz, o que nos faz acordar. É por isso que os melhores hábitos de sono estão relacionados com a hora solar, da qual devemos estar sempre tão perto quanto possível, segundo Teresa Paiva.

Assim, deitar cedo e cedo erguer é uma máxima que continua a valer para todas as idades, desde que entre uma coisa e outra esteja o tempo suficiente de que cada um precisa para dormir, num período preferencialmente noturno.

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